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Transformação Digital: estado das profissões administrativas em Portugal

Anabela Mesquita1, Luciana Oliveira2, Arminda Sequeira3,

sarmento@iscap.ipp.pt, lgo@eu.ipp.pt, arminda@iscap.ipp.pt

1ORCID: 0000-0001-8564-4582; 2ORCID: 0000-0003-2419-4332; 3ORCID: 0000-0003-1457-

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1Politécnico do Porto, Algoritmi RC, Portugal 2, 3CEOS.PP ISCAP Politécnico do Porto, Portugal

Resumo

A profissão de assistente administrativo/assistente executivo possui elevada permeabilidade à atual transformação digital, apesar de ser baseada em conhecimento instrumental e frequentemente desempenhada como uma extensão de outros cargos organizacionais. O perfil deste profissional colide, diretamente, com duas das funções essenciais da tecnologia no trabalho: a automação, que visa a supressão de atividades ineficientes, repetitivas e a racionalização, simplificação e otimização; e a inovação, orientada à minimização de custos e à maximização da qualidade, acessibilidade e conveniência. Este trabalho apresenta evidências sobre o estado atual dos desafios que se colocam aos postos de trabalho administrativos em Portugal, utilizando, como referência, as principais atribuições internacionais da profissão, sendo enquadradas num quadro de diagnóstico global de competências.

Palavras-Chave: 4.ª Revolução Industrial, digitalização, automação, assistentes administrativos, assistentes executivos.

Abstract

The administrative assistant/executive assistant profession has a high permeability to the current digital transformation, although it is based on instrumental knowledge and often performed as an extension of other organizational positions. The professional profile collides directly with two of the essential functions of the technology at work: automation, which aims at the suppression of inefficient activities and the rationalization, simplification and optimization; and innovation, oriented to the minimization of costs and the maximization of quality, accessibility and convenience. This work presents evidence on the current state of the challenges faced by administrative jobs in Portugal, using, as a reference, the main international assignments of the profession, organized in a global skills’ diagnosis framework. Keywords: 4th Industrial Revolution, digitization, automation, administrative assistants, executive assistants.

1. Introdução

A 4.ª Revolução Industrial (4.ª RI) e a digitalização estão a mudar o modo como vivemos, socializamos e trabalhamos. Além das mudanças visíveis nos modelos de negócio, na comunicação e na colaboração, na relação entre o trabalho e vida privada, na estrutura e hierarquias organizacionais, as tecnologias estão também a afetar o emprego propriamente dito. De acordo com um estudo da Universidade de Oxford (Autor, 2015; Frey & Osborne, 2017), 47% dos postos de trabalho nos Estados Unidos correm o risco de serem substituídos por tecnologias ou pela automação à medida que o trabalho se torna crescentemente digital, virtual e remoto. O relatório do Fórum Económico Mundial (WEF, 2018) indica que “a onda de avanços tecnológicos está configurada para reduzir o número de trabalhadores necessários em determinadas tarefas”

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(p. v). É ainda referido que haverá um aumento na “procura por novos perfis” e uma “diminuição na procura de outros”. Naturalmente, estas mudanças não terão os mesmos impactos em todas as partes do globo nem em todas as indústrias, mas a tendência é visível globalmente (Arntz, Gregory, & Zierahn, 2016).

Para uma grande diversidade de postos de trabalho, a resposta aos desafios impostos pela digitalização e pela Inteligência Artificial (IA) tem recaído na conceção de estratégias, quer para aumentar o desempenho profissional, através de formação intensiva na aquisição de competências tecnológicas, quer para reestruturar completamente o posto de trabalho, de modo a reconfigurá-lo consoante as contingências tecnológicas (WEF, 2018). A aprendizagem ao longo da vida e o empreendedorismo surgem como competências transversais essenciais para os profissionais atuais, nomeadamente aqueles cujas tarefas fundamentais estão prestes a serem substituídas pela IA. Na verdade, a investigação tem vindo a demonstrar a emergência de um grande número de novos postos de trabalho, o que implica a necessidade de, neste instante, formar futuros profissionais para postos de trabalho que nem sequer existem (WEF, 2018). Uma das profissões na qual este impacto será significativo nos próximos anos é a que está relacionada com área administrativa (assistentes administrativos, assistentes executivos, secretários executivos, etc.) (Wike & Stokes, 2018). Assim, a gestão do capital humano no contexto da 4.ª RI envolve o desenvolvimento e a utilização eficaz dos recursos humanos, da inteligência artificial e da robótica, para alcançar as metas e os objetivos organizacionais (Baykal, 2020; Mathur, 2018). Espera-se que os princípios subjacentes à gestão do capital humano – o planeamento, o recrutamento, o desenvolvimento, a remuneração e o investimento na mão-de- obra digital – se tornem mais intensos e complexos (Kaur, Awasthi, & Grzybowska, 2020; Ninan, Roy, & Thomas, 2019; Kalitanyi & Goldman, 2020).

