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Impacto económico dos acidentes de trabalho associados a fatores de risco

2.4 Acidentes de trabalho associados a fatores de risco biológico em meio hospitalar

2.4.2 Impacto dos acidentes de trabalho associados a fatores de risco biológico

2.4.2.2 Impacto económico dos acidentes de trabalho associados a fatores de risco

Embora alguns dos dados disponíveis relativamente ao impacto económico dos AT com risco biológico estejam desatualizados, nomeadamente no que se refere à magnitude dos custos associados, a sua referência neste trabalho teve pertinência para a contextualização histórica do tema e como suporte à metodologia utilizada.

Os AT representam um problema sério para a saúde pública, condicionando sobretudo os próprios funcionários, interferindo muitas vezes na sua qualidade de vida e originando custos, por vezes avultados, para o sinistrado, para as instituições de saúde e para a economia do País (Vieira, 2009). Os AT representam, para as instituições de saúde, um impacto múltiplo no seu funcionamento e na sociedade em geral, com custos cujos contornos são difíceis de apurar dada a dificuldade em determinar, com rigor, quais os elementos que integram a análise de custos e o contributo específico de cada um (Arrabaço, 2008). O impacto económico dos AT com risco biológico não tem sido devidamente estudado (Llorente, 2004). É do conhecimento geral que o impacto económico dos AT por lesão percutânea, especialmente nos casos que resultam na transmissão de infeções para os profissionais é substancial (Saia et al., 2010). Os custos dos AT por lesões percutâneas são pouco estudados, no entanto, a preocupação com o impacto económico destes AT tem vindo a ser analisado há alguns anos (Leigh et al., 2007).

Um AT por lesão percutânea ou por lesão mucocutânea acarreta custos que se diferenciam em custos diretos, indiretos e intangíveis (Arrabaço, 2008). É difícil efetuar uma avaliação exata dos encargos económicos deste tipo de AT devido à ampla subnotificação destas ocorrências (Saia et al., 2010). Para além disso, os montantes previstos não contabilizam os custos dos tratamentos efetuados a longo prazo resultantes de uma possível infeção com um agente biológico patogénico transmitido pelo sangue ou outros fluídos corporais, tais como o absentismo, a remuneração do profissional ou as suas repercussões emocionais (Saia et al., 2010).

Para uma avaliação criteriosa dos custos totais dos AT associados a fatores de risco biológico devem incluir-se os seguintes custos diretos:

a) o atendimento clínico do profissional;

b) os controlos analíticos (doente, se aplicável e profissional); c) as análises laboratoriais;

d) a vacinação dos profissionais;

e) a profilaxia após exposição ocupacional;

f) os fármacos utilizados na prevenção dos efeitos secundários da medicação antiretroviral; g) as consultas de seguimento (Trim et al., 2003);

h) entre outros.

E os seguintes custos indiretos:

a) o tempo de trabalho perdido no dia do AT (Griswold et al., 2013); b) o tempo associado ao atendimento clínico do funcionário;

c) a possível substituição de recursos humanos; d) a perda de produtividade (Trim et al., 2003);

e) o tempo de trabalho perdido pelo serviço de saúde ocupacional na análise e investigação das causasdo AT;

f) custos sociais (Griswold et al., 2013); g) entre outros.

Segundo a American Federation of State, Country and Municipal Employees (2002) a avaliação do impacto económico associado aos AT com risco biológico deve, igualmente, ter em consideração os seguintes custos indiretos: a compensação dos trabalhadores, as horas extras e as despesas relacionadas com o recrutamento e formação de profissionais para substituir um trabalhador que possa adquirir uma incapacidade absoluta para o trabalho.

