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1. O ensino à distância

1.2. Adaptação e abordagens utilizadas no ensino à distância durante o confinamento

1.2.2. Impacto do ensino à distância na aprendizagem dos alunos

O EaD, na sua génese, foi criado para servir um número reduzido de pessoas e para que este seja proveitoso, os alunos aprendam e os professores consigam ensinar, é necessário criar um conjunto de medidas e é indispensável pensar nas melhores formas de trabalhar este tipo de ensino. Uma das componentes mais importantes é a avaliação que deve ser definida numa fase inicial, de forma a não prejudicar os alunos e potenciar as suas aprendizagens. Contudo, em Portugal, o EaD não tinha uma grande preponderância e com isso, a partir do momento que as escolas fecharam, a Portaria n.º 85/2014 de 15 de abril, já mencionada, deixou de fazer sentido, uma vez que se encontrava direcionada para um número reduzido de alunos que tinham de se descolar a uma escola, no final de cada ano. No momento do primeiro confinamento estavam em EaD cerca de dois milhões de alunos, segundo dados do PORDATA, não sendo possível a sua deslocação.

Com a necessidade de modificar algumas leis para facilitar o trabalho das escolas e para tratar de igual forma todos os alunos, tendo em conta a avaliação, foi definido a 13 de abril de 2020, em Diário da República, o Decreto-lei nº14-G/2020 que visa expressar como seriam as avaliações para os alunos do ensino básico e do ensino secundário. No ensino básico, segundo o Artigo 7.º Avaliação e conclusão do ensino

básico, seria apenas levada em consideração a avaliação interna da conclusão do

ensino básico geral, dos cursos artísticos especializados e de outras ofertas formativas e educativas.

No mesmo decreto está descrito, no Artigo 8.º Avaliação, aprovação de disciplinas e

conclusão do ensino secundário, as medidas a adotar para este ciclo de estudo,

sofrendo ligeiras diferenças relativamente ao ensino básico. Modifica-se a

continuidade da realização dos exames finais nacionais, sendo que os alunos apenas realizariam os exames que são considerados como provas de ingresso de acesso ao ensino superior e caso necessitem de obter melhoria de nota, também será feita apenas para as disciplinas necessárias ao ingresso no ensino superior.

Artigo 8.º Avaliação, aprovação de disciplinas e conclusão do ensino secundário. 2 — As classificações a atribuir em cada disciplina têm por referência o conjunto das

aprendizagens realizadas até ao final do ano letivo, incluindo o trabalho realizado ao longo do 3.º período, independentemente da modalidade utilizada, sem prejuízo do juízo globalizante sobre as aprendizagens desenvolvidas pelos alunos.

3 — Os alunos realizam exames finais nacionais apenas nas disciplinas que elejam como provas de ingresso para efeitos de acesso ao ensino superior, sendo ainda permitida a realização desses exames para melhoria de nota, relevando o seu resultado apenas como classificação de prova de ingresso (Decreto-lei nº14-G/2020).

Além da importância da definição das leis para reorganizar o processo de avaliação, é também importante aprofundar e perceber como se deve desenrolar a avaliação dos alunos na qual as orientações da DGE tiveram um importante papel.

Se esta era um pilar central e bastante utilizado para perceber a aprendizagem dos alunos, torna-se ainda mais importante no EaD uma avaliação e acompanhamento contínuos por parte dos professores. A continuidade da aprendizagem e respetiva avaliação são fundamentais e observando os diferentes estudos realizados pela OCDE, concluiu-se que as férias de verão são um período de tempo onde, por vezes, existe uma perda de competências e aprendizagens. Deste modo, o fecho repentino das escolas poderia agravar ainda mais a perda de aprendizagens, tornando-se por isso de extrema importância acompanhar e avaliar os alunos

(w)ith the closing of school buildings and the transition to online learning, education systems face attendance challenges and higher absenteeism, which relates to the “summer learning loss”, a largely studied phenomenon suggesting that in the absence of schooling, children lose skills and competencies (Citado em Gouëdard et al., 2020, p. 6)

Esta obrigação de acompanhar a aprendizagem dos alunos a partir dos processos de avaliativos encontra-se presente no Decreto-Lei n.º 55/2018 de 6 de julho, no capítulo II, artigo 23º “[a]valiação”, que define as formas de avaliação interna: a) Compreende, de acordo com a finalidade que preside à recolha de informação, as seguintes

modalidades:

i)Formativa; ii) Sumativa;”