As funções no âmbito administrativo têm sido, desde há décadas, um tema de investigação pouco privilegiado, principalmente porque não são considerados como um domínio de conhecimento específico e especializado e, de facto, trata-se de uma profissão marcadamente técnica, administrativa para a maioria, e com um nível de especialização que ocorre no cruzamento dos múltiplos domínios das competências pessoais e tecnológicas, exercida em complementaridade e assessoria a múltiplas outras profissões especializadas.

Na profissão de Assistentes Administrativos/Executivos é possível identificar dois níveis: o nível básico – Assistentes Administrativos (AA) – cujo foco principal é a execução de tarefas operacionais, e o nível superior – Assistente Executivo ou Secretário Executivo (AE) – cujas tarefas estão mais relacionadas com a comunicação, a resolução de problemas, a negociação e o apoio aos executivos de topo de uma empresa (Mesquita, Oliveira, & Sequeira, 2019).

No nível básico, o profissional deverá possuir conhecimentos e competências instrumentais (Bryson, 2018), essencialmente de domínio administrativo e de tecnologia na ótica do utilizador. No nível superior – Assistente Executivo ou Secretário Executivo – são necessários mais conhecimentos, competências e habilidades (O*NET, 2018a), nomeadamente serviço pessoal e ao cliente, literacia de informação, comunicação e colaboração, criação de conteúdos digitais, segurança, conhecimento administrativo e de gestão, resolução de problemas (Vuorikari, Punie, Gomez, & Van Den Brande, 2016), assim como domínio de línguas estrangeiras e negociação com parceiros de culturas estrangeiras. As tarefas diárias requerem competências adicionais, tais como orientação para o serviço – procurar ativamente maneiras de ajudar pessoas; coordenação – ajustar ações tendo em conta as ações de outros; perspicácia social – estar atento às reações dos outros e compreender as razões por detrás dos comportamentos; monitorizar/avaliar desempenhos (autoavaliação e avaliação de outros indivíduos e organizações para fazer correções e/ou melhoramentos) (O*NET, 2018a).

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As atribuições principais das ocupações dos Assistentes Administrativos e Assistentes Executivos focam-se, normalmente, em funções de assessoria a executivos de várias áreas especializadas. Estas consistem, na maior parte das vezes, em extensões de outras funções, em que o profissional auxilia na implementação de tarefas diversificadas. Estas carreiras normalmente não são, neste contexto, de um domínio específico, para que possam ser suficientemente flexíveis e adaptáveis às necessidades e exigências dos cargos multifacetados que apoiam. Apesar de não serem de domínio específico, os AA e AE são carreiras especializadas. A especialização dá-se ao nível técnico e num conjunto multidomínio de competências pessoais e técnicas. No entanto, é precisamente no trabalho de “assistir o outro” que as suas atribuições colidem diretamente com o papel dos desenvolvimentos tecnológicos atuais e futuros que têm invadido o mercado de trabalho.

A intervenção profissional de AA e AE centra-se principalmente em quatro domínios diferentes: funções de organização; funções de ligação e comunicação de negócio; funções de geração e gestão de dados e funções de representação (Sequeira & Santana, 2016). Muitas das tarefas no âmbito destas funções sofrerão com o impacto da Inteligência Artificial e da automação, porque são tarefas que se podem automatizar ou porque os quadros executivos a que prestavam apoio absorvem essas tarefas que se tornaram intuitivas e/ou mais simples, não havendo a necessidade de um assistente.

