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1. O ensino à distância

1.2. Adaptação e abordagens utilizadas no ensino à distância durante o confinamento

1.2.3. O ensino e a aprendizagem de Geografia no ensino à distância

A Geografia, como disciplina de estudo, teve sempre diferentes perceções na forma como devia ser estudada ou ensinada. Sendo esta tão abrangente, necessita de certos contextos no ensino e na aprendizagem, mas não sendo possível operacionalizar o contexto necessário, deve ser moldada e devem ser encontradas novas soluções para que o ensino da Geografia seja claro, principalmente, para os alunos mais jovens do ensino básico e secundário.

Com a passagem para o EaD, a Geografia teve de mudar e de se reinventar de forma a acompanhar as dinâmicas que se faziam sentir. Estas variações e mudanças já

aconteceram no passado, uma vez que as conjunturas se foram alterando e sempre se tentou moldar e adaptar às circunstâncias. A partir de Lacoste, percebe-se que a Geografia sofreu essas alterações, referindo que existem duas Geografias distintas

Uma, de origem antiga, a geografia dos Estados-maiores, é um conjunto de representações cartográficas e de conhecimento variados de representações cartográficas e de conhecimento variados referentes ao espaço; esse saber sincrético é claramente percebido como

eminentemente estratégico pelas minorias dirigentes que o utilizam como instrumento de poder.

A outras geografia, a dos professores, que apareceu há menos de um século, se tornou um discurso ideológico no qual uma das funções inconscientes, é a de mascarar a importância estratégica dos raciocínios centrados no espaço (Lacoste, 2001, p. 14)

Castellar (2017) refere que esta deve ser ensinada com base no pressuposto de criar condições para apurar a observação e estabelecer comparações entre os elementos da paisagem, com o objetivo de entender os lugares onde vivemos e, por consequência, ler o mundo. Por isso, cada vez mais a Geografia se deve focar na observação, apesar de não ter sido sempre assim e, como refere o autor, estas eram desvalorizadas, sobretudo, no seu ensino.

A aprendizagem da Geografia deve-se sustentar numa evolução permanente ao longo da vida, pois só com o tempo é que poderemos entender melhor as dinâmicas

existentes e calibrar o nosso olhar e a forma como observamos. Isso é referido por Castellar (2017), mencionando que deve ser desde os primeiros anos de vida que se ensina a ler o mundo com olhar geográfico, consistindo no reconhecimento e na constatação dos lugares e dos objetos que estamos a visualizar. Com isso, pretende-se conceder sentido ao que está representado, ou seja,

[f]azer a análise geográfica significa dar conta de estudar, analisar, compreender o mundo com o olhar espacial. Esta é a nossa especificidade – por intermédio do olhar espacial, procurar compreender o mundo da vida, entender as dinâmicas sociais, como se dão as relações entre os homens (Callai, 2005, p. 237).

Com a passagem para o EaD, esta vontade de fomentar a procura de conhecimento por parte dos alunos e ajustar o que estamos a visualizar torna-se mais difícil, pois se na sala de aula já era complicado com uma turma fechada dentro de quatro paredes, tendo o docente que trazer um conjunto de materiais sejam imagens, vídeos e

mundo e o espaço envolvente. No EaD, o esforço foi redobrado, devido a estar cada um em sua casa, originando mais de vinte salas de aula, e era o papel dos professores transpor o mundo para cada uma delas. O EaD acaba por ser uma antítese da

Geografia e do seu ensino, uma vez que precisamos de conhecer o mundo e ver o seu espaço envolvente para a compreender “(a) escola não é o único lugar para obter saberes, hoje se entende que há diferentes espaços denominados espaços não formais, como museus, praças, parques, ruas e, também, ambientes virtuais que geram conhecimento” (Castellar, 2017, p. 212).

Segundo Castellar (2017), é importante colocar um conjunto de dúvidas e questões para compreender como se deve conduzir o processo de ensino e aprendizagem. Este questiona sobre o que se deve fazer em sala de aula para o aluno ser autónomo, com vista a descobrir os conceitos ligados à Geografia e como, a partir deste ponto,

fomentar o seu interesse e espírito crítico na aprendizagem dos conceitos geográficos. Estas foram algumas das muitas questões levantadas na transição para o EaD e se seria possível, estando cada um na sua sala de aula, aprender sobre o mundo e o espaço envolvente.

