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V Vestnik Socialfsitceskoj Akademii, n I.

CAPÍTULO II IDEOLOGIA E DIREITO

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como nomeia Marx, de um '‘fetichismo da mercadoria" e incluir este fenômeno entre os fenômenos psicológicos. Porém, tal não significa que as categorias de economia política tenham exclusivamente uma significação psicológica, que elas se refiram ynicamente a experiências vividas, a representações ou outros processos subjetivos. Sabemos per­ feitamente que a categoria da mercadoria, por exemplo, não obstante 0 seu evidente caráter ideológico, reflete uma relação social objetiva. Sabemos que os diferentes estágios de desenvolvimento desta relação, a sua maior ou menor universalidade, são realidades de fato mate­ riais que devem ser tomadas em consideração como tais e não somente enquanto processos ideológicos e psicológicos. Eis o porquê de os con­ ceitos gerais de economia política não serem unicamente elementos ideológicos, mas abstrações graças às quais a realidade econômica objetiva pode ser elaborada cientificamente, isto é, teoricamente. Para retomarmos a expressão de Marx, ''as categorias da economia burgue­ sa são formas do intelecto que têm uma verdade objetiva, enquanto refletem relações sociais reais, mas estas relações pertencem apenas àquela época histórica determinada, onde a produção mercantil é o modo de produção sociar'

O que importa demonstrar, então, não é que os conceitos jurí­ dicos gerais possam entrar, a título de elementos constitutivos, nos processos e sistemas ideológicos, — o que de modo algum é contes­ tável — mas sim que a realidade social, em certa medida encoberta por um véu místico, não pode ser descoberta através destes conceitos. Em outros termos, nós devemos esclarecer a seguinte questão: repre­ sentarão, efetivamente, as categorias jurídicas essas categorias con­ ceituais objetivas (objetivas para uma sociedade historicamente dada) e correspondentes a relações sociais objetivas? Por conseguinte, vol­ tamos agora a pôr a questão do seguinte modo: poderá o direito ser concebido como uma relação social no mesmo sentido em que Marx chamou ao Capital uma relaçã. social?

Uma tal problemática elimina a priori a referência à natureza ideológica do direito e situa a investigação totalmente noutro nível.

A constatação da natureza ideológica de um dado conceito não nos dispensa de modo algum da obrigação de estudar a realidade obje- riva, iòco é, a realidade que existe no mundo exterior e não apenas na consciência. Se assim não fosse, toda a fronteira entre a realidade do Além, que existe efetivamente também na representação de certas pessoas, e, digamos, o Estado apagar-se-ia. Mas é isso que precisa­ mente se passa com o professor Rejsner. Ele apóia-se na célebre cita­ ção de Engels relativa ao Estado como "primeiro poder ideológico que domina os homens” e identifica, sem hesitar, o Estado com a ideologia do Estado.

'"o caráter psicológico das manifestações do poder é de tal modo evidente, e o poder do Estado, que existe apenas no psiquismo hu­ mano, é, ele próprio, a tal ponto desprovido de características materiais que se poderia julgar ser impossível conceber o poder do Estado de outra forma que não fosse a forma de uma Idéia que apenas se ma­ nifesta na medida em que os homens fazem dela o princípio de seu comportamento''

As finanças, o exército, a administração, tudo isso está "por con­ seguinte desprovido de características materiais'', tudo isso existe ape­ nas "'no psiquismo humano" Mas, então, que acontece a esta '"enor­ me" massa da população, segundo a expressão do próprio Rejsner, que vive "fora de toda a consciência do Estado"? Devemos, aparen­ temente, excluir esta massa; pois ela não tem efetivamente qualquer importância para a existência '"real" do Estado.

