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Impacto da vida familiar na evolução profissional das mulheres

Tânia Cristina Simões de Matos dos Santos1, Ana Luísa Flora Ramos Carvalho2, Andreia Soraia

Ventura da Costa3, Maria Alice da Fonseca Moreira4

1 tania.santos@ipleiria.pt, 1190619@my.ipleiria.pt, 1190944@my.ipleiria.pt, 1190936@my.ipleiria.pt

1ORCID: 0000-0002-9187-6117

1Escola Superior de Educação e Ciências Sociais /Instituto Politécnico de Leiria e CICS.NOVA.IPLeiria /Portugal

2, 3, 4Escola Superior de Educação e Ciências Sociais /Instituto Politécnico de Leiria/Portugal

Resumo

A crescente participação da mulher no mercado de trabalho, a que se tem assistido nas últimas décadas, tem vindo a revelar transformações nas relações sociais de género e novas formas de organização da vida familiar. Ainda assim, a presença das mulheres no mercado de trabalho é não raramente acompanhada por dificuldades de conciliação entre a evolução profissional e a situação familiar.

Debruçando-nos sobre um estudo de caso de um Grupo Empresarial português de grande dimensão, com atividade no ramo da construção especializada em eletricidade, a investigação proposta visa compreender a perceção das trabalhadoras do género feminino sobre o impacto da situação familiar na sua evolução profissional, assim como identificar constrangimentos na progressão da sua carreira decorrentes da situação familiar.

Os resultados obtidos através da aplicação de um inquérito por questionário a 93% das trabalhadoras revela que as mulheres consideram que a sua preponderância (face ao homem) nas responsabilidades familiares limita a respetiva progressão profissional e a disponibilidade para a mobilidade geográfica. Constata-se que a maioria das trabalhadoras solteiras, separadas, divorciadas ou viúvas perceciona que a evolução da sua carreira não é limitada pela situação familiar; pelo contrário, trabalhadoras casadas ou a viver em união de facto assumem alguns impedimentos na evolução profissional, tanto maiores quanto menor a idade dos filhos. Constata-se também que metade das inquiridas casadas ou a viver em união de facto manifesta indisponibilidade para mobilidade geográfica permanente; enquanto 82% das mulheres com o perfil de solteira, separada, divorciada ou viúva tem disponibilidade para essa mobilidade. Os resultados revelam ainda que as mulheres casadas ou a viver em união de facto e com filhos reconhecem a melhoria das suas capacidades organizativas e de gestão do tempo decorrente da exigente otimização entre a vida familiar e o contexto profissional. Palavras-chave: igualdade de género, progressão na carreira, mercado de trabalho.

Abstract

The growing participation of women in the labour market witnessed in recent decades has revealed changes in social gender relations and new forms of organization of family life. Even so, the presence of women in the labour market is often accompanied by difficulties in reconciling professional development and family situation.

Based on a case study of a large Portuguese business group with activity in the construction sector specializing in electricity, the proposed investigation aims to understand the perception of female workers of the impact of the family situation on their professional evolution, as well as to identify restrictions in the career progression associated to family situation.

The results obtained from the application of a questionnaire survey to 93% of the female workers reveal that women consider that their majority (compared to men) in family responsibilities limits their professional career and the availability for geographic mobility.

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We also find that most single, separated, divorced or widowed workers recognise that their career is not limited by family situation; but workers who are married or living in a non- marital partnership assume some obstacles in their professional development, especially in the case of young children. It is also noted that half of the respondents who are married or living in a non-marital partnership are not available for permanent geographical mobility; while 82% of women with a single, separated, divorced or widowed are available for that mobility. The results also reveal that women who are married or living in a non-marital partnership and with children recognize the improvement in their organizational and time management skills due to the demanding optimization between family life and the professional context.

Keywords:gender equality, career progression, labor market.

1. Introdução

Este trabalho incide sobre a gestão de carreira e a conciliação entre a vida pessoal e profissional das trabalhadoras da empresa CANAS, S.A., um Grupo Empresarial português que se dedica à construção especializada em eletricidade.

A entrada generalizada da mulher no mercado de trabalho após a revolução industrial no século XIX conduziu a alterações no conceito de família e nas organizações laborais, com impacto na estrutura demográfica do país. A mulher, que anteriormente se dedicava às tarefas domésticas e ao cuidado dos filhos, passou, a par com o homem, a assumir um papel ativo na obtenção de rendimento para o núcleo familiar. Este fenómeno trouxe benefícios, nomeadamente para a autonomia das mulheres, mas “roubou-lhes” o tempo necessário para os compromissos com a família. Como consequência, os papéis desempenhados pelo homem e pela mulher na dinâmica familiar têm vindo a aproximar-se e têm sido implementadas alterações legislativas que promovem a participação dos homens nas atividades domésticas.

Ainda assim, dados relativos à igualdade de género publicados pelas mais diversas organizações, entre as quais a Organização das Nações Unidas, a UNICEF e instituições estatísticas nacionais, revelam elevadas assimetrias no acesso a lugares de liderança nas empresas, nos parlamentos e nos ministérios e chefias do Estado, em desfavor das mulheres. Além disso, são evidentes as desigualdades salariais entre homens e mulheres e disparidades no tempo despendido em trabalho não remunerado, como cozinhar e limpar e no cuidado às crianças e doutros dependentes, em benefício comparativo para os trabalhadores do género masculino.

