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Ihering D er Kam pf ums Recht Viena, 1900.

CAPÍTULO III RELAÇÃO E NORMA

75 Ihering D er Kam pf ums Recht Viena, 1900.

te se aplica o princípio da regulamentação autoritária, que exclui toda referência a uma vontade particular autônoma, mais restrito se torna 0 campo de aplicação da categoria do direito. Percebe-se isso parti­ cularmente na esfera do chamado direito público. Nela, a teoria jurí­ dica depara com as maiores dificuldades. Normalmente, um mesmo e único fenômeno, que Marx caracterizava como a cisão do Estado polí­ tico da sociedade civil, reflete-se na teoria geral do direito sob a forma de dois problemas distintos, e tem cada um deles um lugar particular no sistema e uma solução específica. O primeiro problema tem um caráter puramente abstrato e reside naquela cisão do conceito funda­ mental nos dois aspectos que já foram aqui expostos. O direito sub­ jetivo é a característica do homem egoísta membro da sociedade burguesa, do indivíduo voltado para si, para o seu próprio interesse e para a sua vontade privada e isolado da comunidade". O direito objetivo é a expressão do Estado burguês como totalidade ''que se manifesta como Estado político e que não faz valer a sua generalidade a não ser por oposição aos elementos que o compõem''

O problema do direito subjetivo e do direito objetivo, colocado de maneira filosófica, é o problema do homem como indivíduo bur­ guês privado e do homem como cidadão do Estado. O mesmo pro­ blema surge, contudo, ainda mais uma vez, sob uma forma agora mais concreta, como problema do direito público e do direito privado* Neste caso, a tarefa restringe-se à delimitação de alguns domínios jurí­ dicos realmente existentes, à classificação em diversas rubricas das instituições nascidas historicamente, A jurisprudência dogmática com o seu método formaMógico não tem condições de resolver nem o primeiro nem o segundo problema, muito menos explicar o vínculo existente entre ambos.

A divisão do direito em direito público e direito privado já apresenta, aqui, dificuldades específicas uma vez que o limite entre o interesse egoístico do homem, como membro da sociedade civil, e o interesse geral abstrato da totalidade política não pode ser traçado a não ser abstratamente. Na verdade, estes momentos interpenetram-se reciprocamente. Por isso a impossibilidade de indicar as instituições jurídicas concretas, nas quais este famoso interesse privado esteja totalmente encarnado e sob uma forma pura.

Outra dificuldade consiste em que o jurista, traçando com mais ou menos sucesso um limite empírico entre as instituições do direito público e do direito privado, depara novamente, dentro dos limites de cada um destes dois domínios, com o mesmo problema que parecia estar já resolvido, mas desta vez a partir de uma outra problemática abstrata. O problema surge nesse momento como uma contradição entre o direito subjetivo e o direito objetivo. Os direitos públicos sub-

jetivos representam novamente os mesmos direitos privados (e poi conseguinte também os mesmos interesses privados) ressurgidos e so­ mente um pouco modificados, que se comprimem numa esfera onde deveria prevalecer o interesse geral impessoal estabelecido pelas nor­ mas do direito objetivo. Porém, enquanto o direito civil, que trata da camada jurídica fundamental e primária, usa com abundância e segu­ ramente o conceito de direito subjetivo, a utilização deste mesmo conceito na teoria do direito público gera freqüentemente mal-entendi- dos e contradições. Eis a razão por que o sistema do direito civil se caracteriza pela sua simplicidade, clareza e perfeição, enquanto as teorias do direito público se multiplicam em construções forçadas, arti­ ficiais e unilaterais, a ponto de se tornarem grotescas. A forma jurí­ dica, com o seu aspecto de autorização subjetiva, surge numa socie­ dade composta de sujeitos com interesses privados egoístas e isolados. Uma vez que toda a vida econômica se alicerça sobre o princípio do acordo entre vontades independentes, cada função social encarna, de maneira mais ou menos refletora, um caráter jurídico, isto é, torna-se simplesmente não só uma função social, mas também um direito per­ tencente a quem exerce tais funções sociais. Porém, visto que, dada a própria natureza da organização política, os interesses privados não conseguem atingir nela um pleno desenvolvimento e uma importância determinante, assim como acontece na economia da sociedade bur­ guesa, os direitos públicos subjetivos aparecem também como uma coisa efêmera, desprovida de raízes verdadeiras e eternamente incerta* Simultaneamente, o Estado não é, contudo, uma superestrutura jurídica mas somente pode ser pensado enquanto tal