Mas, então o que sucederá ao Estado sob o ponto de vista da sua unidade econômica? As fronteiras alfandegárias serão então também üpenas um processo ideológico e psicológiso? Poderiam formular-se muitas questões semelhantes, mas todas elas conduziriam ao mesmo resultado. O Estado não é apenas uma forma ideológica, mas tam­ bém, e ao mesmo tempo, uma forma do Ser social. A natureza ideo­ lógica de um conceito não suprime a realidade e a materialidade das relações por ele expressas.

Nós podemos compreender o neokantiano coerente que é Kelsen quando afirma a objetividade normativa, isto é, puramente ideal do Estado, e abre mão não só dos elementos objetivos e materiais da realidade, mas também do psiquismo humano real. Mas nós nos re­ cusamos a conceber uma teoria marxista, isto é, materialista que opere exclusivamente com experiências subjetivas vividas. Aliás, o profes­ sor Rejsner, partidário da teoria psicológica de Petrazickij, que 'Me- compõe" completamente o Estado numa série "de emoções imperati- vas-atributivas", não veria, como o mostram as suas obras mais recen­ tes, qualquer inconveniente em unir este ponto de vista à concepção neokantiana lógica e formal de Kelsen Tal tentativa certamente honra a vasta cultura do nosso autor mesmo se se realiza em detrimen­ to da lógica e da clareza metodológica. De duas uma; ou o Estado (segundo Petrazickij) é um processo ideológico, ou é (segundo Kelsen) uma Idéia diretriz que nada tem a ver com os mais diversos processos que se desenvolvem no tempo e que estão submetidos às leis dá cau­ salidade. Buscando relacionar estes dois pontos de vista, M. Rejsner cai numa contradição que de modo algum é dialética.

4 2 . Rejsner. O Estado, 1,® parte, 2.^ ed., Moscou, 1918, p. X X X V .

43 . Rejsner. '‘Social’naja psikologija i ucenie Frejdas”, In: Pecat i Revolju- cija. Moscou, 1925, v. IL

A perfeição formal dos conceitos de "território nacional", de "população”, de "poder do Estado", não reflete somente uma deter­ minada ideologia, mas também a realidade objetiva da formação de uma esfera de domínio concentrado e, portanto, antes de tudo a cria­ ção de uma organização administrativa, financeira e militar real com um aparelho humano e material correspondente. O Estado nada é sem meios de comunicação, sem a possibilidade de transmitir ordens, diretivas, de mobilizar as forças armadas etc. O professor Rejsner acreditará que as estradas militares romanas ou os modernos meios de comunicação fazem parte dos fenômenos do psiquismo humano? Ou julgará ele que estes elementos materiais não devem ser incluídos entre os fatores da formação do Estado? Resta-nos então, evidente­ mente, colocar no mesmo plano a realidade do Estado e a realidade ''da literatura, da filosofia e dos demais produtos espirituais do ho­ mem” Ê uma pena que a prática da luta política, da luta pelo poder contradiga radicalmente esta concepção psicológica do Estado e nos oponha em cada etapa fatores objetivos e materiais.

A respeito disso é necessário notar que a conseqüência inevitá­ vel deste ponto de vista psicológico, adotado pelo professor Rejsner, é a de um subjetivismo sem saída. poder do Estado, como criação das múltiplas psicologias individuais, o poder do Estado que se mani­ festa em tipos tão diferentes quantas são as variedades do meio, de grupos e de classes assumirá muito naturalmente diferentes represen­ tações na consciência e no comportamento de um ministro ou de um camponês que ainda não se elevou à idéia de Estado, no psiquismo de um homem de Estado ou de um anarquista por princípio, numa palavra, em pessoas de situações sociais, profissões e educação dife­ rentes” Destas afirmações resulta claramente que, se se fica no plano psicológico, perde-se simplesmente qualquer razão para falar do Estado como de uma unidade objetiva. Somente quando se considera o Estado como uma organização real de dominação de classe (isto é, quando se têm em conta todos os momentos não só psicológicos, mas também materiais e aqueles em primeiro lugar) é que nos situa­ mos em terreno sólido e podemos efetivamente estudar o Estado tal como ele é na realidade e não apenas as formas subjetivas, inúmeras e diversas, em que ele se reflete e é vivido

4 4 . Rejsner. O Estado, cit., p. X L V III.