Apesar do segundo ser o mais utilizado nas aulas presenciais, não é possível transpor os métodos de avaliação, “[b]oth types of assessment have been severely impacted by the closing of schools in their traditional approaches” (Citado em Gouëdard et al., 2020, p. 14) principalmente o sumativo para as aulas à distância, uma vez que se

estaria a beneficiar os alunos com maior capacidade de aprendizagem, aumentado assim as desigualdades. Este tipo de avaliação levanta ainda algumas dúvidas e problemas relativos à verdade das respostas, não sendo possível compreender se o aluno foi ajudado pelos pais ou por um explicador. Por isso, este método exigia que se criassem soluções “taking examinations from home requires developing secure

solutions, including authentication process to identify the exam taker, data encryption to avoid examination manipulation, and resources restriction to prevent the exam taker from using unauthorised material” (Gouëdard et al., 2020, p. 15).

Num das primeiras orientações que os professores receberam sobre como deveriam ser as aprendizagens e a importância da avaliação pedagógica neste EaD, foi referido por João Costa (2020)

(…) no que é possível ensinar, nas formas de aprender, é evidente que trabalhar com critérios e instrumentos que foram definidos para um modelo diferente seria como pedir a um trapezista que fizesse uma acrobacia só porque estava previsto, sabendo-se que um dos baloiços tinha caído. Por isso, é necessário rever critérios em função dos diferentes contextos de

aprendizagem (Costa, 2020, p. 2).

Esta metáfora do trapezista acaba por mostrar o que não se deve fazer no EaD, uma vez que este não pode nem deve ser um espelho do ensino presencial, principalmente utilizando a forma de avaliação sumativa. Por isso, torna-se importante, numa fase inicial, perceber que “[e]nsinar à distância é diferente e, por isso, avaliar é diferente. Instrumentos que são utilizados presencialmente não têm eficácia e fiabilidade remotamente e vice-versa.” (Costa, 2020, p. 2), dado que a forma como avaliamos pode beneficiar os melhores alunos, aumentado assim a exclusão e a discriminação de certos grupos.

Com isto, as entidades governamentais têm a noção que a grande maioria dos professores não estava preparada para as dificuldades e as vicissitudes que o EaD

online representa. Deste modo, foi lançado um conjunto de orientações com vista a

ajudar os professores a terem todo o conhecimento e as ferramentas necessárias a utilizar para uma avaliação pedagógica centrada na modelo formativo.

Com isso foi assim lançado os “Princípios Orientadores para uma Avaliação Pedagógica em Ensino a distância (E@D)”. Este roteiro acaba por ser bastante específico a

enumerar como deve ser a avaliação de uma forma bastante clara, seguindo as orientações descritas acima. Numa fase inicial, o documento incita os professores a avaliar com o objetivo de melhorar as aprendizagens e para consolidá-la, “provocando,

por isso, adaptações na forma como se avalia” (DGE, 2020b, p. 1) tentando ouvir os intervenientes de uma turma, ou seja, os professores e os alunos para que se consiga melhorar a avaliação. Além deste envolvimento de ambas as partes, é importante “acompanhar, ajustar e fazer pontos de situação” (DGE, 2020b, p. 1), indo ao encontro das normativas do governo na utilização da avaliação formativa, que avalia os alunos de uma forma continuada, dando um feedback constante sobre os conteúdos a melhorar. Isto acaba por ser benéfico para todos os alunos, sendo possível verificar quais os alunos com dificuldades na compreensão de certos conteúdos e se é devido a condições logísticas ou financeiras que não conseguem ter o mesmo ritmo de

aprendizagem que os colegas. Para tal, as orientações fornecidas referem que, nestes casos de dificuldade de acesso a meios digitais, “pode haver lugar à diferenciação de tarefas” (DGE, 2020b, p. 2).

Para que esta avaliação seja continuada é aconselhada a utilização de “suportes de apoio à avaliação e à aprendizagem” (DGE, 2020b, p. 2) para diferentes formas de avaliação. O roteiro especifica a utilização de videoconferência e vídeo para

“possibilitar a comunicação direta com os alunos e entre alunos, possibilita o feedback oral imediato entre pares e do professor, bem como a recolha de dados sobre o seu desempenho” (DGE, 2020b, p. 2), ou seja, podemos, tal como na aula presencial, estar a acompanhar ao segundo se o aluno está a perceber ou não, a partir de estímulos positivos ou negativos. Também refere outros suportes como chats e jogos interativos, que permite avaliar nos fóruns a capacidade de escrita e de construção de textos para debater certos temas e os jogos interativos como o “Kahoot”, através de aplicações didáticas.