Em regra os custos indiretos dos AT são bastante superiores aos custos diretos (Miguel, 2010). Segundo o estudo desenvolvido pelo autor McCormick (McCormick et al., 1981) o custo total dos AT por lesões provocadas por picada com agulhas de punção analisadas durante um período de 27 meses foi de aproximadamente 6.331 dólares. Um outro estudo efetuado nos EUA, que envolveu a participação de quatro instituições hospitalares, refere que os custos associados às exposições ocupacionais a agentes biológicos por AT variaram entre os 71$ e os 4.838$. O custo médio total dos AT diverge bastante, dependendo de alguns fatores, nomeadamente do estado de infeção do doente fonte de contaminação. O custo médio das exposições ocupacionais com doente fonte que não seja portador do VHB, do VHC ou do VIH ou cujo estado de infeção seja desconhecido foi de 376$ (com intervalo 71$ a 860$). O custo médio das exposições ocupacionais notificadas com doentes infetados pelo VHC foi de 650$ (com intervalo de 186$ a 856$). Por último, o custo médio total por AT com exposição ocupacional a um doente fonte infetado pelo VIH foi de 2.456$ (com intervalo entre os 907$ e os 4.838$) (O’ Malley et al., 2007). Segundo a Associação Americana de Hospitais, em 1998, ocorreu um caso de infeção grave transmitida através do contacto com sangue que acarretou um custo para a entidade empregadora de cerca de 1 milhão de dólares, contabilizando exames, tempo perdido, pagamentos por invalidez, medicação, entre outros (Pugliese et al., 1999). De acordo com o

Conselho Internacional de Enfermeiros (2007) o custo associado ao acompanhamento do profissional após uma exposição ocupacional de risco elevado é de cerca de 300 dólares por AT por lesão percutânea, mesmo quando não ocorra transmissão de infeção para o profissional. Nos EUA, o custo associado aos AT por lesão percutânea é significativo, variando entre os 51$ e os 3.766$, dos quais se exclui o custo relacionado com o tratamento de infeções que se podem manifestar a longo prazo e que podem corresponder a várias centenas de milhares de dólares para garantir o adequado acompanhamento do profissional (Lee et al., 2005b). Num outro artigo publicado em 2007, no Chile, foi efetuada uma análise económica destes AT, usando os valores associados ao Serviço de Urgência, testes laboratoriais, medicação antiretroviral e consultas de seguimento. Este estudo analisou os custos totais referentes a um período de tempo de 12 meses, evidenciando um custo anual de aproximadamente 23.022$ (Fica et al., 2010).

No Canadá os AT envolvendo materiais cortantes e/ou perfurantes afetam 70 mil profissionais por ano e apresentam um custo de aproximadamente 140 milhões de dólares anuais (Visser, 2006). No Reino Unido foi efetuada uma recolha de informações em 75 instalações de saúde tendo sido estimado um custo médio, de um AT por picada com agulha contaminada, superior a 1.780£, o que corresponde sensivelmente a 1.569,93€ por AT (Becton Dickinson, 2015a). Uma investigação realizada na Suécia, em 2007, calculou que os custos dos AT por lesão percutânea atingem os 1,8 milhões de euros, sensivelmente 272€ por AT reportado, dos quais 1 milhão de euros estão relacionados com lesões percutâneas provocadas por agulhas ocas (Glenngard et al., 2009). Segundo Saia (Saia et al., 2010) o encargo económico com os AT com risco biológico varia de país para país, a título de exemplo, em Itália os custos anuais estimados rondam os 7 milhões de euros, na Alemanha os custos são de aproximadamente 4,6 milhões de euros por ano e em Espanha os custos totais variam entre os 6 milhões de euros e os 7 milhões de euros por ano. No Reino Unido o impacto dos custos foi de cerca de 300 milhões de libras por ano. Nos EUA variam entre os 118.000.000$ e os 591.000$ (Tabela 10).

Tabela 10 - Custos estimados dos AT por lesão percutânea

País Total anual de custos por AT por lesão percutânea (milhões)

Custos anuais AT por lesão percutânea com agulhas intravenosas (milhões)

EUA 118$-591$ 38$-189$ Reino Unido 300£ 114£ Alemanha 4,6€ 1,1€ França 6,1$a 2,1$a Itália 7,0 € 4,7€ Espanha 6€-7€ 4€-5€

Legenda: a Apenas enfermeiros

Fonte: Saia et al., 2010

As estimativas do impacto económico destes AT são conservadoras, porque os custos a longo prazo em caso de transmissão de infeção, os possíveis custos de litígios ou os custos indiretos com o absentismo e perda de produtividade não foram incluídos nestas estimativas (Saia et al., 2010).

Um estudo efetuado pelos autores Wicker (Wicker et al., 2007) refere que na Alemanha os custos resultantes dos AT por lesões percutâneas correspondem a cerca de 50 milhões de euros por ano. Um estudo desenvolvido na Holanda estima que o custo de um AT com exposição ocupacional a sangue ou outro fluído corporal pode variar entre os 65€ e os 620€, assumindo que o doente fonte de contaminação não apresenta risco de transmissão de agentes biológicos patogénicos. Nesta estimativa não foram incluídos os custos relacionados com o tempo perdido nas consultas de seguimento e por incapacidade para o trabalho (Wijk et al., 2009).