Com a mudança, os professores não estavam preparados para exercerem à distância e, no caso da Geografia, ensinar os conceitos a partir de um ecrã. Assim, os professores desta disciplina não podiam ser apenas um transmissor de conhecimento ou de material de estudo, porque isso não iria ter o mesmo efeito na aprendizagem dos alunos. Com isso, as questões sobre como deveria ser o ensino foram alteradas e segundo Bagoly-Simó et al. (2020), os professores deveriam questionar-se acerca do seu novo papel em formato online, do impacto na aprendizagem dos alunos, do tipo de comunicação a utilizar e a utilização de ferramentas TIC. Apesar de, para os alunos, o EaD ser mais fácil e prático, uma vez que apenas assistem às aulas, para os

professores a passagem repentina para outro formato de ensino pode-se tornar difícil, sendo necessária prática efetiva. Os professores podem saber como as coisas se processam e como deve ser lecionada a aula, mas é sempre importante ter a parte prática para afinar e resolver problemas do nosso discurso e desempenho.

Torna-se por isso importante perceber como é que os professores de Geografia estavam preparados para isto e se a sua formação os acautelou para este tipo de ensino e para a progressiva utilização das TIC. Assim, é fundamental analisar a fase

inicial da sua formação, provavelmente, a fase mais importante, pois é a partir desta que os professores adquirem o conhecimento e as bases para o exponenciar.

Para tal é necessário perceber qual a preparação em TIC´S e quais as bases que as diferentes Universidades do Porto, de Coimbra e de Lisboa oferecem nos respetivos mestrados de ensino de Geografia no 3ºciclo do ensino básico e secundário. No caso do mestrado da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), a utilização das TIC, de forma mais aprofundada, no ensino de Geografia, está inserida no 2º ano com uma unidade curricular (UC) por semestre. Como o nome indica, são apresentados aos alunos diferentes ferramentas com vista à aquisição de conhecimento nas TIC e com o objetivo de as operacionalizar na disciplina de Geografia. Na UC do primeiro semestre, os objetivos passam por produzir conteúdos ao nível de imagens, vídeos e jogos didáticos, de forma a conhecer e aprender a utilizar as ferramentas de base

tecnológica no ensino e, mais concretamente, na educação geográfica. No segundo semestre, a UC tem como objetivo aprofundar o conhecimento teórico e prático das ferramentas ligadas à Geografia. Nesta são privilegiadas a utilização a aprendizagem no Google Earth, Strava e Storymap, sendo um dos principais propósitos desenvolver métodos e ferramentas que sejam possíveis de operacionalizar em EaD.

Na Universidade de Coimbra o paradigma é um pouco diferente, sendo que o plano de estudos refere, no 2º ano, uma UC denominada Seminário de Geografia I e II,

direcionada à aprendizagem e descoberta de ferramentas úteis para disciplina. Esta (UC) tem como objetivos que os alunos aprofundem os conceitos geográficos e que aprendam a utilizar os recursos e ferramentas ligadas à Geografia, tal como as TIC, Tecnologias de informação geográfica (TIG) e GPS.

Por último, a Universidade de Lisboa, no seu mestrado de ensino, utiliza outro método no seu plano de estudos. No 2º ano, os alunos têm de escolher três UC´s opcionais ao nível da formação educacional geral, área de docência e didática específica. A primeira é mais focada na componente teórica, na segunda é possível escolher deteção remota e sistema de informação geográfica (SIG) ligado ao ordenamento do território e, na última formação, é possível optar por novas tecnologias no ensino das ciências sociais, ou seja, não é unicamente direcionada às TIC na Geografia.

Após esta análise, é possível referir que as TIC direcionadas à disciplina de Geografia e no EaD são ainda muito reduzidos. Vimos que a o mestrado de ensino de Geografia da

FLUP foi o único que incluía o desenvolvimento de métodos e ferramentas para o EaD nos objetivos de uma das UC. Apesar de as Universidades de Coimbra e de Lisboa terem UC´s que podem ser bastante intuitivas e importantes para a formação dos professores, estas são direcionadas para a aula presencial, em detrimento do EaD. Assim, os jovens professores, mesmo que dominem as TIC, terão alguma dificuldade aquando da sua utilização no EaD. Além da sua teoria, é importante utilizar e perceber quais os materiais e ferramentas que resultam, pois, os professores que nunca tiveram formação neste formato, poderão ter inúmeras dificuldades na exposição e ensino dos conceitos geográficos.

Estas conclusões, aplicam-se, principalmente, aos professores mais jovens, uma vez que os professores com uma idade mais avançada, aquando da sua formação como professores, o tipo de EaD que se utiliza hoje e as TIC não existiam. Para estes é importante que exista formação contínua, dado que o ensino vai evoluindo e com o aparecimento de novas tecnologias, o sistema de ensino tem de estar preparado para as incluir como forma de o aproximar dos jovens alunos.

Para tal, é importante perceber que oferta de formações existem e se os programas estão enquadrados com as novas tendências do ensino. A título de exemplo utilizamos o Centro de Formação Professor Orlando Ribeiro (CFPOR), uma importante

organização ao nível da formação e de aprendizagem entre os professores de Geografia. O centro disponibiliza as formações para o ano letivo 2020/2021, onde é possível observar algumas dinâmicas interessantes ao nível do que os professores podem fazer.

