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2 PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS E CONCEITO DE

4.1 IMIGRAÇÃO, GERMANISMO E ASSOCIATIVISMO

Durante o século XIX, o Estado brasileiro incentivou a imigração de europeus em grande escala visando solucionar uma série de problemas, como a escassez de mão de obra e o preenchimento de “vazios territoriais” (SILVA, 2006, p. 250). O estabelecimento sistemático de imigrantes teve início em meados de 1824, com imigrantes alemães que se dirigiram ao Sul do Brasil e criaram a colônia de São Leopoldo. A colonização de regiões desocupadas representava um interesse estratégico. Em relação às outras regiões, o sul do Brasil era a que possuía contato mais direto com a América Espanhola e devido à flora e ao relevo, suas fronteiras eram inseguras, tendo sido motivo de disputas entre Portugal e Espanha no período colonial. Com o estímulo à imigração europeia objetivava-se ocupar efetivamente a região e complementar o complexo pecuário com a produção agrícola proveniente das regiões colonizadas (GERTZ, 1987, p. 21).

No início do século XX, parte da elite intelectual brasileira propôs a tese do “branqueamento”32 que surgia como alternativa ao problema racial brasileiro (havia

preocupação com a massa de ex-escravos egressos nas grandes propriedades). Com o objetivo de incentivar esse branqueamento, a imigração europeia foi novamente considerada a solução mais rápida.

Tratava-se de assimilar o branco europeu, tanto física quanto culturalmente, fundi-lo com o nacional e garantir, por meio dessa alquimia redentora, a homogeneidade e a uniformidade dos habitantes, finalmente libertos de sua ancestral inferioridade e transmutados em um verdadeiro povo (LUCA, 2004, p.45-46).

Porém, esses imigrantes começaram a chegar e, devido à falta de recursos e estímulos a sua assimilação, isolaram-se em suas próprias comunidades, onde cultivavam a língua e a cultura de origem. Além disso, no caso dos imigrantes alemães, “Miscigenação e abrasileiramento são, em tudo, ideias opostas ao pressuposto pelo conceito de Deutschum - o grupo étnico teuto-brasileiro se identifica pelo “sangue” alemão e pela língua alemã” (CAMPOS, 1998, p. 67).

Dessa forma, o processo imigratório no sul e sudeste do Brasil acabou produzindo uma concentração étnica que resultou no inverso da miscigenação e tentava

produzir uma cultura muito próxima da ancestral. Logo esses imigrantes começaram a se apropriar de elementos do nacionalismo alemão, cultivar uma ideologia étnico-racial, proveniente do continente europeu, conhecida como Germanismo. O ponto crucial dessa ideologia é o Deutschtum que coloca o direito de sangue como determinante da nacionalidade acima do Estado e da cidadania (SEYFERTH, 1981, p. 49). Para compreender o que o conceito evocava, Gans considera importante fazer uma aproximação com o conceito de Volkstum.

Volkstum estava relacionado à “índole nacional, ascendência (“sangue”),

cultura e língua de um indivíduo; remetia à “essência de um povo”.

Deutschtum era o Volkstum alemão. Englobava a língua, a cultura, o Geist

(espírito) alemão, a lealdade à Alemanha, enfim, tudo o que estava relacionado a ela, mas como nação e não como Estado. Volkstum e

Deutschtum traziam consigo a ideia de que a nacionalidade é herdada,

produto de um desenvolvimento físico, espiritual e moral: um alemão era sempre alemão, ainda que tivesse nascido em outro país (GANS, 2004, p. 114).

De acordo com Gertz (1991, p. 32) não se sabe quando a ideologia do Germanismo assumiu proporções significativas. O autor afirma que provavelmente havia germanistas entre os primeiros imigrantes, mas a preservação consciente do Germanismo através da manutenção da língua, dos costumes e da pureza de sangue ganhou mais destaque no último quartel do século XIX.

