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4.1 A CRIAÇÃO DO NARCOUNIVERSO DIEGÉTICO

4.1.2 Imagens de Abertura

A tela preta transicional logo dá espaço, ao lado da melodia, à primeira imagem da abertura da série. Ao longo de um minuto e meio de abertura, as imagens entregam um pouco do que esperar na série, até mesmo seu arco narrativo. Primeiramente temos indícios do que foi apresentado até agora: a tentativa americana de rastrear Pablo Escobar, representada por imagens de um gravador de bobina e imagens de satélite da Colômbia com linhas de grade e anotações, parecidas com as de um caderno ou quadro de apresentação, com possíveis localidades do narcotraficante (Figura 7).

Figura 7 – Abertura 1

Fonte: Descenso, José Padilha, Bogotá, 2015.

A abertura segue mostrando temas vinculados ao mundo da narcocultura, como a ambição, o excesso e o absurdo deste estilo de vida. O narcotráfico é representado pelo pó branco que irrompe na tela sobre símbolos químicos, e por possíveis “mulas” que traficam cocaína. Passageiras em um avião, essas pessoas têm seus olhos censurados, dando à imagem uma ideia a mais da ilicitude que pode estar ocorrendo em um avião monitorado. Além disso, um dos jogos de imagens mais interessantes retrata o “dinheiro fácil” que se ganha com o narco: uma mala cheia de tabletes de cocaína, que, no plano seguinte, é substituída por uma mala repleta de dinheiro (FILMSUPPLY, 2017). A narrativa da ambição continua retratada com uma pilha de dinheiro, e contrastada com a imagem de um combatente posando com vários tabletes de cocaína apreendidos, o que já abre deixa para a decadência eminente do estilo de vida da narcocultura (Figura 8).

Figura 8 – Abertura 2

Fonte: Descenso, José Padilha, Bogotá, 2015.

Todo esse dinheiro dá lugar aos excessos e extravagâncias para o qual essa vida impele: são retratadas as misses colombianas e mulheres deslumbrantes que

ilustram a vida glamorosa à qual só se tem acesso fácil por meio do narco. Imagens de arquivo estão presentes na abertura, assim como ao longo da série. É apresentada uma foto da entrada da propriedade de Pablo Escobar, a Hacienda Nápoles, assim como filmagens de flamingos e zebras, dando a entender que se tratam dos animais exóticos que Pablo mantinha em sua propriedade. Outra filmagem apresenta o Pablo real e várias pessoas em motos se divertindo, e já dá lugar a imagens de destruição da Tranquilandia (Figura 9): um vasto local em meio à selva com laboratórios e pistas de pouso usadas para o tráfico pelo cartel de Medellín, o que dá indícios do início da ruína de Pablo e sua perseguição pelo governo da Colômbia e dos EUA.

Douglas Kellner (2001), em uma análise da abertura de Miami Vice, a famosa série de televisão dos anos 1980 sobre crime e o tráfico de drogas, faz apontamentos sobre as imagens de abertura da série que transmitem a ideia do estilo de vida da narcocultura, constituído por elementos que aludem a velocidade, agilidade e mobilidade, pautados no consumo desenfreado do capitalismo express. A análise de Kellner coincide com os elementos presentes também na abertura de

Narcos, valendo a pena citar aqui:

O programa também convida os espectadores a identificar-se com um estilo de vida ágil e móvel que focaliza o lazer consumista e emocionante. As icônicas imagens da abertura apresentam uma lancha atravessando o oceano enquanto na sua esteira as ondas azuis e brancas pulsam num ritmo musical vivaz; há um corte, e as imagens focalizam pássaros exóticos, mulheres sensuais, competições esportivas, corridas de cavalo e de cães e outras imagens de lazer, usando a próspera Miami como pano de fundo. Essas imagens de abertura são fruto de um trabalho de edição competente que transmitem a sensação de velocidade e mobilidade, convites irrecusáveis a viver perigosamente e a fazer parte do mundo dos ricos. O programa em si demonstrará então de que modo os indivíduos entram nessa utopia do lazer e encontram boa vida em seus espetáculos e engodos (KELLNER, 2001, p. 308).

Figura 9 – Abertura 3

Fonte: Descenso, José Padilha, Bogotá, 2015.

Em seguida há uma imagem que representa a participação dos EUA na guerra contra a droga: uma família americana assiste ao presidente Reagan na TV (já na segunda temporada o presidente que aparece na TV é George H. W. Bush, e nos episódios finais muda para Bill Clinton). Há então uma filmagem aérea sobre uma montanha, por onde se vê a cidade no vale com as linhas de grade e anotações. Outra filmagem aérea remete àquela do avião, com ângulo reto, como se estivesse rastreando, buscando algo, também há linhas de grade e anotações (Figura 10). Esses dois planos remetem ao início da abertura, e à busca incessante do governo dos EUA por Pablo Escobar.

Figura 10 – Abertura 4

Fonte: Descenso, José Padilha, Bogotá, 2015.

A violência na Colômbia é então apresentada como consequência do narcotráfico, e das ações de Pablo Escobar, a imagem de um assassinato pretende dar um choque no espectador que até então se entretinha com imagens mais neutras e agradáveis embaladas pelo fundo musical agradável de Tuyo. Em seguida, imagens de arquivo dão um toque de realidade com filmagens de um tanque faz alusão à violência do período, e também da tomada do Palácio de Justiça

pela guerrilha, supostamente para destruir documentos que incriminavam os narcos. Logo em seguida, a abertura apresenta uma fotografia do Pablo Escobar real, como se esta se tratasse de parte de um arquivo confidencial, com partes das informações que aparecem sobre a foto sendo censuradas, e também a foto real do agente do DEA, Steve Murphy (Figura 11).

A foto do agente do DEA, de acordo com o diretor de fotografia e editor responsável pela abertura, Nik Kleverov, em entrevista ao site Filmsupply (2017), é mais casual, o que pretende dar um ar absurdo em contraste com a de Escobar. É apresentado então o título da série Narcos sobre um plano geral da cidade de Medellín. Assim como as informações censuradas da foto de Escobar e as mulas no avião, o título de Narcos tem seu design inspirado nesta estética (FILMSUPPLY, 2017). Enfim, o plano final apresenta um carro em chamas, que segundo Kleverov, simboliza o destino que os aguarda: a ruína eminente, o preço a ser pago, o verdadeiro custo do estilo de vida da narcocultura (Figura 11).

Figura 11 – Abertura 5

Fonte: Descenso, José Padilha, Bogotá, 2015.