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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Helena Silveira Armando Waitman

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Academic year: 2021

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(1)

O artigo 384 da Consolidação das Leis do Trabalho em face da Constituição Federal de 1988

Mestrado em Direito

São Paulo 2016

(2)

O artigo 384 da Consolidação das Leis do Trabalho em face da Constituição Federal de 1988

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação do Professor Doutor Adalberto Martins.

São Paulo 2016

(3)

O artigo 384 da Consolidação das Leis do Trabalho em face da Constituição Federal de 1988

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação do Professor Doutor Adalberto Martins.

Aprovada em: ____/_____/____.

Banca Examinadora

Professor Doutor Adalberto Martins (Orientador) Instituição: PUC-SP Julgamento:_____________________________________________________ Instituição:________________________Assinatura______________________ Professor(a) Julgamento:_____________________________________________________ Instituição:________________________Assinatura______________________ Professor(a) Julgamento:_____________________________________________________ Instituição:________________________Assinatura______________________

(4)

Agradeço, em primeiro lugar, a Deus, por mais essa oportunidade de crescimento;

Aos meus bisavôs e aos meus avôs, in memoriam, por, mesmo à distância, estarem sempre por perto; por terem me guiado na direção certa;

A minha mãe, Marina Silveira Nouguès Armando, por ter me ensinado que a vida é eterna; que sempre temos novas oportunidades de crescer e ajudar ao próximo; por ter se tornado muito mais que uma mãe;

Ao meu pai, Chabti Ezra Waitman, por ter me ensinado a sempre lutar, sem nunca desistir; por jamais ter deixado alguém me fazer sentir ou pensar que eu era inferior; por fazer parte de quem eu sou;

Ao meu irmão, Daniel Silveira Armando Waitman, o melhor espírito que conheço, pelo amor e apoio incondicional; por ter vindo nessa encarnação atrás de mim; por ser meu companheiro de jornada; pelo novo membro da família que está a caminho;

Ao meu orientador, Professor Doutor Adalberto Martins, pelos inesgotáveis ensinamentos, pelo direcionamento e apoio ao longo do curso, minha eterna gratidão;

A minha melhor amiga, Sylvia Helena dos Santos Claro, pelos longos anos de amizade verdadeira, pelo apoio incondicional sem julgamento, por ser a irmã que eu nunca tive;

Por fim, mas não menos importante, aos meus incríveis e estimados amigos, por serem a minha família, por estarem sempre por perto quando preciso.

(5)

Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer

um pode começar agora e fazer

um novo fim.

(6)

A presente dissertação tem por objetivo analisar a recepção ou não recepção do artigo 384 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) pela Constituição Federal de 1988. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, I, prevê a igualdade de homens e mulheres em direitos e obrigações. Já o artigo 384 da CLT prevê um descanso de 15 minutos, somente às mulheres, antes do início do labor extraordinário. Partindo do estudo do princípio da igualdade, permeando a evolução histórica e normativa da proteção ao trabalho da mulher e verificando o controle de constitucionalidade vigente no sistema constitucional pátrio, chega-se à análise específica da compatibilidade ou não do artigo 384 da CLT com a atual Constituição Federal. O objetivo do trabalho é aprofundar a discussão sobre a abrangência do princípio da igualdade de gênero na atualidade frente a mudança no papel social da mulher desde 1943 (ano de aprovação da CLT), colocando em pauta a vigência ou não das normas protetivas ao seu trabalho, em especial do artigo 384 da CLT.

Palavras-chave: Direito do Trabalho. Princípio da igualdade. Igualdade de

gênero. Proteção ao trabalho da mulher. Artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal de 1988. Artigo 384 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

(7)

The main objective of this thesis is to analyze the reception or non-reception of Article 384 of the Consolidation of the Labor Laws by the Federal Constitution of 1988. The Constitution of 1988, in Article 5, I, set the equality of men and women in rights and obligations. On the other hand, article 384 of the Consolidation of the Labor Laws provides a rest of fifteen (15) minutes, only to women, before the overtime. Based on the study of the principle of equality, elapsing through the historical evolution and protection rules related to the work performed by women and the current Brazilian constitutionality control system, we come to the specific analysis of the compatibility or not of Article 384 of the Consolidation of Labor Laws with the present Federal Constitution. The purpose of this study is to deepen the discussion on the scope of the principle of gender equality nowadays regarding the change of women’s social role since 1943 (the year of approval of the Consolidation of the Labor Laws), putting in question the validity or not of women’s protective job rules, in particular Article 384 of the Consolidation of the Labor Laws.

Keywords: Labor Law. Principle of equality. Gender equality. Protection of

women's work. Article 5, I, of the Federal Constitution. Article 384 of the Consolidation of Labor Laws.

(8)

1 INTRODUÇÃO 10

2 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE 13

2.1 Princípio jurídico 13

2.1.1 O conceito de igualdade 17

2.1.2 A igualdade como princípio 20

2.2 Breve histórico da evolução normativa do princípio

da igualdade 24

2.3 Igualdade formal e igualdade material 27

2.3.1 Igualdade formal: isonomia 28

2.3.2 Igualdade material: não discriminação 30 2.4 Critérios para identificação do desrespeito

à igualdade 32

2.4.1 Fator de “discrímen” 33

2.4.2 Correlação lógica 34

2.4.3 Consonância com os interesses protegidos

na Constituição Federal de 1988 35

3 A PROTEÇÃO AO TRABALHO DA MULHER 38

3.1 A proteção ao trabalho da mulher: breve histórico 38 3.2 Breve síntese da evolução da proteção normativa

ao trabalho da mulher 41

3.2.1 No plano internacional 41

3.2.2 No Brasil 44

3.3 Fundamentos da proteção ao trabalho da mulher 47

3.4 Ações afirmativas 51

3.4.1 Conceito de ações afirmativas 52

3.4.2 Modalidades de ações afirmativas 54

3.5 Igualdade de gênero e as discriminações presentes

na própria Constituição Federal de 1988 54 3.6 As regras infraconstitucionais de proteção ao

trabalho da mulher revogadas após a

Constituição Federal de 1988 56

4 A NÃO RECEPÇÃO OU INCONSTITUCIONALIDADE

DAS NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS 60

4.1 Supremacia da Constituição 60

4.2 Distinção entre não recepção e inconstitucionalidade

das normas infraconstitucionais 62

4.3 Espécies de inconstitucionalidade 63

4.3.1 Inconstitucionalidade formal e material 63 4.3.2 Inconstitucionalidade por ação e por omissão 64

4.3.3 Outras classificações 65

4.4 O sistema brasileiro de controle de constitucionalidade 65

4.4.1 Antecedentes do modelo em vigor 65

4.4.2 O sistema de controle judicial de constitucionalidade na

Constituição Federal de 1988 66

(9)

4.5.4 Quanto à forma ou modo de controle judicial 70 4.6 A incompatibilidade de norma infraconstitucional

violadora do princípio da igualdade e o controle de

constitucionalidade 71

5 O ARTIGO 384 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO EM FACE DO ARTIGO 5º, INCISO I, DA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL 73

5.1 A igualdade entre homens e mulheres: critérios de identificação do respeito ou desrespeito à igualdade

de gênero 73

5.2 O artigo 384 da Consolidação das Leis do Trabalho 76 5.3 A recepção ou a não recepção do artigo 384 da Consolidação das Leis do Trabalho pela Constituição Federal de 1988 80

5.3.1 A recepção do artigo 384 da CLT 82

5.3.2 A não recepção do artigo 384 88

5.3.3 A extensão do intervalo previsto no artigo 384 aos homens 91

5.3.4 Análise dos três posicionamentos 93

6 CONCLUSÃO 98

(10)

1 INTRODUÇÃO

O tema central da nossa investigação nesta pesquisa é a recepção ou não recepção do artigo 384 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) pela Constituição Federal promulgada em 1988.