Já Gans (2004, p. 114) aponta que durante as primeiras décadas da imigração o sentimento de amor à pátria de origem e a preocupação em dar continuidade ao povo alemão era praticamente inexistente. Ela também considera o final do século XIX como o período de maior preocupação com a germanidade, período que vai ao encontro da constituição de uma série de sociedades e associações que historicamente são associadas à ideologia germanista.

De acordo com Campos (1998, p. 32), a identidade nacional das comunidades alemãs, tinha como base sentimentos de amizade, solidariedade e fraternidade, por isso era comum que essas comunidades formassem pequenas associações que reforçassem tais sentimentos e valorizassem a língua como forma de cultivar costumes, e tradições artísticas e culturais dos grupos.

O período áureo do associativismo teuto compreende os anos de 1850 e 1942, momento marcado por proliferação de sociedades culturais, recreativas, profissionais e de ajuda mútua entre os indivíduos espalhados pela zona colonial alemã. Anteriormente os imigrantes estavam mais voltados à produção da vida material; somente com uma

significativa ascensão econômica a partir de 1850, passaram a se preocupar com o lazer e a afirmação do grupo na sociedade rio-grandense (SILVA, 2006, p. 131). Gertz aponta que apesar da relação feita entre o imigrante alemão e o associativismo, as “associações” só começaram a prosperar a partir de 1851 com a chegada dos Brummers.

Os Brummers eram combatentes contratados pelo Império para lutar na guerra contra Rosas, da Argentina em 1852. Tratava-se de alemães que haviam participado estreitamente das revoluções liberais sufocadas na Europa a partir de 1848. Após a luta contra Rosas em torno de 1800 deles se estabeleceram no Rio Grande do Sul. Conquistaram rápida ascendência sobre os imigrantes pois tinham formação acadêmica superior à deles e participação em movimentos sociais marcantes (KREUTZ, 2000, p. 163-164).

Os Brummers teriam contribuído para a modificação dessa realidade por constituírem “um grupo de imigrantes com uma formação política, cultural e educacional diferente das massas dos imigrantes chegados até então” (GERTZ, 2013, p. 30), e por terem participado de movimentos sociais marcantes (KREUTZ, 2000, p. 164). A presença dos intelectuais33 dentro do grupo acabou estimulando a criação de várias associações esociedades (ALMEIDA, 2014, p. 236).

Nessas sociedades, ocorreu a reprodução de tradições alemãs em solo gaúcho, porém elas foram produto de necessidades específicas e adotavam elementos locais. Apesar de São Leopoldo ser considerado o berço da imigração alemã, as primeiras sociedades foram fundadas na região urbana, mais especificamente em Porto Alegre. De acordo com Roche (1969, p. 644), as três primeiras associações alemãs fundadas em Porto Alegre foram: A Sociedade Germania (1855), a Deutscher Hilfsverein (1858), e a Sociedade Leopoldina (1863).

Como é possível observar, elementos marcantes da imigração alemã como o associativismo e Germanismo começaram a se destacar somente na segunda fase34,

também chamada de fase de expansão do comércio. E foi nessa mesma fase que um grupo composto por imigrantes alemães fundou a Deutscher Hilfsverein, sociedade socioeconômica que objetivava auxiliar imigrantes alemães e seus descendentes. No próximo tópico será discutida a fundação dessa sociedade e a decisão de fundar um colégio alemão que atualmente é conhecido como Colégio Farroupilha.

33 Os Brummers costumam ser associados com a intelectualidade e o associativismo alemão, mas através

do livro “Memória de Brummer” podemos perceber que nem sempre foi assim, no início por serem mercenários eles não eram bem vistos pelos lusos e teuto-brasileiros (LENZ, 1997, p. 41).

34 Künh, divide a imigração alemã no Rio Grande do Sul em 3 fases: 1824-1845 (fase de subsistência);

4.2 O DEUTSCHER HILFSVEREIN (1858) E A FUNDAÇÃO DO COLÉGIO