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3 Iluminismo sombrio ou ciência bárbara?

“A sociedade burguesa do século XIX”, dizia Michel Foucault,

a nossa ainda, provavelm ente, é um a sociedade da perversão explosiva e explodida … . É possível que o Ocidente não tenha sido capaz de inventar prazeres novos, e provavelm ente não descobriu vícios inéditos. Mas definiu novas regras para o j ogo dos poderes e dos prazeres: nele configurou-se a fisionom ia rígida das perversões.1

Nada m e parece m ais correto que o enunciado desse ponto de vista. Com efeito, todos os historiadores colocaram a questão de saber se o século XIX havia contribuído para um a erotização das práticas sexuais ou se, ao contrário, beneficiara sua repressão. Ao exam inarm os m ais detidam ente, percebem os que am bas as atitudes, longe de se oporem , são na realidade perfeitam ente com plem entares. E é essa com plem entaridade m esm a que perm ite com preender com o os estigm as da perversão — se não a própria perversão — puderam tornar-se um obj eto de estudo após ter sido um obj eto de horror.

A partir de 1810, o Código Penal francês, oriundo da Revolução e do Im pério, altera radicalm ente a legislação sobre os costum es, a ponto de esta servir, em graus diversos e ao longo de todo o século, com o m odelo de referência para o conj unto dos países da Europa. O Código, aliás, inspira-se no m ovim ento ilum inista, nos princípios de Cesare Beccaria2 e nos decretos votados pela Assem bléia Legislativa em 1791. “Finalm ente vocês verão desaparecer”, dizia nessa data Michel Le Peletier de Saint-Fargeau, “essa profusão de crim es im aginários que engrossavam as antigas coletâneas de nossas leis. Nelas, não

encontrarão m ais aqueles grandes crim es de heresia, de lesa-m aj estade divina, de sortilégio e de m agia, pelos quais, em nom e do céu, tanto sangue suj ou a terra.”3

Nessa perspectiva, todas as práticas sexuais são laicizadas e nenhum a delas m ais constitui obj eto de delito ou crim e desde que exercidas em privado e consentidas por parceiros adultos. A lei intervém apenas para proteger os m enores, punir o escândalo — isto é, os “ultraj es” com etidos nas vias públicas — e condenar os abusos e violências perpetrados sobre personagens não consentâneos.4 Apenas o adultério é reprim ido pelo Código Penal, na m edida em que am eaça introduzir um vício nos laços de filiação: um a vez que o pai é sem pre incerto (incertus), convém evitar a qualquer preço que um a m ulher infiel possa fazer o esposo assum ir a paternidade de um filho que não tivesse nascido de seu sêm en. Quanto aos textos ditos pornográficos, licenciosos, eróticos, lúbricos ou im orais, perm anecem sob o alcance da lei com o “ofensivos à m oral pública”.5 Sej am de que natureza for, as práticas sexuais entre adultos consentâneos não são m ais passíveis da j ustiça penal, ao passo que, j ustam ente, os textos que as divulgam são severam ente reprim idos.

Com o conseqüência, as singularidades sexuais j ulgadas m ais perversas — bestialidade, sodom ia, inversão, fetichism o, felação, flagelação, m asturbação, violências consentidas etc. — não constituem m ais obj eto de nenhum a condenação, um a vez que a lei não se introm ete m ais na m aneira com o os cidadãos tencionam alcançar o orgasm o na intim idade de suas vidas. Esvaziadas de seu furor pornográfico, são então rebatizadas ao sabor de um a term inologia sofisticada. Na literatura m édica do século XIX, não se fala m ais de foder, de cu, de xoxota, nem das diferentes m aneiras de tocar punheta, fornicar, enrabar, com er m erda, chupar, m ij ar, cagar etc. Inventa-se, para descrever um a sexualidade dita “patológica”, um a lista im pressionante de term os eruditos derivados do grego.6 E, inclusive com freqüência, para dissim ular a eventual crueza da qualificação de um ato, fala-se latim .