O artigo 384 da CLT concede, somente às mulheres, o direito a um descanso de, no mínimo, 15 minutos, antes do início do período extraordinário do trabalho, ou seja, antes do início das horas extras ou da denominada “jornada extraordinária”.

Referido artigo, esquecido pelos profissionais do direito por muitos e muitos anos, ressurgiu na atualidade, a nosso ver especialmente após a alteração de entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) no tocante ao pagamento pelo empregador de intervalos suprimidos, com o cancelamento da Súmula nº88 e a edição da Orientação Jurisprudencial nº355, da SDI-1, e ocasionou grande controvérsia doutrinária e jurisprudencial sobre sua vigência, em especial em decorrência da previsão do artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal, segundo o qual “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”.

A análise da recepção ou não recepção do artigo 384 da CLT depende, primariamente, do que se entende por igualdade, e, no nosso caso especificamente, igualdade de gênero. Por essa razão, tratamos do princípio da igualdade no segundo capítulo desta dissertação, logo após a introdução do trabalho.

Esclareça-se, inicialmente, que mencionamos “o que se entende por igualdade” uma vez que, como será visto, o sentido da palavra “igualdade”, assim como o próprio conceito do “princípio da igualdade”, vêm sendo debatidos há séculos, sem haver consenso sobre suas definições.

No referido capítulo faremos uma incursão sobre o princípio constitucional da igualdade, corolário do nosso Estado Democrático de Direito, conforme consta no Preâmbulo da Constituição Federal de 1988:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

(11)

Buscaremos a compreensão do conceito de igualdade, especialmente do ponto de visto jurídico – o que não é tão simples como pode parecer –, bem como da adoção de ações afirmativas para a implementação da igualdade entre homens e mulheres, sendo, uma delas, a previsão do artigo 384 da CLT.

Por fim, discorreremos sobre os critérios para identificar o desrespeito à igualdade, o que será de suma importância à análise do nosso tema principal, uma vez que a recepção ou não recepção do artigo 384 da CLT depende exatamente do posicionamento sobre o desrespeito ou não, pelo referido artigo à igualdade entre homens e mulheres prevista no artigo 5º, I, da Constituição Federal de 1988.

No terceiro capítulo, analisaremos a evolução da proteção ao trabalho da mulher e seus fundamentos, proteção essa baseada no estereótipo de “sexo frágil” ou por motivos de “ordem fisiológica”, já que a mulher não seria dotada da mesma resistência física que o homem.

Daremos ênfase às normas da CLT de proteção ao trabalho da mulher revogadas expressamente pelo legislador após a promulgação da Constituição Federal de 1988, e examinaremos com maior profundidade o artigo 384 da CLT, o qual não foi revogado expressamente até o momento.

No quarto capítulo, discorreremos sobre o que torna uma norma infraconstitucional – anterior ou posterior ao sistema constitucional vigente – incompatível com a Constituição Federal de 1988. Em especial, explicaremos o porquê do presente trabalho discutir “a recepção ou não recepção” ao invés de “a constitucionalidade ou inconstitucionalidade” do artigo 384 da CLT.

Analisaremos, ainda, o sistema de controle judicial de constitucionalidade na Constituição Federal de 1988, ou seja, por quais meios uma norma incompatível com a Constituição pode não ser aplicada ou ter sua vigência negada.

No último capítulo, passaremos a analisar criticamente o tema central, ou seja, a igualdade ou desigualdade entre homens e mulheres que possa permitir, ou não, o tratamento diferenciado previsto no artigo 384 da CLT.

Destacaremos as posições doutrinárias e as decisões judiciais favoráveis e desfavoráveis à recepção do artigo em questão e seus fundamentos. Além disso, examinaremos uma terceira posição, segundo a qual o artigo 384 da CLT foi recepcionado e, ante o princípio da igualdade, deve ser aplicado também aos homens.

(12)

Pretendemos concluir a presente dissertação – sem pretender esgotar o tema – aprofundando a discussão sobre o princípio da igualdade e a atual igualdade ou desigualdade entre homens e mulheres, a necessidade ou não da proteção ao trabalho da mulher nas questões que não envolvam a gestação e a maternidade e a não recepção do artigo 384 da CLT pela Constituição Federal de 1988.

(13)

2 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE 2.1 Princípio jurídico

O Estado constitucional surgiu como uma tentativa de gerar um novo postulado jurídico-político, visando à prevalência de uma ordem fundada em princípios, na busca da justiça social.

Segundo os ensinamentos de Luís Roberto Barroso,

[...] a democracia, direitos fundamentais, desenvolvimento econômico, justiça social e boa administração são algumas das principais promessas da modernidade. Estes os fins maiores do constitucionalismo democrático, inspirado pela dignidade da pessoa humana, pela oferta de iguais oportunidades às pessoas, pelo respeito à diversidade e ao pluralismo, e

pelo projeto civilizatório de fazer de cada um o melhor que possa ser1.

Antes de adentrarmos especificamente no princípio da igualdade, faremos uma breve explanação sobre a definição de “princípio”, no ramo do direito.

A coerência interna de um sistema jurídico decorre dos princípios sobre os quais ele se organiza.

Com efeito, a Lei Maior do ordenamento jurídico pátrio, logo no seu Título I, confere aos princípios o caráter de autênticas normas constitucionais. Vale dizer, já não há mais razão para a velha discussão sobre a posição dos princípios entre as fontes do direito, porquanto os princípios fundamentais inscritos na Constituição Federal de 1988 são fontes normativas primárias do nosso ordenamento jurídico.

Para Arnaldo Süssekind, princípios são

[...] enunciados genéricos, explicitados ou deduzidos, do ordenamento jurídico pertinente, destinados a iluminar tanto o legislador, ao elaborar as leis dos respectivos sistemas, como o intérprete, ao aplicar as normas ou

sanar omissões2.