Contudo, além da presença virtual numa videoconferência para que o acompanhamento por parte dos professores seja facilitado e continuado, as

orientações também referem a importância do trabalho assíncrono, salientando que “devem combinar-se diferentes processos de recolha de dados, em contextos

diferenciados.” (DGE, 2020b, p. 3), tal como a realização de portefólios, projetos e rubricas, com o objetivo de tornar os alunos autónomos e didatas na busca de informações para os seus trabalhos.

Com isto, foi pedido aos professores que diversifiquem os métodos de avaliação e a forma de avaliar para que os principais beneficiados, nesta nova forma de ensino,

fossem os alunos. É possível avaliar continuadamente, pois “permite uma melhor aferição sobre os desempenhos dos alunos, a sua evolução, e uma melhor adequação à diversidade de alunos, dando oportunidade para que possam demonstrar a sua aprendizagem em situações que lhes são mais ´adaptadas`” (DGE, 2020b, p. 5). A tarefa de definir a melhor estratégia relativamente ao método de avaliação, não é fácil, mas é possível contornar e utilizar a que se enquadra melhor no tipo de EaD e na própria turma. A avaliação formativa pode e deve ter um papel preponderante no EaD, sendo o método que mais se enquadra e que mais vantagens apresenta na

aprendizagem dos alunos.

Apesar de ser possível aos professores, a partir do método de avaliação escolhido, potenciar as aprendizagens do aluno, outros problemas como a estrutura familiar e classe social e económica podem ter efeitos negativos na aprendizagem no contexto de EaD, a qual é inteiramente alheia aos professores, não a conseguindo controlar nem modificar.

Portanto, com a passagem para o EaD, os materiais, os equipamentos e o espaço onde se assiste às aulas tornam-se bastante importantes. Os alunos necessitam de ter um computador com ligação à internet e um local de estudo/trabalho onde seja

minimamente possível manter a concentração. O que acontece é que os alunos que vivem em famílias com rendimentos baixos, têm de partilhar o computador com outro familiar devido a só possuírem um equipamento. Além disso, podem ter de partilhar o mesmo local de trabalho/estudo por ser o único com condições para tal.

Este é um paradigma e uma realidade bastante presentes no nosso país. Esteves et al. (2021a) realizaram um diagnóstico acerca das condições das habitações, habilitações literárias e alimentares das famílias dos alunos, com o objetivo de perceber o retrato das suas condições. Este estudo refere que, no ano de 2019, entre as crianças até aos 12 anos de idade, cerca de 25,8% vivia numa habitação que deixava passar água, tornando as paredes e o chão húmidos, 13% vive numa casa sem o devido

aquecimento e 9,2% não tinha luz suficiente. Um aluno que não consegue ter a casa aquecida e que, pelo contrário, se encontra húmida, irá ter um nível de desconforto maior que um aluno com todas as comodidades possíveis, criando assim

desigualdades, à partida, entre os que vivem em diferentes patamares

problemas são as numerosas (com 3 ou mais filhos) e as monoparentais, salientando que dentro das famílias numerosas, a taxa de pobreza infantil é de 30,2% e nas

monoparentais é de 33,9%. A escola física acaba por ser um escape da realidade onde vivem, estando todos em iguais condições dentro do mesmo espaço, a sala de aula. Outro fator relacionado com a capacidade económica destas famílias centra-se na alimentação, um aspeto muito importante para os jovens. Segundo Esteves et al. (2021a), em 2018, cerca de 9% das crianças com menos de 12 anos encontrava-se inserida numa família sem capacidade de comprar alimentos para realizar uma refeição completa. O estudo refere que em 6,4% e 7% das famílias monoparentais e numerosas, respetivamente, as crianças sentiam fome, mas não havia dinheiro para as saciar. Este também era um problema que as escolas tentam mitigar, pois muitos destes alunos faziam as suas únicas refeições na cantina, estando, com o

confinamento, privados das mesmas.

Este retrato, por fim, compara as condições socioeconómicas com as aprendizagens e o desempenho escolar dos alunos. Como referem Esteves et al. (2021a), as

habilitações literárias da família, principalmente as da mãe, são muito importantes para que os alunos tenham melhores resultados em EaD. Os autores, para esta análise, cruzaram o acesso ao serviço ação social escolar (SASE) com os resultados das provas de aferição e exames nacionais do 4º, 6º e 9º anos entre 2008 e 2018 e as conclusões vão ao encontro do que foi referido. Na verdade, a percentagem de alunos com nota negativa é maior entre os alunos com SASE, tanto na disciplina de português, como de matemática. O mesmo acontece com os alunos com mães sem ensino superior, mantendo-se a maior percentagem de nota negativa, tanto a português como a matemática, comparativamente aos alunos cuja mãe completou o ensino superior. Este diagnóstico mostra-nos que, no ensino presencial, as desigualdades já existiam, sendo possível mitigar apenas alguns aspetos, tais como a alimentação e as condições para assistir às aulas. Com a passagem para o EaD, as fragilidades e problemas

socioeconómicos de certas famílias ficaram ainda mais expostos.