Quanto aos burgueses — da Restauração ao Segundo Im pério —, poderão entregar-se clandestinam ente a seu desej o de libertinagem , a seus prazeres e vícios, com a condição todavia de censurar sua prática em nom e da m oral pública e de respeitar, no seio da fam ília, as leis da procriação, necessárias à perpetuação da hum anidade.

Ao negar ao m agistrado qualquer controle sobre a sexualidade privada, a sociedade astuciosa e puritana é então efetivam ente obrigada a inventar novas regras que lhe perm itam condenar as perversões sexuais pelas quais é aficcionada, no recôndito das casas fechadas, sem com isso atirar à fogueira o “povo dos perversos”. Ocorre-lhe, assim , efetuar um a distinção drástica entre os

bons perversos e os m aus perversos, entre aqueles a serem considerados oriundos de um a “classe perigosa” ou de um a “raça m aldita” — am bas fadadas ao opróbrio e à erradicação — e aqueles j ulgados recuperáveis, tratáveis, capazes de alcançar um alto grau de civilização.

Nesse contexto, o discurso positivista da m edicina m ental propõe à burguesia triunfante a m oral com que nunca deixou de sonhar: um a m oral de segurança m odelada pela ciência e não m ais pela religião.7 Duas disciplinas derivadas da psiquiatria, a sexologia e a crim inologia, recebem aliás a m issão de esm iuçar os aspectos m ais som brios da alm a hum ana.

No fim do século XIX, com o advento da m edicina científica herdada de Xavier Bichat, depois de Claude Bernard, surge dessa form a toda um a nom enclatura, cuj a herdeira será a psicanálise. Inteiram ente dessacralizada, a perversão, nunca definida com o tal, torna-se o nom e genérico de todas as anom alias sexuais: não se fala m ais da perversão, m as das perversões, necessariam ente sexuais. E ao m esm o tem po, recorrendo a um a classificação técnica para designar as anom alias e as periculosidades do com portam ento hum ano, o status das pessoas concernidas é radicalm ente transform ado: com efeito, o perverso é desum anizado para se tornar obj eto de ciência.8

Essa supressão, no discurso sexológico, de toda e qualquer definição da perversão enquanto gozo do m al, perversidade, erotização do ódio, abj eção do corpo ou sublim ação da pulsão, é, com o se não bastasse, acom panhada de um a supressão do nom e de Sade em prol do substantivo “sadism o”. Dessa form a, durante todo o século, a obra do “divino m arquês” será interditada à venda9 e seu nom e m il vezes am aldiçoado.

E são então os escritores que resgatam por conta própria — de Flaubert a Huy sm ans, passando por Baudelaire e Maupassant —10 o antigo vocabulário licencioso rechaçado pela ciência, a fim de m elhor celebrar, contra um a burguesia odiada e um a sexologia j ulgada grotesca, as novas potências do m al: as cortesãs, os bordéis, a pornografia, a sífilis, os paraísos artificiais, o spleen, o exotism o, a m ística. Por conseguinte, Sade torna-se para esses escritores o herói subterrâneo de um a consciência do m al capaz de subverter a nova ordem m oral. Sob o nom e de Sade, é assim sublim ada a própria palavra perversão enquanto parte obscura de nós m esm os, no m om ento em que é escorraçada do catálogo da m edicina m ental. “Sade é o autor invisível (não tem rosto) e onipresente”, escreve Yvan Leclerc, “ilegível, inacessível (Baudelaire pergunta a Poulet- Malassis onde pode com prar um exem plar de Justine), inom inável (Flaubert o cham a de O Divino Marquês ou O Velho). Seus livros são passados de m estre a discípulo com o se fossem um a herança.”11

de um a qualificação fundam entada na desigualdade entre os parceiros ou na especificidade do ato sexual. O hom ossexual da m edicina psiquiátrica não é m ais definido com o um hom em necessário à pólis na m edida em que inicia os efebos nos prazeres viris, nem com o um sodom ita m aldito ou um invertido13 que deturpa as leis da natureza. Catalogado segundo sua preferência, ele só se torna perverso porque escolhe seu sem elhante com o obj eto de prazer.