Na definição de Américo Plá Rodriguez, princípios são

[...] linhas diretrizes que informam algumas normas e inspiram direta ou indiretamente uma série de soluções, pelo que podem servir para promover

1

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p.91.

2

(14)

e embasar a aprovação de novas normas, orientar a interpretação das

existentes e resolver os casos não previstos3.

Segundo Miguel Reale,

[...] podemos dizer que os princípios são “verdades fundantes” de um

sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades

da pesquisa e da praxis4.

Os chamados princípios gerais de direito, portanto, são verdades que dão sustentação ao sistema jurídico como um todo, ou seja, “enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas”5

.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, princípio é, por definição,

[...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido humano. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu

arcabouço e corrosão de sua estrutura mestra6.

Nas palavras de Vólia Bomfim Cassar, princípio é “a postura mental que leva o intérprete a se posicionar desta ou daquela maneira. Serve de diretriz, de arcabouço, de orientação para que a interpretação seja feita de uma certa maneira e, por isso, tem função interpretativa” 7

.

Os princípios traduzem mandamentos de otimização, ou seja, formulam a exigência de que “algo seja realizado, na maior medida possível dentro das

3 RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. 3.ed. São Paulo: LTr., 2002, p.36. 4 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 24.ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p.305. 5

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 24.ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p.306.

6 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 1995, p.538. 7 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 9.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p.153.

(15)

possibilidades jurídicas e fáticas existentes”8

, vale dizer, não apresentam um mandamento definitivo, e sim prima facie. As regras, por outro lado, “exigem que seja feito exatamente aquilo que elas ordenam, elas têm uma determinação da extensão de seu conteúdo no âmbito das possibilidades jurídicas e fáticas”9

.

Princípios são, portanto, normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. São, por conseguinte, mandamentos de otimização, caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas.

A Constituição Federal de 1988 elevou os princípios à categoria de norma, positivando-os.

O princípio da igualdade, insculpido no caput do artigo 5º, um dos “princípios fundamentais” da Constituição de 1988, teve e ainda tem um histórico de conquistas que evoluiu a partir dos avanços de nossa sociedade, apesar de ainda recente sua normatização explícita.

Com efeito, a igualdade é um princípio que visa a duplo objetivo: de um lado, propiciar garantia individual contra perseguições (não é sem razão que se encontra em artigo subordinado à rubrica constitucional “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”) e, de outro, impedir favoritismos.

A Constituição Federal de 1988 faz alusão aos direitos fundamentais não só como direitos subjetivos, mas também em uma dimensão institucional, indicando que seu respeito e observância constituem fundamento de nossa ordem política e princípio que deve nortear o país nas suas relações internacionais.

Não há consenso doutrinário quanto ao conceito do que é “direito”.

Ensina Marcus Cláudio Acquaviva que direito tem como significado originário

ius, de iustum, o que é por justiça devido a outrem. Nas suas palavras, “é preciso

entender que a lei não cria o direito, mas o reconhece e estabelece as condições de exercício dos direitos subjetivos”10

.

8

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva da 5.ed. alemã. São Paulo: Malheiros, 2008, p.104.

9

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva da 5.ed. alemã. São Paulo: Malheiros, 2008, p.104.

(16)

Nas palavras de Dimitri Dimoulis, “o direito faz parte dos conceitos controvertidos porque a sua definição está vinculada a ideias filosóficas que possuem forte carga emotiva e em relação às quais não é fácil obter um acordo”11

. Do mesmo ponto de vista partilha Maria Helena Diniz:

Não se tem conseguido um conceito único de direito, não só pela variedade de elementos que apresenta, mas também porque o termo “direito” é análogo, pois [...] ora designa a “norma”, ora a “autorização ou permissão” dada pela norma de ter ou fazer o que ela não proíbe, ora a “qualidade do justo” etc., exigindo tantas definições quantas forem as realidades a que se aplica. De maneira que a tarefa de definir, ontologicamente, o direito resulta sempre frustrada, ante a complexidade do fenômeno jurídico, devido à impossibilidade de se conseguir um conceito universalmente aceito, que abranja de modo satisfatório toda a gama de elementos heterogêneos que

compõem o direito12.

Miguel Reale define “direito”, ainda que de forma incompleta:

Podemos, pois, dizer, sem maiores indagações, que o Direito corresponde à exigência essencial e indeclinável de uma convivência ordenada, pois nenhuma sociedade poderia subsistir sem um mínimo de ordem, de direção e solidariedade. É a razão pela qual um grande jurista contemporâneo, Santi Romano, cansado de ver o Direito concebido apenas como regra ou

comando, concebeu-o antes como “realização de convivência ordenada” 13.

E completa:

No mundo moderno, outros pensadores renovaram o assunto como, por exemplo, Grócio, que foi o consolidador do Direito Internacional e, depois, Leibniz, que, além de grande matemático, cientista e filósofo, deixou escritos notáveis sobre problemas jurídicos. No mundo contemporâneo, especialmente a partir das últimas décadas do século XIX, é que o conceito voltou a adquirir nova profundidade, prevalecendo como critério distintivo fundamental, como resulta da doutrina de Rudolf Stammler sobre o Direito

como “forma de querer entrelaçante, heterônomo e inviolável” 14.

O termo “direito”, no plano subjetivo, segundo Vidal Serrano Nunes Júnior, deve ser entendido como “a prerrogativa ou possibilidade, reconhecida a alguém e correlativa de um dever alheio suscetível de imposição coativa, de dispor como um dono, dentro de certos limites, de um bem atribuído segundo uma norma jurídica

11

DIMOULIS, Dimitri. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 6.ed. São Paulo: RT, 2014, p.17. 12

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 19.ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.241-242.

13 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 24.ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p.2. 14 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 24.ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p.56.

(17)

positiva”15

; já no plano objetivo, não se pode esquecer que o termo, com a conexão sintática apontada, também o torna como parte integrante da própria noção de Estado Democrático de Direito.

O adjetivo “fundamentais” pretende expor a inerência destes direitos à condição humana; em última análise, privar alguém de direitos fundamentais significa privá-lo da vida ou do direito de pertencer à sociedade na qual se integra.

Dessa forma, Vidal Serrano Nunes Júnior conceitua “direitos fundamentais”:

[...] sistema aberto de princípios e regras que, ora conferindo direitos subjetivos a seus destinatários, ora conformando a forma de ser e de atuar do Estado que os reconhece, tem por objetivo a proteção do ser humano em suas diversas dimensões, a saber: em sua liberdade (direitos e garantias individuais), em suas necessidades (direitos sociais, econômicos

e culturais) e em relação à sua preservação (solidariedade) 16.

Explicando o conceito, esclarece o autor:

aponta-se que os direitos fundamentais constituem um sistema, na medida que suas normas estão em constante interação, reconduzindo sempre ao mesmo objeto: a proteção do ser humano [...] aponta-se o sistema como aberto, uma vez que suas normas não podem ser interpretadas distanciadas do contexto político, econômico e social em que devem ser aplicadas17.