Neste trabalho, é apresentada uma classificação das atribuições dos AA e AE, que serve de base a uma investigação exploratória no contexto português, relativamente às tarefas realizadas mais frequentemente por estes profissionais e o levantamento de quais as competências técnicas e transversais que são mais valorizadas pelos profissionais a exercer a profissão. Os resultados são discutidos e são apresentadas recomendações para a manutenção da profissão.

2. Metodologia

Os principais objetivos deste trabalho consistem em:

1. Identificar as principais tarefas realizadas por ambos os níveis da carreira administrativa dentro do contexto internacional;

2. Avaliar o estado atual da carreira no contexto português, relativamente aos riscos apresentados pela 4.ª RI e pela digitalização, no que diz respeito às tarefas realizadas com mais frequência; 3. Revelar as competências técnicas e transversais mais relevantes e valorizadas pelos

profissionais portugueses para o exercício atual da profissão.

Para alcançar estes objetivos, foi adotada uma metodologia exploratória, fazendo-se a recolha de dados através de questionário, criado no software limesurvey. A escala utilizada tem as seguintes opções: Nunca, Raramente, Frequentemente e Sempre (Cf. Figura 2 e seguintes). A divulgação foi realizada através das redes sociais (Facebook e LinkedIn) e da Associação Portuguesa de Profissionais de Secretariado e Assessoria (ASP), sendo depois o tratamento dos dados realizado através de estatística descritiva no Excel. A estrutura do questionário é composta por dois grandes blocos. Um primeiro bloco destinado à recolha de demográficos dos participantes; e um segundo bloco de avaliação das suas atribuições profissionais, estando estas agrupadas em 5 categorias, que são descritas na Figura 1. A pesquisa foi dividida em duas fases principais.

Fase 1: Através de investigação documental, foi desenvolvida uma estrutura quadro de avaliação (framework) de atribuições atuais da profissão, com base nas tarefas principais internacionalmente referidas. Para o efeito, foram compiladas as tarefas principais das profissões administrativas, sendo considerada a descrição das tarefas de carreira sob os códigos de Secretários Executivos e Assistentes Administrativos e Executivos (código 43-6011.00) e Secretários e Assistentes Administrativos, exceto os jurídicos, médicos e executivos (código 43- 6014.00), dos portais de recursos humanos O*Net (www.onetonline.org) (O*NET, 2018a, 2018b),

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Effortless HR e Career Planner (job-descriptions.careerplanner.com), como fontes de

informação. Do conjunto total de tarefas analisadas, foram consideradas tarefas com relevância igual ou superior a 50%, de acordo com a classificação que os próprios profissionais internacionais reportam aos portais de recursos humanos.

Fase 2: A segunda fase da metodologia assenta na realização de um inquérito, junto dos profissionais portugueses, a fim de avaliar (1) quais das tarefas anteriormente identificadas são realizadas mais frequentemente, (2) se estes profissionais sentiram recentemente alterações na profissão e (3) quais são as principais competências técnicas e transversais que mais valorizam no exercício da sua profissão. Este inquérito foi disponibilizado nas redes sociais (Facebook e

LinkedIn), sendo promovido em grupos profissionais. No total, foram consideradas 30 respostas

válidas para efeitos de análise.

Na Figura 1 é apresentada a framework desenvolvida a partir de investigação documental (Fase 1), juntamente com os códigos internos atribuídos a cada uma das tarefas, sendo que códigos que começam em ‘AA’ referem-se às tarefas dos Assistentes Administrativos (reconhecidas internacionalmente como tarefas de nível básico), ‘AE’ referem-se às tarefas dos Assistentes Executivos (reconhecidas internacionalmente como tarefas de nível superior), ‘Both’ refere-se a tarefas desempenhadas por ambas as descrições de funções e ‘AEN’ refere-se ao novo conjunto de tarefas que foram acrescentadas para o contexto português, de acordo com Sequeira e Santana (2016).

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Figura 7: Quadro de avaliação de atribuições atuais da profissão AE e AA (framework). [Fonte: elaboração própria]

Os resultados da segunda fase de investigação são apresentados na secção seguinte. Por uma questão de simplicidade e economia, são fornecidos mais pormenores sobre os métodos e instrumentos de investigação em contexto.

3. Resultados

Nesta secção são analisados os resultados obtidos através da análise exploratória do contexto português, e em concordância com o quadro apresentado na Figura 1.

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