Portanto, não são m ais nem a hierarquia entre as criaturas nem um ato contra a natureza que perm item definir a nova hom ossexualidade, m as a transgressão de um a diferença e de um a alteridade concebidas com o em blem as de um a ordem natural do m undo decodificada pela ciência. É perverso — e portanto patológico — aquele que escolhe com o obj eto o m esm o que ele (o hom ossexual), ou ainda a parte ou o desej o de um corpo que rem ete ao seu próprio (o fetichista, o coprófilo). São igualm ente definidos com o perversos aqueles que possuem ou penetram por efração o corpo do outro sem seu consentim ento (o estuprador, o pedófilo), os que destroem ou devoram ritualm ente seus corpos ou o de um outro (o sádico, o m asoquista, o antropófago, o autófago, o necrófago, o necrófilo, o escarificador, o autor de m utilações), os que travestem seus corpos ou sua identidade (o travesti), os que exibem ou apreendem o corpo com o obj eto de prazer (o exibicionista, o voy eurista, o narcísico, o adepto do auto-erotism o). É perverso, enfim , aquele que desafia a barreira das espécies (o zoófilo), nega as leis da filiação e da consangüinidade (o incestuoso) ou ainda contraria a lei da conservação da espécie (o onanista).

É em torno dos dois grandes princípios da sem iologia (descrição dos sím bolos) e da taxonom ia (classificação das entidades) que se desenvolve, ruidosam ente e ao longo de todo o século, a fascinação da elite no poder pelo rastream ento, a m ensuração, a identificação e o controle de todas as práticas sexuais, das m ais norm ais às m ais patológicas. O obj etivo confesso é dar um fundam ento antropológico ao sexo e ao crim e sexual e fundar um a separação radical entre um a sexualidade considerada “norm al”, na qual devem encontrar sua base a saúde, a procriação e a restrição do prazer, e um a sexualidade considerada “perversa”, que se situa ao lado da esterilidade, da m orte, da doença, da inutilidade e do gozo.14

Provavelm ente a vontade de descrever o vício para m elhor m arginalizá-lo nunca foi tão afirm ada, antes da nossa época, quanto nesse m om ento, quando o m undo europeu oriundo da Revolução oscilava entre um ardoroso desej o de retorno à antiga soberania m onárquica e um a incrível atração por sua abolição definitiva. E é precisam ente entre a adesão ao Ilum inism o e a inclinação pelos antiilum inistas que convém situar a nova ciência do sexo em suas m últiplas facetas. Ciência do horror, depois ciência da norm a, ela se inverterá em seguida num a ciência crim inal. Pensador do Ilum inism o som brio, Freud não será

herdeiro dessa ciência da norm a senão para contestar todos os seus fundam entos.

Diversas tendências opunham entre si os grandes pioneiros da sexologia.15 Uns viam nas perversões um fenôm eno natural presente no reino anim al e resultante de um a organização biológica ou fisiológica particular; outros enfatizavam , ao contrário, que as perversões eram adquiridas, específicas da hum anidade e, por esse m otivo, presentes em todas as culturas sob form as diversas. Outros, enfim , sustentavam que elas resultavam de um a depravação contrária à ordem natural do m undo e, portanto, de um a patologia de origem hereditária — loucura lúcida, m ania sem delírio, sem iloucura, desvio do instinto — transm itida na infância através da m á educação. Por outro lado fossem quais fossem suas orientações, todos os artífices dessa abordagem consideravam que os perversos sofriam com suas perversões, devendo ser tratados e reeducados, e não apenas penalizados.

