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3.2 AD e nova retórica: imaginários e ethos

3.2.1 Imaginários e ethos

3.2.2.1 Imaginários sóciodiscursivos

Os imaginários são uma noção importante para que possamos trabalhar com o conceito de ethos. Charaudeau (2007, p. 207) afirma que os imaginários sociodiscursivos “[...] dão testemunho das identidades coletivas, da percepção que

os indivíduos e os grupos têm dos acontecimentos, dos julgamentos que fazem de suas atividades sociais”. Segundo ele,

L’imaginaire est um mode d’appréhension du monde qui naît dans la mécanique des représentations sociales, laquelle, on l’a dit, construit de la signification sur les objets du monde, les phénomènes qui s’y produisent, les êtres humains et leurs comportements, transformant la réalité em réel signifiant. Il resulte d’um processus de symbollisation du monde d’ordre affectivo-rationnel à travers l’intersubjectivité des relations humaines, et se dépose dan la mémoire collective.18 (CHARAUDEAU, 2007, p. 53).

Assim, a noção de imaginário seria o resultado da interpretação da vida real (fatos, situações) por parte de determinado grupo social ou de determinada cultura. Tal interpretação é fruto dos valores, ideias e modo de viver dessas comunidades.

Charaudeau (2007) explica que os saberes sustentam os imaginários. O autor diferencia os dois saberes que dão suporte aos imaginários sociodiscursivos da seguinte maneira: o primeiro parte do princípio da ciência, ou seja, do que o homem sabe sobre o mundo, seus objetos e acontecimentos, a partir daquilo que é estudado e testado; o segundo parte do julgamento que o homem faz do mundo, isto é, da explicação centrada em ideias pré-concebidas, conhecimentos mais ligados a opiniões repetidas e repassadas ao longo dos tempos.

O processo de construção do saber baseado no conhecimento, segundo Charaudeau,dálugaradoistiposdesaberes:osabersábioeosaberdeexperiência.

Le savoir savant construit des explications sur le monde qui valent pour connaissance du monde tel qu’il est et fonctionne. On est dans l’ordre de la raison savante qui s’appui sur des procédures d’observation, d’expérimentation et de calcul, lesquelles utilisent des instruments de visualisation du monde (microscope) ou d’opérations (informatique), et dont la garantie objectivante est que ces procédures et ces instruments peuvent être suivis et utilisés par toute autre personne ayant même compétence.19 (CHARAUDEAU, 2007, p. 55).

18 “O imaginário é um modo de apreensão do mundo que nasce na mecânica das representações

sociais, aquele, como dissemos, construído da significação sobre os objetos do mundo, os fenômenos que aí se produzem, os seres humanos e seus comportamentos, transformando a realidade em real significante. Ele resulta de um processo de simbolização do mundo de ordem afetivo-racional através da intersubjetividade das relações humanas e se deposita na memória coletiva” (Tradução nossa).

19

“O saber sábio constrói explicações sobre o mundo que valem por conhecimento do mundo tal

qual ele funciona. Estamos no âmbito da razão sábia que se apóia em procedimentos de observação, de experimentação e de cálculo, as quais utilizam instrumentos de visualização do mundo (microscópio) ou de operações (informática), e de onde a garantia objetivante é que esses procedimentos e estes instrumentos podem ser seguidos e utilizados por todas as pessoas que têm a mesma competência” (Tradução nossa).

Podemos, então, dizer que o saber sábio é aquele em que a base está nas experiências de cientistas e de pesquisadores, que se pautam em teorias para descobrir causas e consequências de eventos em diversos campos do conhecimento, ou para desenvolver procedimentos que podem ser usados pelas pessoas como os cálculos matemáticos, químicos, etc.

