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5 A NACIONALIZAÇÃO DO GINÁSIO TEUTO-BRASILEIRO

6.4 LEMBRANÇAS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Em meio à memórias pessoais e familiares, as depoentes ressaltam as marcas deixadas pela Segunda Guerra Mundial, entre elas depredações e apelidos pejorativos.

R.W. e P.W. relataram a violência das depredações ocorridas na cidade de Porto Alegre quando o Brasil declarou participação no conflito:

R.W.: A depredação foi horrível, quando o Brasil entrou pro lado americano né, contra a Alemanha. Aqui em Porto Alegre foi uma coisa horrível né, porque eles, tudo que tinha nome alemão era uma coisa. Eles foram quebrando tudo que tinha pela frente. Aquela horda de, aqueles homens com aquelas barras de ferro quebrando loja, quebrando fábrica, quebrando tudo! P.W.: Gente que não tinha mais nada que ver com a Alemanha né. (P.W. , R.W., entrevistadas por Lucas Grimaldi em 2012).

Quando questionadas sobre a situação do colégio nas depredações elas afirmaram que não aconteceu nada pois a escola estava fechada:

R.W. : Fechado meu filho, fechado, naqueles dias não teve aula, não teve nada.

P.W.: não, o colégio não sofreu, porque eles cuidaram, eles fecharam. (P.W. , R.W., entrevistadas por Lucas Grimaldi em 2012).

L.H., fala desse período com pesar e relaciona diretamente a nacionalização com a decisão de seu pai de forçá-la a largar os estudos.

Bom, eu não fui até o fim por uma série de motivos, uma por doença. E a outra foi justamente na época que o Brasil declarou a guerra à Alemanha e aí a história ficou muito conturbada. E eu era muito tímida, e fiquei com medo, talvez por eu estar fragilizada [...].Tudo estava assim, muito conturbado. E principalmente nós que somos de origem alemã, então chamavam a gente de: olha ali, o alemão batata come queijo com barata, era essas coisas todas. Isso hoje tudo é bullying. Naquela época nem se sabia o que que era bullying. Mas tu sabes uma coisa? Hoje tudo é violência psicológica que nós nem

sabíamos o que era. Hoje tu tem explicação né, tu tem ajuda, mas na época não tinha. Nós ficávamos assim. A gente chorava né. (L.H., entrevistada em 21/03/2016)

Um evento que a escola sempre participava e que ficou marcado pelos alunos pelas ofensas que escutavam foram as festividades da Semana da Pátria em que ocorria uma constante associação dos alunos com a quinta coluna:

Eu sempre fui uma pessoa assim, que tive uma liderança. Aí, por exemplo, na minha aula eu era considerada assim, a melhor colega, e a dona Wilma gostava muito disso, então quando tinha que organizar alguma coisa quem é que ela chamava? A Renée. A Renée então organizava isso, aquilo e eu organizei as paradas de sete de setembro, só que teve um ano que me fizeram uma [...]. Aí a dona Wilma disse: Olha Rene, agora tu vai ser homenageada e tu vai ser lá na frente já que tu organizaste o time todo, uma carregava taça, a outra carregava isso, aquilo, e aí ela me deu a bandeira! [...] tu usa ela no ombro, marchando, tu só botava na frente assim quando passava no palanque, o resto tudo era carregando no ombro e aquele peu era pesado, vou te dizer! Fiquei com o ombro todo inchado! [...] E aí a gente marchava toda a Borges até lá no fim e lá acabava né, ai lá dispersava né. E quando a gente passava eles sempre gritavam: lá vem os quinta coluna! (P.W. , R.W., entrevistadas por Lucas Grimaldi em 2012).

F.T. também menciona a associação dos alunos da escola com a etnia germânica. De acordo com o ex-estudante a troca de ofensas era comum entre os jovens de diferentes instituições de ensino.

Já em plena época da “Nacionalização” do Estado Novo e com o início da guerra, passamos por maus bocados. Loiros na maioria e com nomes bem alemães, com exceção do Rubbens Ramos, Clovis Barbedo e Joaquim de Freitas, nos chamavam de “alemão” em toda a parte, principalmente durante as paradas da Semana da Pátria. Chamavam-nos de “alemão” e “galinha frita”. Em compensação, havia as “galinhas assadas”, as “galinhas roubadas” e deveriam ver o apelido dado aos colegas do Julinho.

Um dia, durante a solenidade diária de hasteamento do Pavilhão Nacional, ante a explanação do nosso diretor, o General Comandante do Terceiro Exército, disse o seguinte:

-Meus filhos, se vos chamarem de alemão, digam que este vosso comandante afirma que sois brasileiros igual a ele (F. T. apud TELLES, 1974, p. 137). Porém, naquele período ser considerado “alemão” ou “quinta coluna” trazia suspeitas, motivo pelo qual a vigilância sob a escola ficou mais severa. De acordo com R.W. e P.W. durante o período da Segunda Guerra Mundial os inspetores passaram a “incomodar muito”:

P.W.:Vinham os inspetores e incomodavam muito R.W.: Ah e como incomodavam!

P.W.: Incomodavam porque queriam saber de tudo, achavam que podia ter qualquer quinta coluna, quando chamavam de quinta coluna, escondida aí no meio ou aquilo né

R.W.: E que tavam tramando alguma coisa contra

P.W.: É, e qualquer suspeita era muito ruim assim. (P.W., R.W., entrevistadas por Lucas Grimaldi em 2012).

Os relatos demonstram como os jovens de ascendência germânica eram mal vistos pelo restante da população. Porém, o depoimento de E.P. indica que após a nacionalização os alunos do Ginásio Farroupilha ainda eram relutantes em aceitar os colegas que não eram de origem alemã, chamando-os de apelidos pejorativos:

A gente chamava assim ó, o que não era alemão a gente chamava de ..., era negro comedor de feijão preto, então aquilo era pejorativo né, então quando entrava ou chegava um colega novo assim, a gente parece que cheirava assim e a gente ... cochichavam, e eles não entendiam, e a gente....

Porque a gente achava assim que a nata tinha que ser alemã né, era aquele racismo (E.P. entrevistada em 09/09/2016).

De acordo com a depoente, esse comportamento prevalecia somente nos primeiros instantes e depois todos se enturmavam e se davam bem, mas demonstra certa permanência de um gregarismo e isolamento germânico, valores que poderiam estar presentes nas famílias de parte dos alunos.

Quando questionada sobre a imagem que o então presidente Getúlio Vargas possuía dentro da comunidade, a depoente L.H. afirmou ser uma imagem confusa: “Getúlio Vargas... Hitler, a gente não sabia o que era bom e o que era mau, nós não sabíamos em quem acreditar, pra gente que estava vivendo aquilo, era muito difícil”. De acordo com Dutra (1997, p. 89), em períodos de maniqueísmos ideológicos, é comum que “as essências do bem e do mal, do oprimido e do opressor estejam encarnadas em alguém”. Essas questões estavam presentes no imaginário político e acabavam influenciando a visão da população.