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MULHER – INTERVALO DE 15 MINUTOS ANTES DE LABOR EM SOBREJORNADA – CONSTITUCIONALIDADE DO ART 384 DA CLT EM

5.3.2 A não recepção do artigo

Os defensores da não recepção do artigo 384 argumentam, principalmente, que não há amparo à discriminação entre homens e mulheres no tocante à concessão do descanso de 15 minutos antes do labor extraordinário e que referida discriminação viola o princípio da igualdade preconizado pelo artigo 5º, I, da Constituição Federal de 1988.

Defende Homero Batista Mateus da Silva a não recepção do artigo 384 da CLT, sob os seguintes fundamentos:

Entendemos não haver fator de discriminação válido entre o homem e a mulher neste particular, nem haver base científica ou jurídica para se imaginar seja a mulher incapaz de se ativar em horas extras. A pausa do art. 384 é completamente diferente das outras pausas destinadas ao

revigoramento físico ou a aplacar a fadiga do trabalho penoso98.

E vai além:

A bem da verdade, esse assunto seria pertinente tanto para os empregados do sexo masculino quanto para a proteção do trabalho da mulher. No entanto, o legislador considerou o assunto restrito a uma fragilidade maior do organismo feminino e não contemplou os homens com semelhante dispositivo. Logo, é incorreta a afirmação de que a pausa de quinze minutos

se prende a uma questão de segurança do trabalho – pois isso seria

universal e não sectário – atendo-se à proteção da mulher e, ao depois, do adolescente, porquanto o art. 413, parágrafo único, fará expressa referência ao art. 384, expandindo a pausa de quinze minutos para todos os menores de dezoito anos99.

A mesma posição é compartilhada por Gustavo Filipe Barbosa Garcia:

De acordo com o art. 384 da CLT, em caso de prorrogação do horário normal, “será obrigatório um descanso de 15 (quinze) minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho”.

No entanto, essa previsão, destinada apenas ao trabalho da mulher, confere tratamento diferenciado e protecionista, ausente para o homem, o que não se mostra razoável na atualidade, afrontando o preceito constitucional da

98 SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de direito do trabalho aplicado. v.2: jornadas e pausas. 3.ed. São Paulo: RT, 2015, p.256.

99 SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de direito do trabalho aplicado. v.3: segurança e medicina do trabalho, trabalho da mulher e do menor. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p.160.

igualdade (art. 5º, inciso I, e art. 7º, inciso XXX), podendo gerar até mesmo a indesejada discriminação na contratação do trabalho da mulher, vedada

pelo art. 3º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988100.

E por Sergio Pinto Martins101:

[...] o preceito em comentário conflita com o inciso I do art. 5º da Constituição, em que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Não há tal descanso para o homem. Quanto à mulher, tal preceito mostra-se discriminatório, pois o empregador pode preferir a contratação de homens, em vez de mulheres, para o caso de prorrogação do horário normal, pois não precisará conceder o intervalo de 15 minutos para prorrogar a jornada de trabalho da mulher.

No mesmo sentido, defende Vólia Bomfim Cassar:

Em face da igualdade preconizada nos arts. 5º, I, e 7º, XX, da CRFB, não foi recepcionado o art. 384 da CLT, bem como qualquer outra norma discriminatória concernente à jornada, hora extra, compensação, trabalho noturno, descanso diferenciado ou intervalo especial. Por este motivo, foi

cancelada a Súmula nº108 do TST102. Em face disto, aplicam-se à mulher

as mesmas restrições e normas dirigidas aos homens, salvo quando relacionadas com sua parte biológica (maternidade, amamentação, aborto, etc.), pois neste caso não se estará discriminando e sim protegendo-a. Da

mesma forma a IN 1/88 do MT103.

E, ainda, Alice Monteiro de Barros104:

Considerando que é um dever do estudioso do direito contribuir para o desenvolvimento de uma normativa que esteja em harmonia com a realidade social, há muito já sugeríamos a revogação expressa do art. 376 da CLT, por traduzir obstáculo legal que impedia o acesso igualitário da mulher no mercado de trabalho.

[...]