2.1.1 O conceito de igualdade

A busca pela igualdade traduz, historicamente, a busca pela equidade e pela justiça.

Ensina Joaquim Barbosa que remonta ao Mundo Antigo

[...] a idéia essencial à existência humana, de que todos os seres humanos são naturalmente iguais. A igualdade, princípio jurídico-filosófico cultivado e disseminado a partir das revoluções políticas dos séculos XVII e XVIII, a exemplo do princípio da liberdade ou da autonomia individual, constitui um dos pilares da democracia moderna e componente essencial da noção de Justiça. Ainda que tenhamos herdado de Aristóteles o terrível axioma, professado aberta ou veladamente por muitos, de que “há homens que nasceram para escravos e outros para senhores”, o certo é que mesmo as

15 NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988 – estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais. São Paulo: Verbatim, 2009, p.12.

16 NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988 – estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais. São Paulo: Verbatim, 2009, p.15.

17 NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988 – estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais. São Paulo: Verbatim, 2009, p.15.

(18)

mais antigas escolas de pensamento já rechaçavam o princípio da desigualdade intrínseca do gênero humano e propugnavam, ao contrário, por uma igualdade substantiva e moral como critério de tratamento das pessoas18.

No contexto histórico, ensina Yara Maria Pereira Gurgel:

[...] a igualdade surgiu com Sólon (640-560 a.C.), como ideal a ser alcançado. Em seguida, Platão (429-347 a.C.) nela enxergou o fundamento da democracia, tendo defendido a igualdade de oportunidades, sobretudo às crianças virtuosas, para combater as desigualdades sociais. Entretanto, foram os estoicos que alertaram para a ideia de igualdade valorativa e natural entre os homens, superando a justificativa para a escravidão e a comparação entre coisas não comparáveis.

A despeito da superioridade natural de alguns em face de outros, alegada por Aristóteles (384-322 a.C.) e combatida por Sêneca, defensor da idéia de que o escravo é da mesma natureza de seu amo, o Mundo Antigo deixou como legado à humanidade um aparato filosófico de importância atemporal

em relação à igualdade entre os homens19.

Entendia Aristóteles20 que o Estado define o que é direito, devendo empregar o critério da justiça. O direito é justo quando protege os interesses gerais da sociedade e, em particular, quando trata de maneira igual as pessoas que se encontram em situação igual. Há duas formas de igualdade. A igualdade aritmética e a igualdade geométrica. A primeira exprime a justiça comutativa (ou sinalagmática); a segunda, a justiça distributiva (ou atributiva).

A justiça comutativa deve ser aplicada em caso de contratos. Este é o princípio da igualdade aritmética (“um por um”). A justiça distributiva é uma forma mais elevada de justiça. Fundamenta-se na proporcionalidade e aplica-se na distribuição dos ofícios e das honrarias objetivando determinar a posição social das pessoas. Critério de justiça distributiva é o valor pessoal, que é diferente para cada indivíduo. Por isso, o resultado da justiça distributiva é a desigualdade social. Cada um deve ter uma posição correspondente ao seu mérito e valor.

Desse modo, na ótica de Aristóteles, o direito se confunde com a justiça. Mas, por haver duas formas de justiça, deve ser decidido em cada caso se se aplica a justiça comutativa ou a distributiva, sendo os resultados muito diferentes.

18 GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade (o Direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA). Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.1. 19 GURGEL, Yara Maria Pereira. Direitos humanos, princípio da igualdade e não discriminação: sua aplicação às relações de trabalho. Tese (Doutorado em Direito) – Direito das Relações Sociais, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007, p.43-44.

20

(19)

Tempos depois, o Cristianismo reconheceu dignidade, valor e liberdade a todas as pessoas, já que todos são filhos de Deus.

Santo Agostinho vincula justiça e igualdade, condicionando a justiça de qualquer lei ao respeito ao valor da igualdade. Segundo o filósofo, há distinção entre

justiça comutativa e justiça distributiva. A primeira trata das relações intersubjetivas

entre pessoas privadas. A segunda diz respeito aos jurisdicionados e o Estado, de maneira que este deveria repartir os encargos segundo a “capacidade de resistência de cada membro da sociedade”. Assim, para a justiça distributiva não se fala em igualdade absoluta, já que ela reconhece a desigualdade de capacidade entre as pessoas21.

Durante a Idade Média, a igualdade como valor filosófico era tratada sob a distinção entre a lei (lex) e o privilégio (privilegium). As leis, preceito comum quanto à origem e aos destinatários, ou comandos gerais, eram dirigidas a todas as pessoas, sem distinção. Os privilégios consistiam em institutos de exceção, não direcionados a todas pessoas, mas exclusivos de alguns22.

Em 1789, a Revolução Francesa, fundamentada nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, rompeu – ao menos aparentemente – com o sistema de privilégios oferecidos pelo Estado a determinadas pessoas, que perpetrava a desigualdade perante a lei e a concentração do poder nas mãos da nobreza.

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), forte representante do movimento iluminista, que viria a ser um dos principais inspiradores da Revolução Francesa, defendia a igualdade de direitos e a soberania popular. Ratificou o entendimento dos estoicos: as desigualdades civis são fruto das convenções entre os homens – do

estabelecimento da propriedade e da própria lei e combateu a superioridade natural

de alguns homens contra outros23.

Por essas razões emerge o movimento constitucionalista liberal, que tem por ideal o fim do Absolutismo – sistema que sempre privilegiou poucos. O novo

21 GURGEL, Yara Maria Pereira. Direitos humanos, princípio da igualdade e não discriminação: sua aplicação às relações de trabalho. Tese (Doutorado em Direito) – Direito das Relações Sociais, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007, p.45.

22 GURGEL, Yara Maria Pereira. Direitos humanos, princípio da igualdade e não discriminação: sua aplicação às relações de trabalho. Tese (Doutorado em Direito) – Direito das Relações Sociais, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007, p.45.

23

DRAY, Guilherme Machado. O princípio da igualdade no direito do trabalho: sua aplicabilidade no domínio específico da formação de contratos individuais de trabalho. Coimbra: Almedina, 1999, p.28.

(20)

movimento tinha como base a divisão dos Poderes do Estado, essencial ao sistema de checks and balances, movido pelos ideais de liberdade contra o Poder Público e de igualdade de tratamento perante a lei.

Inspirado pela doutrina jusnaturalista, o movimento constitucionalista nutre a ideia de que a Constituição é a norma principal e superior de qualquer nação, capaz de oferecer proteção jurídica ao homem contra o arbítrio do Estado. Pela primeira vez, se atribuem ao ser humano direitos considerados fundamentais e nunca antes oferecidos por qualquer ordenamento constitucional.

Destarte, durante o movimento constitucionalista, buscou-se dar vazão à liberdade e à igualdade de todos perante a lei, traduzidas em direitos e deveres. Nesse contexto, todos são igualmente titulares de direitos.