Com efeito, pretende-se com o presente estudo analisar se a situação familiar afeta a progressão de carreira das trabalhadoras da empresa CANAS, S.A. e identificar constrangimentos na progressão da carreira destas trabalhadoras decorrentes da situação familiar.

O estudo proposto encontra-se estruturado da forma que a seguir se apresenta. Depois da presente introdução, salientam-se os principais contributos teóricos que tratam a problemática abordada. Na terceira parte, é exposta a metodologia e objetivos da investigação, a que se seguem os resultados obtidos. Na última parte, são referidas as principais conclusões obtidas e as pistas para investigações futuras.

2. Contributos teóricos

A temática da inserção da mulher no mercado de trabalho tem sido alvo de atenção pela comunicação social e também pela comunidade científica. Encontramos inúmeras abordagens que atribuem especial enfoque à presença crescente da mulher no mercado de trabalho e aos seus efeitos nas organizações laborais e na família. Referimos, a título de exemplo, os trabalhos desenvolvidos por Greenhaus & Beutell (1985), Ferreira (2010), Wall (2010), Harrington, Van

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Deusen & Humberd (2011), Manfroi, Macarini & Vieira (2011), Queirós (2012), Rêgo (2012), Silva & Taveira (2012), Ferreira e Monteiro (2013) e Martins, Abreu, & Figueiredo (2014).

Pereira, Vieira e Matos (2019) demonstram que as mulheres dedicam mais horas ao cuidado dos filhos do que os homens. A investigação aplicada a 346 pessoas, distribuídas de forma equitativa no que se refere ao género, revela ainda que quando as mulheres percecionam que a atividade profissional interfere na vida familiar, as mesmas experienciam relativamente mais stress do que os homens.

Matias, Andrade e Fontaine (2011), num estudo aplicado a 246 famílias, analisam a perceção dos homens e das mulheres sobre a conciliação da vida familiar com a vida profissional. O estudo visa perceber o que é que cada um dos elementos da família valoriza mais: a influência do trabalho na família (conflito trabalho-família) ou a influência da família no trabalho (conflito família- trabalho). Os resultados mostram que o conflito família-trabalho é mais evidente no sexo feminino do que no sexo masculino; pelo contrário, são os homens quem mais perceciona os conflitos ao nível de trabalho-família. Concluiu-se também que os homens despendem mais horas dedicadas à sua vida profissional, privilegiando a vida profissional, ao passo que as mulheres atribuem maior importância à família.

O estudo de Perista et al. (2016), recorrendo a uma metodologia mista, de caráter quantitativo e qualitativo, analisa o uso do tempo despendido pelas mulheres e pelos homens em trabalho remunerado e em trabalho não remunerado. Os autores apontam para uma maior escassez de tempo livre por parte das mulheres comparativamente aos homens, referindo que esta desigualdade surge devido à desigualdade na divisão das tarefas domésticas e dos cuidados com a família, em desfavor das mulheres. No que concerne ao trabalho pago, é também para as mulheres que este representa um maior impedimento na dedicação de mais tempo à família. Apesar destas disparidades que evidenciam os conflitos trabalho/família, o homem não se alheia das preocupações contemporâneas, sendo cada vez mais evidente o seu envolvimento na vida familiar, nomeadamente no que diz respeito à realização das tarefas domésticas e à preocupação com o afeto (Shields, 2013; Wall et al., 2016).

Num estudo aplicado à representação feminina nas forças armadas, Erika, DiNitto, Salas-Wright & Snowden (2020) recorrem a modelos de regressão para testarem a influência de fatores relativos ao trabalho e fatores familiares na satisfação com a vida militar e analisar as intenções de carreira de diferentes subgrupos de mulheres oficiais que se encontram a meio da carreira, agrupadas por situação familiar (casada, solteira, com e sem filhos). Os resultados mostram que, em todos os subgrupos de mulheres, para a tomada de decisões sobre a carreira, os fatores associados ao trabalho não têm significância, mas os fatores familiares estão significativamente associados às intenções de carreira das mulheres casadas. Os autores sugerem que a adoção de políticas que promovam apoio/satisfação da família poderão ajudar a resolver estes problemas de retenção das mulheres na evolução na carreira.

Também no meio académico, são relatadas experiências de diferenças de género na evolução na carreira. Huang, Gates, Sinatra & Barabási (2020) referem que são vastas as evidências de diferenças de género no seio da comunidade académica. Este estudo fornece uma análise longitudinal das desigualdades de género no desempenho nas carreiras académicas, por meio de uma metodologia bibliométrica, cobrindo 83 países e 13 áreas científicas. Verificamos que, paradoxalmente, o aumento da participação das mulheres na ciência, nos últimos 60 anos, tem sido acompanhado por um aumento das diferenças de género: as mulheres estão subrepresentadas na maioria das áreas científicas, publicam menos artigos ao longo de uma carreira e os seus trabalhos recebem menos citações, em comparação com os colegas do sexo masculino, o que explica em grande parte as diferenças de género no que se refere à produtividade e ao impacto na evolução na carreira.

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