Em edições anteriores desse livro, sustentou-se que em consequência da revogação expressa do art. 376 da CLT, pela Lei 10.244, de junho de 2001, estaria também revogado, tacitamente, o art. 384 da CLT, que prevê descanso de quinze minutos no mínimo para a mulher, na hipótese de prorrogação de jornada. Ambos os dispositivos conflitavam, sem dúvida, com o art. 5º, I, da Constituição da República (homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações nos termos da Constituição). Nessa linha de raciocínio, entendia-se que não foi recepcionado o art. 384 da CLT pelo preceito constitucional. A diferença entre homens e mulheres não traduz fundamentos para tratamento diferenciado, salvo em condições especiais,

100 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 8.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p.1034.

101 MARTINS, Sérgio Pinto. Comentários à CLT. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2001, p.307-308. 102

COMPENSAÇÃO DE HORÁRIO. ACORDO (cancelamento mantido). A compensação de horário semanal deve ser ajustada por acordo escrito, não necessariamente em acordo coletivo ou convenção coletiva, exceto quanto ao trabalho da mulher.

103

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 9.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p.545. 104 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 10.ed. São Paulo: LTr, 2016, p.708.

como a maternidade. O intervalo do art. 384 só seria possível à mulher se houvesse idêntica disposição para os trabalhadores do sexo masculino. A pretensão almejada pelo art. 384 da CLT poderia caracterizar um obstáculo à contratação de mulheres, na medida em que o empregador deveria certamente admitir homens, pois não teria a obrigação de conceder aquele descanso. Logo, o que seria uma norma protetiva acabaria por se tornar um motivo para preterição. (negritos no original)

Em 2008, a Seção Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por maioria de votos, negou vigência ao artigo 384 da CLT e negou que a diferenciação tenha tido fundamento biológico (entendimento atualmente minoritário no Tribunal, consoante decisões destacadas na seção anterior). O fundamento reside na herança do patriarcado brasileiro, afirmou, em 25- 04-2008, a Subseção I (E-RR 3886/2000-071-09-00.0), acórdão de relatoria do Ministro Aloysio Corrêa da Veiga:

As diferenças de trabalho do homem e da mulher sempre existiram, e não eram limitadas às diferenças de gênero, mas também e principalmente com origem numa visão social e cultural distorcida.

Hoje não passa ao largo o papel da mulher na produção de riquezas, e as múltiplas tarefas que compõem a participação dela no desenvolvimento sustentável, não só no processo econômico, cumulado com o sentido maior de dar qualidade à vida. Os dispositivos da CLT que buscam a proteção da mulher, em razão de uma jornada diferenciada com o homem, não devem se distanciar do princípio constitucional, da igualdade entre homens e mulheres, em vista da real igualdade que se busca. Esse é o papel que cabe ao judiciário preservar.

No passado as normas tidas por protetivas ao trabalho da mulher acabaram por servir de paradigmas para justificar a conduta de empregadores para remunerar com salários inferiores a mulher. A legislação protetiva, na realidade, acabou mostrando que tinha na realidade origem na discriminação do empregador, em função da cultura do patriarcado.

A norma da CLT inserida no art. 384 prevê que à mulher será garantido, no caso de prorrogação do horário normal, um descanso de quinze minutos. O dispositivo legal não justifica o tratamento diferenciado. É o que se extrai da nova realidade constitucional.

A distinção não se justifica. Ao trabalho igual, tratamento igual. A recomposição da fadiga, no ambiente de trabalho, é igual para o homem e para a mulher. Não há fragilidade a determinar o descanso antes do início da jornada extraordinária.

As medidas contidas na CLT, não podem visar tão-somente um benefício à mulher, de per se e sim a proteção social da mulher trabalhadora, buscando integrá-la no ambiente de trabalho.

[...]

Assim sendo, contrariamente ao entendimento da C. Turma, entendo que as únicas normas que possibilitam dar tratamento diferenciado à mulher diz respeito àquelas traduzidas na proteção à maternidade.

Por isso que se torna incompatível com o princípio constitucional da igualdade a norma contida no art. 384 da CLT, porque consagra tratamento desigual, não tendo sido recepcionada pela Constituição Federal de 1988. (negritos no original)

Nota-se uma inclinação majoritária da doutrina em prol da não recepção do artigo 384 da CLT pela Constituição Federal de 1988, haja vista a dificuldade em sustentar tão grande fragilidade no organismo feminino e a tão grande variação das premissas entre homens e mulheres.