O saber de experiência, segundo Charaudeau (2007), também constrói explicações sobre o mundo, sem, entretanto, ter a possibilidade de uma garantia de comprovação como no saber sábio. Ele explica que, se soltarmos um objeto que estamos segurando, ele cairá no chão, o que irá ocorrer com qualquer outra pessoa que fizer o mesmo, no mesmo local. Esse exemplo mostra que não é preciso um instrumento ou procedimento específico para que possamos provar tal evento. Assim, o autor conclui que não é necessário que as pessoas, em situações semelhantes, partam de um saber sábio, porque esse é o domínio da experimentação e da experiência.

Os saberes de crença, ao contrário dos saberes de conhecimento, não tendem a estabelecer uma verdade sobre os fenômenos do mundo a partir de teorias ou experiências, daquilo que é verificável, mas de valores e opiniões sobre os acontecimentos, as pessoas, o universo. A crença parte do sujeito, daquilo em que ele acredita, mesmo que não seja possível a comprovação. Esse modo de construção do saber de crença ocasiona os seguintes tipos de saberes: saber de revelação e saber de opinião.

O saber de revelação está ligado a algo externo ao homem, é como se a verdade só pudesse ser comprovada num plano superior ao universo humano, caracterizando-se como algo sagrado, transcendental. Por esse motivo são as doutrinas que fundamentam o saber de revelação. Nas palavras de Charaudeau:

Il n’est donc pás étonnant que ce soient les doctrines qui s’attachent à ce type de savoir, doctrines dites religieuses ou profanes. Les doctrines définissent en référence à une parole fondatrice, émanant la plupart du temps d’une figure charismatique (le poète dans la Gréce archaïque, le prophète dans les religions chrétiènnes, le gourou dans les scectes, le fondateur d’une école de pensée).20 (CHARAUDEAU, 2007, p. 57).

20 “Não é de se estranhar que essas são as doutrinas que se ligam a este tipo de conhecimento, as

doutrinas ditas religiosas ou profanas. As doutrinas definidas por referência a uma palavra fundadora emanam na maior parte das vezes de uma figura carismática (o poeta da Grécia arcaica, o profeta nas religiões cristãs, guru nas seitas, o fundador de uma escola de pensamento)” (Tradução nossa).

Já o saber de opinião está ligado a uma avaliação própria que as pessoas têm das ocorrências do mundo. A partir de seus próprios julgamentos, suas ideias, suas opiniões, as pessoas tomam determinada posição. A diferença entre os saberes de revelação e de opinião parece estar justamente no fato de que o primeiro requer uma doutrina e o segundo é mais livre, ou seja, o sujeito toma partido de algo a partir daquilo que ele considera razoável, provável, possível ou necessário.

A esse tipo de saber de opinião estão ligadas três linhas de opinião: comum, opinião relativa e opinião coletiva. A opinião comum é aquela em que há um valor generalizante e que é considerada como a mais partilhada pelas pessoas. Como exemplo, Charaudeau (2007) cita os ditados populares, provérbios e enunciados de valor genérico do tipo: “Eu penso como todo mundo que [...]” ou “Todo mundo pensa que [...] e eu também”. A opinião relativa, conforme Charaudeau (2006c), é aquela que se exprime em um espaço de discussão e de democracia. Trata-se da opinião de um sujeito ou de um grupo restrito. O autor exemplifica da seguinte forma: “Eu penso que a Europa é uma boa coisa para a França”, o que pode subentender que há outras pessoas com uma opinião contrária. Por fim, a opinião coletiva é aquela que um grupo expressa a respeito de outro grupo. Um exemplo retirado da realidade mineira poderia ser: “Os baianos são preguiçosos”, o que pressupõe que esta não é uma característica do povo de Minas Gerais.

Charaudeau (2007) argumenta que o imaginário pode ser qualificado de sociodiscursivo, na medida em que se tem como hipótese que o sintoma de um imaginário é a palavra. Dessa maneira, o autor conclui que os imaginários são produzidos pelo discurso que circula nos grupos sociais.

Mas de que maneira poderíamos perceber os imaginários nos diversos discursos? Charaudeau explica que os imaginários seriam indiciados pelos signos- sintomas, que dão condição de materializar esses imaginários. Os signos podem ser sinais, palavras, expressões, provérbios, entre outros enunciados.