Assim se repetia, sob outra form a, o debate que j á dividira os diferentes paladinos da filosofia das Luzes: o m al vem da natureza ou da cultura? Ora, enquanto os hom ens do Ilum inism o haviam desistido de dividir o m undo entre um a hum anidade sem Deus e um a hum anidade consciente de sua espiritualidade para estudar o fato hum ano em sua diversidade e seu possível progresso — de um estado selvagem para um estado de civilização —, os cientistas da segunda m etade do século XIX im puseram um a definição, oriunda da teoria da evolução, com pletam ente diferente da natureza. A seus olhos, o estado de natureza era nada m ais nada m enos que o do reino da anim alidade prim ordial do hom em . “Não há diferença algum a entre o hom em ”, dissera Darwin, “e os m am íferos m ais elevados.”16

Se, para Freud, a hum anidade vira-se infligir, por parte de Darwin, a segunda de suas grandes feridas narcísicas,17 aos olhos da com unidade dos cientistas esse novo paradigm a significava claram ente que, se o anim al, inferior ao hom em , o precedera no tem po, o hom em civilizado conservara em graus diversos — tanto em sua organização corporal com o em suas faculdades m entais e m orais — o traço indelével dessa inferioridade e dessa anterioridade. Em seu foro íntim o, o anim al hum ano podia então transform ar-se, a qualquer m om ento, num a besta hum ana.

Foi m ediante essa m odificação do olhar dirigido à natureza que o paradigm a darwiniano da anim alidade ingressou no discurso da m edicina m ental. Com isso, o perverso não será m ais designado com o aquele que desafia Deus ou a ordem natural do m undo — os anim ais, os hom ens, o universo —, e sim com o aquele cuj o instinto traduz a presença, no hom em , de um a bestialidade originária, despida de qualquer form a de civilização.

Da publicação em 1871 de Drácula, um rom ance em que Bram Stoker18 revivia a lenda dos vam piros, à exposição do m édico inglês Frederick Treves, em

1885, do fam oso caso de John Merrick (O homem-elefante), pode-se pensar a que ponto o im aginário da m onstruosidade anim alesca foi a fonte de todos os tipos de fantasia sobre a possível travessia da barreira das espécies. De um lado, terror, face ao horror suscitado por um bebedor de sangue, senhor dos ratos, dos m orcegos e das sepulturas, surgido da noite dos tem pos; de outro, com paixão pelo tratam ento desum ano infligido a um anorm al que conseguirá, graças à ciência m édica, passar do asco de si m esm o à interiorização sublim ada de sua bestialidade.19

Richard von Krafft-Ebing, m édico austríaco contem porâneo de Freud, efetua a síntese m ais rigorosa de todas as correntes da sexologia num a obra célebre, Psychopathia sexualis,20 que será sucessivam ente reeditada. Nela, define os perversos com o “filhos da natureza oriundos de um prim eiro leito”, considerando-os criaturas m entalm ente doentes, com a vivência sexual “invertida”, verdadeiro triunfo da anim alidade sobre a civilização. Dessa form a, apela à clem ência dos hom ens, aliás convencido de que as investigações da ciência um dia viriam a perm itir restaurar a honra desses desafortunados a fim de evitar que fossem vítim as do preconceito da ignorância.

Krafft-Ebing conduz o leitor pela im ensidão de um a espécie de inferno existencial onde se cruzam os representantes21 de todas as classes da sociedade: idiotas das cidades e dos cam pos exibindo seus órgãos ou penetrando os anim ais por todas as cavidades possíveis, professores universitários fantasiados com corpetes ou calçados fem ininos, hom ens da alta sociedade adeptos dos cem itérios, travestis em busca de disfarces e andraj os, pais tranqüilos estupradores e aliciadores à procura de crianças ou m oribundos, m inistros do culto proferindo blasfêm ias ou se entregando à prostituição etc.

Desse vasto conj unto de vidas paralelas e infam es, das quais coleta todas as m etam orfoses, o psiquiatra faz um quadro sórdido, m isturando com paixão à ridicularização. Nunca os personagens por ele descritos são rem etidos a um a história qualquer, íntim a ou coletiva. Aliás, eles não têm nem genealogia nem anterioridade, e seu desvio não tem outra causalidade senão aquela que a ciência lhes atribui. Trata-se de um a coleção de coisas reduzidas à insignificância:

Fetichism o dos anéis. X…, 19 anos, filho de um pai neuropata, e, não obstante, de fam ília plenam ente saudável, tem um crânio raquítico, é nervoso desde a infância e neurastênico desde a puberdade … . Aos 11 anos, teve despertado um interesse pelos anéis e exclusivam ente pelos anéis de ouro grandes e m aciços … . Quando enfia no dedo um anel apropriado, é tom ado por um espasm o e ej acula etc.22