Nesse sentido, a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, em seu preâmbulo, instituiu o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis que constituem o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.

Além disso, ressalta a referida Declaração de maneira expressa a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade dos direitos dos homens e das mulheres, decididos a favorecer o progresso social e a instaurar condições de vida melhores numa liberdade maior.

Destaca José Afonso da Silva que o conceito de igualdade sempre provocou posições extremadas. Há os que sustentam que a desigualdade é a característica do universo. Nas palavras do autor, “os seres humanos, ao contrário da afirmativa do artigo 1º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, nascem e perduram desiguais”24

. No polo oposto encontram-se os idealistas, que postulam um igualitarismo absoluto entre as pessoas.

Vista inicialmente como valor natural a todo ser humano, a igualdade adquire força à medida que é construída sob a visão principiológica do Direito.

2.1.2 A igualdade como princípio

Com fundamento na análise do princípio da igualdade ao longo da história é forçoso concluir que o simples enunciado formal da igualdade nos instrumentos

24

(21)

normativos dos diversos países não assegurou, pragmaticamente, a aplicação da igualdade. Na verdade, a igualdade deve ser incessantemente buscada na realidade social, a cada dia.

Abordar a temática da igualdade como princípio é analisar o ser humano como ente insubstituível, dotado de dignidade e, por isso, prioridade máxima para a ordem jurídica.

Oportuno sublinhar que o princípio da igualdade jurídica congrega uma concepção mais ampla, no sentido de instrumentalizar condições iguais de oportunidades e um efetivo equilíbrio dos cidadãos no Estado. A busca pela igualdade real nos remete a um dos fundamentos proclamados pela República Federativa do Brasil, na Constituição Federal de 1988, artigo 1º, III, a dignidade da pessoa humana.

Difícil, portanto, conceituar o princípio da igualdade, o qual, para muitos, se confunde com o próprio conceito de “direito”, razão pela qual não se pretende aqui esgotar o assunto, mas tão somente trazer um norte necessário para a análise do tema principal deste trabalho.

Pode-se pensar o princípio da igualdade recorrendo-se à notória afirmação de Aristóteles, segundo a qual igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e os desiguais na medida de sua desigualdade.

Todavia, conforme adverte Celso Antônio Bandeira de Mello25, cumpre-nos “buscar precisões maiores, porque a matéria, inobstante a limpidez das assertivas feitas, ressente-se da excessiva generalidade destes enunciados”.

Nas palavras de José Afonso da Silva,

[...] o direito de igualdade não tem merecido tantos discursos como a

liberdade. As discussões, os debates doutrinários e até as lutas em torno

desta obnubilaram aquela. É que a igualdade constitui o signo fundamental da democracia. Não admite os privilégios e distinções que um regime simplesmente liberal consagra. Por isso é que a burguesia, cônscia de seu privilégio de classe, jamais postulou um regime de igualdade tanto quanto reivindicara o de liberdade. É que um regime de igualdade contraria seus interesses e dá à liberdade sentido material que não se harmoniza com o

domínio de classe em que assenta a democracia liberal burguesa26.

25

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.39-40.

26

(22)

Conforme Celso Antônio Bandeira de Mello, “a Lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar eqüitativamente todos os cidadãos”27. Complementa o autor que este “é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo modo assimilado pelos sistemas normativos vigentes”28

.

O preceito magno da igualdade, nas lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, “é norma voltada quer para o aplicador da lei quer para o próprio legislador. Deveras, não só perante a norma posta se novelam os indivíduos, mas, a própria edição dela assujeita-se ao dever de dispensar tratamento equânime às pessoas”29

. Consoante Jorge Miranda, a análise do princípio da igualdade tem de assentar em três pontos firmes, acolhidos quase unanimemente pela doutrina e pela jurisprudência:

a) Que igualdade não é identidade e igualdade jurídica não é igualdade

natural ou naturalística;

b) Que igualdade significa intenção de racionalidade e, em último termo,

intenção de justiça; e

c) Que a igualdade não é uma “ilha”, encontra-se conexa com outros

princípios, tem de ser entendida – também ela – no plano global dos

valores, critérios e opções da Constituição material30.

No Brasil, o princípio da igualdade encontra-se expresso na Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, e seus 78 incisos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

A importância do princípio da igualdade, do qual deriva a regra da não-discriminação, é que constitui um dos princípios estruturantes do sistema constitucional, cuja base é a dignidade da pessoa humana, bem delineada no artigo 1º, III, da Constituição Federal de 1988, resgatado no artigo 7º, XXX (“proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”), XXXI (“proibição de qualquer discriminação no

27 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 1995, p.10. 28

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 1995, p.10. 29 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 1995, p.9. 30 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 5.ed. Coimbra: Coimbra, 2014, p.280.

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tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência”) e XXXII (“proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos”).

Referido princípio, assegurado constitucionalmente (artigo 5º) preconiza a igualdade de tratamento perante a lei, vedando “as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça”31

.

Sem contestar a inteira procedência da afirmação de Aristóteles – segundo o qual, como já visto, igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e os desiguais na medida de sua desigualdade – e reconhecendo sua validade como ponto de partida, deve-se negar-lhe o caráter de termo de chegada, pois entre um e outro extremo há um fosso de incertezas. Afinal, quem são os iguais e quem são os desiguais?

Como as leis nada mais fazem senão discriminar situações para submetê-las à regência de regras – sendo esta mesma sua característica funcional – é preciso indagar quais são as discriminações juridicamente válidas. Somente analisando essa questão poder-se-á chegar a um aprofundamento do princípio sob análise, de modo que sua defesa ou utilização não seja abstrata ou genérica.

Nas lições de Jorge Miranda, a experiência histórica revela:

a) Que são coisas diferentes a proclamação do princípio da igualdade e

a sua aceitação e aplicação prática; ou a consagração constitucional e a

realização legislativa – até porque o princípio (porque princípio) comporta

manifestações diversas consoante os setores e os interesses em presença e sofre as retrações decorrentes do ambiente de cada país e de cada época;

b) Que a conquista da igualdade se tem conseguido sobretudo através

da eliminação ou da redução de sucessivas desigualdades ou da extensão de novos benefícios; e tem sido fruto quer da difusão das ideias quer das lutas pela igualdade travadas por aqueles que se encontravam em situações de marginalização, opressão e exploração; e

c) Que, embora a superação destas ou daquelas desigualdades nunca

seja definitiva e, por vezes, até venha acompanhada do aparecimento de novas desigualdades e até de exclusões, o ideal de uma sociedade fundada na igualdade (ou na justiça) é um dos ideais permanentes na vida humana e um elemento crítico de transformação não só dos sistemas jurídicos mas

também das estruturas sociais e políticas32.

31

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 27.ed. São Paulo: Atlas, 2011, p.40. 32 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 5.ed. Coimbra: Coimbra, 2014, p.270.