Neste plano encontramos formações ligadas a diferentes temáticas, mais técnicas e teóricas como as cidades, gentrificação e turistificação e as alterações climáticas e outras mais direcionadas às TIC no ensino com as apps na didática de Geografia, as TIG e os jogos na educação geográfica. É interessante observar que, nas cerca de quinze formações previstas para este ano letivo, ou seja, posterior ao primeiro confinamento, não existe nenhum tipo de formação para o EaD. Apesar de a grande maioria das formações utilizar as TIC, as TIG e os jogos didáticos na Geografia, não existe nenhuma referência à sua utilização no EaD, pois a aplicação a fazer é completamente diferente do ensino presencial.

Apesar de não existirem formações ligadas diretamente ao EaD, um ponto positivo e de real interesse é a disponibilização de material didático. Esta atividade começou no ano letivo de 2019/2020 e continuou para o de 2020/2021, onde o centro

disponibilizou material didático todos os dias durante cerca de 50 dias, quer sejam sites, infografias, vídeos e filmes. Estes estavam apenas disponíveis a sócios, mas a 16 de março de 2020 foi aberto a toda a comunidade de professores de Geografia com um louvável espírito de entreajuda. Esta foi uma contribuição muito importante, pois em anos letivos em que os professores se viram obrigados, porventura, a alterar a sua metodologia e a utilizar outras ferramentas, o centro de formação ajudou,

disponibilizando um conjunto de materiais relacionados com os temas do ensino básico e secundário, sempre com a utilização das TIC e das TIG, mais concretamente. A incorporação dos materiais tecnológicos é importante, uma vez que os professores podem moldá-las com o intuito de as tornar interessantes e possíveis de utilizar no EaD.

Para percebermos o interesse no EaD pelos professores de Geografia, é relevante também observar os encontros nacionais de professores de Geografia e quais as principais temáticas apresentadas. É aqui que se percebe quais os temas mais

abordados e com maior interesse. No XXXII Encontro Nacional realizado em 2018 em Setúbal, existe alguma preocupação pela exposição da didática da Geografia, mas direcionada para a sala de aula e em linha com as formações vistas anteriormente, como o caso das apps na Geografia e a turistificação e gentrificação nas cidades. As restantes conferências foram mais ligadas à Geografia no seu sentido lato, com sessões acerca do turismo e sustentabilidade e sobre dinâmicas verificadas na cidade onde ocorreu o encontro.

No ano seguinte, no XXXIII Encontro Nacional realizado em Aveiro teve como tema principal a coesão territorial, cidades médias e mobilidade. Nesta conferência continuou a existir um espaço para a didática na Geografia, mas apesar de novos temas, a grande maioria são iguais aos do ano de 2018.

Por fim, em 2020 realizou-se em Cascais o XXXIV e o mais recente Encontro Nacional de Professores de Geografia, num momento pós primeiro confinamento. Apesar dos problemas que a pandemia trouxe para o ensino na utilização do EaD, com grandes dúvidas para os professores acerca da sua utilização, este Encontro debruçou-se,

essencialmente, nas alterações climáticas, cidades educadoras, riscos costeiros e cidadania territorial. Desta vez, o espaço destinado à didática da Geografia foi alargado, passando a ter dois blocos de conferências. O primeiro bloco, intitulado Oficinas Didáticas 1, voltou a incidir nas temáticas referidas nos anos anteriores. No segundo bloco, denominado Oficinas Didáticas 2, assiste-se à introdução de novos temas, mas, acima de tudo, associados à cidadania e a momentos destinados à sala de aula.

Portanto, também a partir dos encontros dos professores é possível perceber que, apesar de existirem espaços para se falar da utilização concreta de ferramentas e materiais para o ensino de Geografia, além de serem repetitivos nos três anos analisados, são direcionados para a sala de aula. Até mesmo em 2020, um ano muito particular em que o EaD foi um elemento nevrálgico para que o ensino e aprendizagem pudessem continuar, não existe nenhuma referência, nem nenhum tipo de conferência ligada a este tema.

As TIC, nos dias de hoje, são parte fundamental da Geografia e no ensino dos

conceitos, mas apesar de existir um domínio dessas ferramentas no ensino presencial, não significa que aconteça o mesmo em EaD. Este é um formato de ensino muito específico, sendo necessária a formação prática para perceber o que pode ou não resultar e como se devem lecionar os conceitos relacionados com a Geografia. A partir da análise das formações oferecidas e temas presentes nos encontros, é possível concluir que os professores de Geografia não tinham e continuam a não ter formação disponível para o EaD na Geografia.

2. Apresentação e análise de resultados