Não cabe à teoria jurídica identificar os direitos do Legislativo, os direitos do Executivo etc., como, por exemplo, o direito do credor à restituição da quantia emprestada, porque isso significaria substi­ tuir a supremacia do interesse estadual geral e impessoal, presumido pela ideologia burguesa, pelo interesse privado. Porém, ao mesmo tempo, todo jurista está consciente do fato de não poder dar a estes direitos qualquer outro conteúdo fundamental sem que a forma jurí­ dica escape de suas mãos. Na esfera da organização política, o direito público não pode existir a não ser como reflexo da forma jurídica privada ou então deixará, de maneira geral, de ser um direito. Toda tentativa visando apresentar a função social pelo que ela é, ou seja, simplesmente como função social, e visando também apresentar a norma simplesmente como regra organizatória, significa a morte da forma jurídica. A condição real de tal supressão da forma jurídica e

7 6, “Para o conhecimento jurídico, trata-se exclusivamente de responder

3 seguinte pergunta: ‘Como se deve conceber juridicamente o Estado?’ ” (Jel- linek. System der subjektiven öffentlichen Rechte, Tübingen, 1905, p, 13),

da ideologia jurídica consiste num estado social onde a contradição entre o interesse individual e o interesse social esteja superada.

Todavia, o que caracteriza a sociedade burguesa é justamente o fato de os interesses gerais se destacarem dos interesses privados e de se oporem a eles. E eles próprios revestem, involuntariamente, nesta oposição, a forma de interesses privados, ou seja, a forma do direito, Ademais, como era de esperar, são principalmente estes momentos, que se deixam integrar completamente no esquema dos interesses pri­ vados isolados e opostos, que constituem os momentos jurídicos na organização estadual

Gojchbarg mesmo contesta a necessidade de se distinguirem os conceitos de direito público e de direito privado. Nele lê-se o seguinte:

divisão do direito em direito público e direito privado jamais conseguiu ser alcançada pelos juristas e, presentemente, é admitida somente pelos juristas mais retrógrados, entre os quais se encontram também alguns dos nossos juristas''

Gojchbarg apóia esta idéia da inutilidade da divisão do direito em público e privado sobre as seguintes considerações: o princípio da liberdade de comércio, da não-intervenção do Estado nos assuntos econômicos encontra-se ultrapassado no séc, X X , o arbítrio individual

7 7 . Cf., por ex., as considerações de Kotljarevskij sobre direito eleítofkl: ”no Estado constitucional o eleitor cumpre uma determinada função que lhe é ditada pela ordem estadual transcrita da constituição. Mas, do ponto de vista do Estado de direito é impossível atribuir ao eleitor «omente uma tal função sem levar em conta o direito que a ele se prende’". De nossa parte acrescenta­ remos que isso é tão impossível quanto a simples transformação da propric“ dade burguesa numa função social. Koltjarevskij sublinha também c muito corretamente, que se, como Lanband, negamos o elemento de investidura sub­ jetiva do eleitor, “a elegibilidade dos representantes perde todo o seu sentido jurídico e restringe-se a uma questão de técnica e de oportunidade”. Também aí encontramos a mesma oposição entre a oportunidade técnica, fundamentada na unidade do fim, e a organização jurídica, alicerçada na separação e na oposição dos interesses privados. E, por fim, o sistema representativo deve todo o seu caráter jurídico à introdução das garantias jurídicas ou jurídico- administrativas do direito dos eleitores. O processo judiciário e o debate entre as partes aparecem igualmente aqui como o elemento essencial da superestru­ tura jurídica (Koltjarevskij. Vlasf i pravo. Moscou, 1915, p. 2 5 ) . O direito

público em geral só se torna objeto de elaboração jurídica quando direito constitucional, ou seja, somente com o aparecimento de forças que se comba­ tem reciprocamente, como o rei e o parlamento, a alta e a baixa câm ara, o governo e a representação nacional. O mesmo acontece com o direito adminis­ trativo, O seu conteúdo jurídico por um lado reduz-se simplesmente à garantia dos direitos da população, e por outro dos representantes da hierarquia buro­ crática. Ainda mais que o direito administrativo ou direito de polícia como se chamava antes, representa uma mistura variada de regras técnicas e de precei­ tos políticos etc.