(24)

Por fim, destaca-se que o princípio rege não apenas as relações dos cidadãos com o Estado, mas também as relações das pessoas singulares no interior de quaisquer instituições, associações ou grupos. Não teria sentido que a igualdade – como os demais valores jurídicos – tivesse relevância frente ao Estado e não também frente a quaisquer sociedades menores ou a quaisquer grupos em que as pessoas se encontrem inseridas.

2.2 Breve histórico da evolução normativa do princípio da igualdade

As Emendas à Constituição de Filadélfia, elaboradas por Thomas Jefferson e James Madison no ano de 1791, são consideradas as primeiras previsões normativas explícitas do princípio da igualdade, as quais, com os acréscimos de outras emendas até o ano de 1975, culminaram com a previsão do Bill of Rights, cujo item 9 prevê a “Garantia de igual proteção das leis”.

Outro ponto de destaque quanto à normatização do princípio da igualdade no campo do direito estrangeiro foi a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, declarada pela Assembleia francesa em 1789, promovendo os ideais de igualdade, fraternidade e liberdade, considerada um marco para a moderna tese jurídica de proteção dos direitos humanos.

Segundo José Afonso da Silva, o que diferencia a Declaração de 1789 das proclamadas na América do Norte é que a primeira “é mais abstrata, mais ‘universalizante’”33

, irradiando aos outros processos políticos a preocupação em assegurar e normatizar os princípios do homem.

Anos depois, a Constituição francesa de 1793 traria em seu preâmbulo uma declaração de direitos inalienáveis, extensível a todos os cidadãos. O governo deveria assegurar a todos, como direitos naturais, a igualdade, a liberdade, a segurança e a propriedade. Finalmente, o direito francês reconheceu a igualdade, sob o enfoque principiológico, como direito natural e imprescindível ao cidadão.

A igualdade perante a lei, segundo a qual todos fazem jus aos direitos de forma neutra e universal, desatenta às desigualdades reais e implantada sob o modelo liberal, gerou uma sociedade puramente individualista, na qual as relações

33

(25)

civis, incluindo as de prestação de serviço, eram regidas segundo a autonomia da vontade das partes.

Dessa maneira, os direitos fundamentais, neles incluído o direito à igualdade, foram inicialmente ofertados sob uma vertente negativa, como direito de defesa contra a ameaça do Estado à liberdade individual.

No âmbito interno, a Constituição imperial de 1824 previa, no artigo 179, XIII, que “a lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, e recompensará em proporção dos merecimentos de cada um”. Previa, ainda, em seu inciso XIV do mesmo artigo que “todo o cidadão pode ser admitido aos cargos públicos civis, políticos, ou militares, sem outra diferença que não seja a de seus talentos, e virtudes”, sem distinção em relação às pessoas com deficiência.

Por sua vez, a primeira Constituição republicana, promulgada em 24.02.1891 estabelecia, no §2º do artigo 72, que “todos são iguais perante a lei”, e reafirmava, em seu artigo 73, que “os cargos públicos civis ou militares são acessíveis a todos os brasileiros, observadas as condições de capacidade que a lei estatuir”, permitindo inferir que a legislação ordinária poderia estabelecer distinções. No entanto, referida Constituição não proibia a discriminação por motivo de raça, de cor ou de sexo.

A Constituição de 1934, inspirada nas Constituições do México (1917) e de Weimar (1919), previa, na alínea “a”, do §1º, do artigo 121, a “proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil”.

Entretanto, apesar da vedação às discriminações entre os sexos, havia uma absoluta dissonância entre o texto positivado e a prática cotidiana, conforme bem explicitado por Marco Aurélio Melo:

Na Constituição de 1934, Constituição popular, dispôs-se também que todos seriam iguais perante a lei e que não haveria privilégios nem distinções por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças religiosas ou idéias políticas. Essa Carta teve uma tênue virtude, revelando-nos o outro lado da questão. É que a proibição relativa à discriminação mostrou-se ainda simplesmente simbólica. O discurso oficial, à luz da Carta de 1934, foi único e ingênuo,

afirmando-se que, no território brasileiro, inexistia a discriminação.34

34

MELLO, Marco Aurélio. Ótica constitucional: a igualdade e as ações afirmativas. In: Tribunal Superior do

(26)

A Constituição outorgada em 10.11.1937, no regime totalitário de Getúlio Vargas, limitou-se a declarar que “todos são iguais perante a lei”, suprimindo a menção expressa à proibição de discriminação entre os sexos.

Na Constituição de 1946, considerada um marco da retomada da democratização no país, verifica-se maior atenção aos direitos sociais. O artigo 157 estabeleceu os preceitos que seriam observados pela legislação do trabalho e da previdência social, merecendo especial destaque o inciso XVI, que dispôs sobre a “previdência, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, em favor da maternidade e contra as consequências da doença, da velhice, da invalidez e da morte”, e o inciso XVII, que consagrou a “obrigatoriedade da instituição do seguro pelo empregador contra os acidentes do trabalho”.

Seguindo a trajetória histórica pelas Constituições chegamos à Constituição de 1967/1969, que no artigo 153, §1º, declarou que todos são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas, e ainda estabeleceu que a lei puniria pelo preconceito de raça.

A Constituição Federal de 1988, promulgada em 05-10-1988, inaugurou um novo paradigma de proteção social, trazendo diversos princípios e regras tendentes a combater a discriminação das minorias sociais.

Em seu artigo 1º, II e III, destacam-se dois de seus fundamentos: a “cidadania” e a “dignidade da pessoa humana”, princípios que norteiam todo o ordenamento jurídico na elaboração e interpretação das normas.

Apresenta, ainda, como seus objetivos fundamentais, a construção de “uma sociedade livre, justa e solidária” (artigo 3º, I), bem como a promoção do “bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (artigo 3º, IV).

A Constituição Federal de 1988 instaura em seu artigo 5º os direitos e garantias fundamentais com referência expressa ao princípio da igualdade jurídica formal, conforme já destacamos, sinalizando um tratamento diferenciado ao princípio de maneira a estruturá-lo como alicerce na nova ordem constitucional brasileira em diversos outros artigos que trazem a igualdade material.

Verifica-se, dessa forma, um novo status ao princípio da igualdade objetivado pelo Constituinte de 1988, que deve ser considerado base para o sistema e norteador da melhor hermenêutica e aplicação do direito.

(27)

Por fim, no inciso I do referido artigo, a Constituição Federal de 1988 declarou a igualdade entre homens e mulheres: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”, sobre a qual discorreremos mais adiante.

2.3 Igualdade formal e igualdade material

Atenção particular suscita a dicotomia igualdade jurídica-formal ou “igualdade perante a lei” (como é mais frequente dizer) e a igualdade jurídica-material.