Ao ler um livro desses, não podem os nos im pedir de pensar que as terríveis confissões assim coletadas descrevem atos tão perversos quanto o discurso que pretende classificá-los. Entre os diferentes catálogos das perversões redigidos na seqüência pelos próprios perversos, ciosos de se afirm arem com o um a com unidade de eleitos, e as sínteses descritivas efetuadas pelos representantes da m edicina m ental, não há diferença algum a: não se tornaram eles — atores e voy eurs —, ao longo do tem po e em nom e de um a sexologia cada vez m ais dissem inada, peritos num a poderosa vontade de dom esticação do furor sexual?

Misturadas todas as tendências, os sexólogos do século XIX apaixonam -se então pela classificação das perversões, em bora se interessando tam bém pelo sofrim ento dos perversos, por suas confissões e suas práticas. Ao fazê-lo, porém , percebem que à hom ossexualidade não pode ser atribuída, no discurso da ciência, o m esm o status das outras perversões. Com efeito, se a descrição das perversões sexuais efetua-se sob os auspícios do grotesco, do m onstruoso, da com paixão, a da hom ossexualidade assum e aspecto bem diferente. Portanto, a questão de sua definição divide cada vez m ais os psiquiatras na m edida em que todos eles concordam ao apontar sua ocorrência entre os m aiores hom ens que a civilização j á produziu: Sócrates, Alexandre o Grande, Shakespeare, Michelangelo, Leonardo da Vinci, o papa Júlio II, Henrique III, Cam bacérès etc. Da m esm a form a, a hom ossexualidade torna-se, ao longo de todo esse século da ciência, um a perversão à parte, ou, antes, a parte m ais obscura da perversão.

Para os sexólogos progressistas — Ulrichs, Westphal, Hirschfeld — partidários de sua em ancipação, ela não passa de um a orientação sexual entre outras, decorrente da natureza: alm a de m ulher em um cérebro de hom em , cérebro de m ulher em um corpo de hom em .23 Convém então norm alizá-la em nom e de um a nova ordem biológica. Para os outros, ao contrário, continua a ser a pior das perversões, um a vez que não se m anifesta por nenhum sinal clínico visível: o hom ossexual, com efeito, não precisa nem de um fetiche particular, nem de um traço corporal, nem de um a m utilação, nem de um a anom alia de com portam ento para am ar um a pessoa do m esm o sexo. Em sum a, não é um doente. Dessa form a, é ontologicamente perverso, um a vez que ridiculariza as leis da procriação enfeitando-se com os sinais m ais flam ej antes da arte e da criatividade hum ana. Nesse aspecto, deve então ser designado com o o perverso da civilização, com o aquele que encarna a essência da perversão — um novo Sade —, enquanto os dem ais perversos não passam de doentes acom etidos por algum a patologia.

E com o, nessa época, o corpo está em vias de se tornar a única testem unha à qual o m édico pode recorrer para rastrear o vestígio de um m al que se nega a confessar-se com o tal, é preciso, portanto, para definir a hom ossexualidade com o um a patologia sexual, exam inar escrupulosam ente as cavidades corporais

pelas quais ela propaga seu veneno. Apoiadas no discurso tanto j urídico com o da m edicina, as autoridades chegarão ao ponto de perseguir os invertidos em seus locais de devassidão. Dessa form a, pegos em flagrante delito e periciados, seus corpos revelarão à ciência e à sociedade o vício dissim ulado. Em outras palavras, para desm ascarar o hom ossexual o discurso m édico-legal vai em penhar-se em confundi-lo com um travesti, um pornógrafo, um prostituto, um fetichista, em sum a, com um perverso sexual alienado, delituoso ou crim inoso.

O célebre m édico francês Am broise Tardieu foi provavelm ente o representante m ais perverso desse discurso positivista da m edicina m ental, que teve com o obj etivo confesso descrever ao infinito os danos de um a sexualidade dita “desviante”, de que o Estado dem ocrático queria se proteger.

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