Torna-se, por isso, possível afirmar que se não forem criadas as dinâmicas corretas ao nível da logística e da preparação para este tipo de ensino, existirão consequências negativas tanto na aprendizagem dos alunos, como na qualidade do ensino que os professores podem proporcionar. Existem variados estudos que evidenciam que o EaD

pode ter forte influência negativa nos alunos e no seu desempenho. A investigação de Bettinger et al. (2017), realizada em universidades dos EUA, analisou as consequências que as aulas online têm nos alunos e como estas os afetam, com uma amostra de 100 mil alunos, sendo que dois terços estavam em cursos online e um terço em aulas presenciais. De forma a retirar as melhores conclusões, os dois formatos foram lecionados a partir das mesmas metodologias, ou seja, com o mesmo programa ao nível dos conteúdos a lecionar e o mesmo livro. Além disso, o tempo de aulas era igual e o método de avaliação, como tarefas, questionários e testes, seguiam o mesmo modelo.

A principal conclusão que evidenciaram é que os alunos que se encontravam na aula presencial obtiveram um desempenho significativamente melhor do que os alunos em curso online. Isso acontece, pois, “[o]nline courses substantially change the nature of interactions between students, their peers, and their professor” (Bettinger et al., 2017, p. 2873). Segundo os autores, isto acontece porque, neste tipo de curso online,

realizado de forma assíncrona, os alunos podem responder quando quiserem. É possível também referir que a inexistência de interação entre professor e alunos, leva a que certos alunos possam ser mais benevolentes na exigência de estudo, não existindo a monitorização e a supervisão por parte do professor, como no ensino presencial. Portanto, se numa amostra realizada para alunos universitários que, por norma, têm uma maior capacidade de trabalho e organização, o estudo comprova “(t)hat online courses do less to promote student academic success and progression than do in-person courses. Taking a course online reduces student achievement in that course, as measured by grades” (Bettinger et al., 2017, p. 2857). O efeito negativo da utilização do EaD poderá ter sido ainda mais agravado nas crianças e jovens no primeiro confinamento, em especial os alunos que vivem em famílias pobres ou cujos pais não tenham a possibilidade de os ajudar na organização, na logística e na própria compreensão dos diversos conceitos ligados às disciplinas como, é o caso da

Geografia.

Tornando-se assim necessário que os pais intervenham e os ajudem, mas sem que estes façam o trabalho dos filhos. Na Croácia que, tal como Portugal, teve de preparar rapidamente o EaD, além das orientações direcionadas aos professores e alunos sobre como deveriam ser os procedimentos do EaD, foram também, fornecidos documentos

com orientações para as famílias, no sentido de as ajudar a saberem lidar com os educandos e como os ajudar “[e]n él se alude a la capacidad de acompañamiento en las tareas académicas, bien como agente de mediación que informa acerca de cuáles son en cada momento los deberes asignados, bien para el apoyo técnico que

necesiten”(Sianes Bautista & Sánchez Lissen, 2020, p. 189).

Estes documentos, segundo Sianes Bautista & Sánchez Lissen (2020), referem que deve existir um diálogo contínuo entre os professores, as famílias e os estudantes, principalmente os alunos mais novos, funcionado os pais como o principal elo de ligação. As famílias devem levar estas tarefas com rigor e seriedade para que os educandos percebam a importância da aprendizagem e para que, de forma séria, estabeleçam limites acerca do que podem ou não fazer nos trabalhos dos filhos. Com isto percebemos que o EaD pode ser influenciado por aspetos alheios aos professores e ao sistema de ensino. Devido às suas vicissitudes, este depende de fatores ligados, principalmente, aos meios onde os alunos vivem, sendo que as

consequências negativas tornam-se ainda mais drásticas para os alunos que, à partida, apresentavam menos possibilidades de aprender e por isso estavam em desvantagem em comparação com os alunos que vivem em famílias estáveis social e

financeiramente, pois “[c]hegados aos 15 anos, os 25% mais pobres têm resultados inferiores aos 25% mais ricos, o que equivale às aprendizagens acumuladas durante 2 anos” (Esteves et al., 2021b, p. s/p). Isto é, se o local onde vivemos influencia as aprendizagens no contexto de EaD, podemos referir que este tipo de ensino é segregativo, tendo impacto no processo de aprendizagem dos alunos.