Guilherme Machado Dray35 assevera que a noção de “igualdade de oportunidades” surge como um ponto de encontro entre duas grandes tradições jurídico-ideológicas existentes a propósito da igualdade: a liberal, que ao assentar na neutralidade do Estado, concebe a igualdade de oportunidades como uma igualdade de condições jurídicas independentemente da existência de desigualdades de meios factuais; e a social, que se assenta no restabelecimento da própria igualdade factual, como condição necessária para a promoção de uma igualdade real. Assim, enquanto a primeira vê a igualdade de oportunidades sob um ponto de vista estritamente “formal”, a segunda, pelo contrário, concebe a igualdade sob um ponto de vista “material” apelando, por isso, a uma visão “positiva” e “intervencionista” da igualdade.

Elas se distinguem em dois momentos ou planos: o da atribuição dos direitos em igualdade e o da fixação das incumbências do Estado e da sociedade organizada perante as condições concretas das pessoas. Os direitos são os mesmos para todos; mas, como nem todos se acham em igualdade de condições para exercê-los, é preciso que essas condições sejam criadas ou recriadas através da transformação da vida e das estruturas dentro das quais as pessoas se movem.

A Constituição de 1988 abre o capítulo dos direitos individuais com o princípio de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (artigo 5º) – igualdade perante a lei (igualdade jurídico-formal). Reforça o princípio com muitas

35

DRAY, Guilherme Machado. O princípio da igualdade no direito do trabalho: sua aplicabilidade no domínio específico da formação de contratos individuais de trabalho. Coimbra: Almedina, 1999, p.89 apud ANDREUCCI, Ana Cláudia Pompeu Torezan. Por uma efetiva construção da igualdade de gênero no ordenamento

jurídico brasileiro: análise da necessária revisão do tratamento diferenciado à mulher nas aposentadorias por

idade e por tempo de contribuição na Constituição Federal de 1988. Tese (Doutorado em Direito). Filosofia do Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010, p.130.

(28)

outras normas sobre a igualdade ou buscando a igualização dos desiguais pela outorga de direitos sociais. Nesse sentido, por exemplo, no mesmo artigo 5º, I, declara que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”.

Já no artigo 7º, XXX e XXXI, por exemplo, vêm as regras de igualdade material, regras que proíbem distinções fundadas em certos fatores, ao vedarem “diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil” e “qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência”.

Destarte, o princípio da igualdade deve ser examinado sob dois ângulos: a igualdade formal e a igualdade material.

2.3.1 Igualdade formal: isonomia

Nas palavras de Jorge Miranda36, a “afirmação (ou a sedimentação) da igualdade social vai-se fazendo em correspondência com a passagem da igualdade jurídica de programática a precetiva em domínios crescentemente alargados”.

A igualdade formal, oriunda da reflexão de Aristóteles, decorre da isonomia. Todos devem ser tratados de forma igual, independentemente de sua origem. A crítica a esta modalidade do princípio surge por não tratar das classes minoritárias. Para Aristóteles, a existência de classes minoritárias, como os soldados inválidos pela guerra, em sua época, não tem o condão de ferir o conceito do princípio da igualdade como para ele formulado, haja vista que o sobressalto de determinado indivíduo em sua classe social seria fruto de seu empenho ou merecimento. Isso levou, com o tempo, à evolução para a igualdade material.

Consoante ensina Arion Romita:

A igualdade perante a lei se concretiza no princípio de isonomia. A etimologia da palavra isonomia revela seu significado. Forma-se do gr. isos: igual + nomos: lei, ou seja, lei igual para todos, indicando a posição jurídica daqueles que são governados pelas mesmas leis. O princípio de isonomia se expressa em geral por duas fórmulas bastante difundidas: igualdade perante a lei e a lei é igual para todos. Traduz a obrigação moral de aplicar as normas jurídicas gerais aos casos concretos de conformidade com o que elas estabelecem, mesmo que daí resulte alguma discriminação, o que significa que a regra de igualdade garante o respeito à norma de justiça concreta: a cada qual segundo o que a lei lhe atribui. A igualdade perante a

(29)

lei é apenas uma forma específica, historicamente determinada, de igualdade de direito ou dos direitos, resultando na garantia de igualdade de acesso de todos à justiça, ou igualdade de oportunidade de acesso aos cargos públicos, garantia de igualdade em matéria de impostos, igualdade entre as partes no processo, proibição de instaurar ou de desfrutar privilégios, etc37.

Sobre a isonomia, destaca Celso Antônio Bandeira de Mello:

[...] a isonomia se consagra como o maior dos princípios garantidores dos direitos individuais. Praeter legem, a presunção genérica e absoluta é a da igualdade, porque o texto da Constituição o impõe. Editada a lei, aí sim, surgem as distinções (que possam se compatibilizar com o princípio máximo) por ela formuladas em consideração à diversidade das situações. Bem por isso, é preciso que se trate de desequiparação querida, desejada pela lei, ou ao menos, pela conjugação harmônica das leis. Daí, o haver-se afirmado que discriminações que decorram de circunstâncias fortuitas, incidentais, conquanto correlacionadas com o tempo ou a época da norma legal, não autorizam a se pretender que a lei almejou desigualar situações e categorias de indivíduos. E se este intento não foi professado inequivocamente pela lei, embora de modo implícito, é intolerável, injurídica

e inconstitucional qualquer desequiparação que se pretenda fazer38.

A igualdade perante a lei (artigo 5º da Constituição Federal de 1988), segundo a qual todos fazem jus aos direitos de forma neutra e universal, tem um sentido complexo:

a) tratamento igual de situações iguais (ou tratamento semelhante de situações semelhantes);

b) tratamento desigual de situações desiguais, mas substancial e objetivamente desiguais e não criadas ou mantidas artificialmente pelo legislador;

c) tratamento em moldes de proporcionalidade das situações relativamente iguais ou desiguais e que, consoante os casos, se converte para o legislador ora em mera faculdade, ora em obrigação; e

d) tratamento das situações não apenas como existem mas também como

devem existir, de harmonia com os padrões da Constituição material

(acrescentando-se, assim, uma componente ativa ao princípio e fazendo da igualdade perante a lei uma verdadeira igualdade através da lei).

37 ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. 4.ed. São Paulo: LTr., 2012, p.313-314.

38 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 1995, p.45-46.

(30)

A igualdade jurídica é condição preliminar da igualdade real. Até admitindo que uma igualdade real preexiste em virtude de qualquer causa, ela não subsistiria sem a garantia do direito. Não se forma uma sociedade de iguais se os seus membros não têm, antes de mais, o direito de ser iguais. Sem a garantia do direito, a igualdade ficaria privada de efeito.

Portanto, o Estado não pode desinteressar-se dos meios para produzir uma igualdade real. Não pode limitar-se a garantir uma igualdade real derivada de outra fonte, porque não existe outra fonte. Deve produzi-la, ele mesmo, esta igualdade, se se deseja, pelo menos, um início de aplicação, e o meio de que o Estado dispõe para exercer qualquer ação é a lei39.