4 5 . Ob. cit., p. X X X V .

4 6 . O professor Rejsner busca justificar o seu ponto de vista (cf. os seus trabalhos sobre a psicologia social e a teoria de Freud) mediante uma carta de Engels a Schmidt, em que Engels examina o problema das relações entre o conceito e o fenômeno. Tomando como exemplo o sistema social feu­ dal, Engels mostra que a unidade do conceito e do fenômeno se apresenta como um processo por essência infinito. “O feudalismo terá sido alguma vez,

Se, portanto, estas definições abstratas da forma jurídica não se referem somente a processos psicológicos, mas representam também conceitos que exprimem relações sociais objetivas, em que sentido di­ remos nós, então, que o Direito disciplina relações sociais? Efetiva­ mente, não queremos nós, assim, dizer que as relações sociais se dis­ ciplinam por si mesmas? Ao dizermos, pois, que esta ou aquela relação social reveste formas jurídicas, nós não devemos exprimir uma simples tautologia; que o direito reveste uma forma jurídica

Este argumento à primeira vista aparece como uma objeção mui­ to penetrante, que parece não deixar outra saída a não ser a de reco­ nhecer o direito como ideologia. Contudo, queremos tentar pôr termo a estas dificuldades. A fim de nos facilitar esta tarefa, recorreremos de novo a uma comparação. Como se sabe, a economia política mar­ xista ensina que o Capital é uma relação social. Como diz Marx, ele não pode ser descoberto com o auxílio do microscópio, embora não se deixe, de modo nenhum, reduzir às experiências vividas, às ideo­ logias e aos outros processos subjetivos que decorrem no psiquismo humano. Ele é uma relação social objetiva. Ademais, se observarmos, digamos na esfera da pequena produção, uma passagem progressiva do trabalho destinado ao cliente consumidor para o trabalho desti­ nado ao comerciante, constataremos que as relações correspondentes se revestiram de uma forma capitalista. Significa isto que caímos numa tautologia? De modo algum: com isto dizemos apenas que a relação social, a que chamamos Capital, se comunicou a outra relação social ou que transferiu sua forma para ela. Deste modo, podemos consi­ derar todos os fenômenos, sob o ponto de vista objetivo, exclusiva­ mente como processos materiais e eliminar assim totalmente a psico­ logia ou a' ideologia, dos protagonistas. Por que não sucederia o enquanto durou, exatamente de acordo com o seu conceito? Não será por causa disso que esta ordem social constitui uma ficção, já que ela na sua perfeição clás­ sica só conseguiu desfrutar de curta existência na Palestina e ainda (em grande parte) unicamente no papel?” Porém, tais observações de Engels em nenhum caso significam que seja correto o ponto de vista do. professor Rejsner, que identifica o conceito e o fenômeno. Para Engels, o conceito de feudalismo e o Nistema social feudal de modo algum constituem a mesma e única coisa. Ao contrário, Engels demonstra precisamente que o feudalismo nunca correspon­ deu ao seu conceito sem, no entanto, deixar de ser feudalismo. O conceito de feudalismo é, ele próprio, uma abstração que se baseia em tendências reais deste sistema social a que chamamos feudal. N a realidade histórica estas ten­ dências confundem-se e cruzam-se com outras numerosas tendências e, por isso, cias não podem ser observadas na sua configuração lógica pura, mas somente por uma forma mais ou menos aproximada. Isso é o que Engels nos mostra quando diz que a unidade do conceito e do fenômeno no fundo é um processo infinito.

47 V 0 comentário do livro de Stucka do professor Rejsner, na Vesínik