2.3.2 Igualdade material: não discriminação

O sentido primário do princípio da igualdade é negativo: consiste na vedação de privilégios e de discriminações.

Privilégios são situações de vantagem infundadas e discriminações são situações de desvantagem; ao passo que discriminações positivas são situações de vantagem fundadas, são desigualdades de direito em consequência de desigualdades de fato, tendentes à superação destas e, por isso, em geral, de caráter temporário.

A igualdade material, ou “igualdade em direitos”, nas palavras de Arion Romita40, se expressa pela vedação de discriminações injustificadas e se traduz pelo princípio de não discriminação. Significa, portanto, algo além de mera igualdade perante a lei, porque exclui a possibilidade de qualquer distinção não justificada.

O princípio de não discriminação ou de igualdade nos direitos (ou igualdade na lei), ainda segundo os ensinamentos de Arion Romita,

[...] envolve não somente o direito de ser considerado igual perante a lei,

mas também a possibilidade de usufruir, sem qualquer discriminação, os direitos fundamentais. Exige que, na aplicação de uma norma geral, não haja discriminações baseadas em critérios de distinção cuja utilização seja vedada pela constituição ou pelas leis, tais como o sexo, a raça, a origem nacional, a cor, a língua, a religião, as opiniões políticas, a atuação sindical. Traduz a concretização de um imperativo de justiça, porque nada mais injusto se pode imaginar do que dispensar tratamento desigual a seres

39 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 5.ed. Coimbra: Coimbra, 2014, p.268.

(31)

iguais por motivos arbitrariamente selecionados. A característica mais evidente de uma lei justa reside no fato de que ela é aplicada igualmente a

todos os que se encontram em pé de igualdade41.

Dessa maneira, a igualdade material impõe ao legislador a obrigação de promulgar normas que promovam a igualdade de condições. Tratar de forma igual pessoas iguais e dar tratamento diferenciado às pessoas com especificidades, após o reconhecimento de identidades e necessidades.

O artigo 5º da Constituição da República não inibe o tratamento desigual aos desiguais, apenas veda as discriminações absurdas. Em verdade, a vedação constitucional se restringe à discriminação negativa, ou seja, aquela que não se justifica segundo os critérios de razoabilidade e se apresenta de forma absolutamente arbitrária.

Assim, permite-se a diferenciação quando o elemento discriminador objetiva uma finalidade acolhida pelo direito42; vale dizer, o discrímen deve se prestar à finalidade da norma, hipótese em que se revela possível identificar a discriminação sem ofensa ao princípio da igualdade43.

A discriminação envolve o preconceito exteriorizado pela pessoa, grupo, comunidade ou sociedade, representando uma distinção, exclusão ou preferência infundada, ou seja, não justificável.

Em síntese, o comportamento discriminatório, sob o enfoque jurídico, é aquele que implica exclusão ou preferências preconceituosas, de pessoas ou grupos, por motivos raciais, étnicos, de gênero, características físicas e outros, e que corresponde à discriminação propriamente dita, enquanto as distinções legítimas seriam enquadradas como discriminação positiva.

Em síntese, a discriminação pode assumir as seguintes formas44:

a) discriminação direta: são as práticas intencionais e conscientes que acarretem prejuízos, exclusões ou anulem direitos de pessoa ou grupo determinado;

b) discriminação indireta: ocorrerá quando uma disposição, critério ou prática neutra afetar uma proporção substancialmente maior de membros da sociedade;

41 ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. 4.ed. São Paulo: LTr., 2012, p.314. 42

Cf. BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. v.2. São Paulo: Saraiva, 1989, p.7. 43

BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. v.2. São Paulo: Saraiva, 1989, p.8-9. 44 Cf. MARTINS, Adalberto; WAITMAN, Helena. O trabalho das pessoas com deficiência e a Lei nº13.146/2015.

(32)

c) discriminação oculta: diverge da discriminação indireta, já que nesta há a intenção, ao passo que na oculta, inexiste. É implícita e camufla medidas aparentemente neutras. Por exemplo: a contratação de empregados de uma determinada religião;

d) discriminação institucional: surge na própria estrutura organizacional da sociedade, o modo de relacionamento entre os grupos sociais, os critérios de aceitação dos indivíduos nesses mesmos grupos ou em relação ao acesso das pessoas aos espaços sociais;

e) discriminação na aplicação do direito: deriva da discriminação indireta, mas se revela na edição das normas legais;

f) discriminação presumida: aquela que decorre da manifestação objetiva de que em uma determinada empresa ou órgão público inexiste representantes de determinados grupos; e

g) discriminação legítima: aquela que se justifica em face do tipo de atividade, que excluiria a possibilidade do acesso de grupos específicos.

2.4 Critérios para identificação do desrespeito à igualdade

Delimitado o princípio da igualdade e suas características, passa-se à análise das diferenciações que não podem ser feitas sem a quebra da igualdade, a qual se divide em três critérios concomitantes:

a) a primeira tem relação com o elemento tomado como fator de desigualação;

b) a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discriminação e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado; e

c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional.

(33)

2.4.1 Fator de “discrímen”

Sob este item, Celso Antônio Bandeira de Mello coloca em pauta dois requisitos, a saber:

a) a lei não pode erigir em critério diferencial um traço tão específico que singularize no presente e definitivamente, de modo absoluto, um sujeito a ser colhido pelo regime peculiar; e

b) o traço diferencial adotado, necessariamente há de residir na pessoa, coisa ou situação a ser discriminada; ou seja: elemento algum que não exista nelas mesmas poderá servir de base para sujeitá-las a regimes diferentes45.

Com relação ao critério diferencial, se a norma é enunciada em termos que prefiguram situação atual e única, logicamente insuscetível de se reproduzir ou

materialmente inviável, denuncia-se sua intenção individualizadora, o que viola à

igualdade.

Sem violação à igualdade, a lei pode atingir uma categoria de pessoas ou então voltar-se para um só indivíduo, se, em tal caso, visar a um sujeito indeterminado e indeterminável no presente.

Desse modo, a compatibilidade ou não de uma lei com o princípio da igualdade, no tocante ao critério diferencial, pode ser sintetizada da seguinte maneira:

a) a regra simplesmente geral nunca poderá ofender à isonomia pelo aspecto da individualização abstrata do destinatário, vez que seu enunciado é, em si, incompatível com tal possibilidade;

b) a regra abstrata também jamais poderá adversar o princípio da igualdade no que concerne ao vício de atual individualização absoluta, ou definitiva, pois a renovação da hipótese normativa acarreta sua incidência sempre sobre uma categoria de indivíduos, ainda que, à época de sua edição, exista apenas uma pessoa integrando-a;

c) a regra individual poderá ou não incompatibilizar-se com o princípio da

igualdade no que atina à singularização atual absoluta do sujeito. Será convivente

com ele se estiver reportada a sujeito futuro, portanto atualmente indeterminado e

45 Cf. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 1995, p.23.

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