Em 2006 foi desenvolvido um estudo na Austrália que estimou uma despesa de 520$ por AT por lesão percutânea. Esta análise baseou-se em 100 AT, por picadas com agulhas contaminadas, considerados de risco baixo, ou seja, em que o doente fonte de contaminação é conhecido e apresenta marcadores negativos para o VIH, VHB e VHC (Medical Technology Association of Austrália, 2013).

A comparação dos custos com os AT associados a fatores de risco biológico nos diversos países é complexa dado que as circunstâncias, os critérios estabelecidos e os custos com os recursos humanos, materiais, entre outros podem ser distintos (Wijk et al., 2009).

Um relatório publicado pelo Scotland’s Health (NHS, 2000) menciona que, de uma forma geral, os custos com os AT associados a fatores de risco biológico diminuem com a gravidade das lesões. Isto significa que a baixa frequência associada à ocorrência de AT por lesões percutâneas ou por lesões mucocutâneas que possam implicar a transmissão de agentes biológicos patogénicos acarreta, globalmente, custos inferiores, pese embora de forma individual estes AT possam representar um custo superior comparativamente com os AT em que não existe risco de transmissão de agentes biológicos. Este organismo considerou que o dano e o custo provocado pelos AT por lesão percutânea pode ser agrupado em cinco níveis, classificados de A a E. Estes níveis foram representados através de uma figura geométrica, um triângulo, dividido em 5 partes (figura 3).

Figura 3 - Custos dos AT associados a agentes biológicos Fonte: Scotland’s Health, 2000

o Nível A: representam os AT por lesão percutânea que resultam na transmissão de uma doença infeciosa. Estas ocorrências são extremamente raras, no entanto, para esses casos, os custos financeiros e humanos são bastante elevados (aproximadamente 10.000£ a 620.000£);

o Nível B: representam os AT por lesão percutânea em que o doente fonte de contaminação é portador do VIH ou do VHC ou doentes considerados de risco elevado, mas não ocorreu transmissão de infeção para os profissionais. Estas lesões acarretam uma perda de tempo considerável por parte dos funcionários e causam sofrimento inestimável (estimativas variam de 3.000£ a 5.000£ por AT);

o Nível C: representam as exposições ocupacionais em que o doente fonte não pode ser rastreado. Estas situações geralmente podem ser consideradas de risco baixo, pese embora, possam provocar desconforto e sofrimento consideráveis para o profissional e acarretar consequências para as instituições de saúde (custos são estimados entre 1.000£ a 2.000£ por AT);

o Nível D: representam os AT por lesão percutânea notificados mas considerados de baixo risco. O doente fonte está identificado e não é portador do VIH, do VHB ou do VHC, no entanto, estas situações englobam o atendimento clínico e o aconselhamento aos profissionais (os custos variam entre os 50£ e os 100£ por AT);

o Nível E: representam os AT por lesão percutânea que raramente são participados ou que não são notificados pelos profissionais. Estas lesões acarretam implicações financeiras e estão, normalmente associadas à distração dos profissionais de saúde. Estas lesões englobam o tempo perdido no atendimento e no tratamento da lesão (custo é de aproximadamente 10£ por AT).

Os pagamentos compensatórios não foram incluídos neste modelo.

As exposições ocupacionais a sangue ou outros fluídos corporais acarretam um custo elevado para as instituições de saúde. A prevenção constitui a medida mais eficaz para minimizar os custos destas exposições (O’ Malley et al., 2007). A implementação de dispositivos cortantes e/ou perfurantes com sistemas de segurança combinados com a formação dos profissionais de saúde poderão diminuir consideravelmente os encargos económicos com os AT provocados por lesões percutâneas. Segundo o estudo desenvolvido por Saia (Saia et al., 2010) estima-se que 29% dos AT por lesão percutânea que ocorrem em hospitais nos EUA podem ser prevenidos através da introdução de dispositivos cortantes e/ou perfurantes mais seguros, com uma potencial redução de custos de 34 milhões de dólares a 173 milhões de dólares por ano. Os serviços de saúde ocupacional das instituições de saúde devem analisar os custos dos AT associados a fatores de risco biológico para evidenciar a sua relevância económica e demonstrar a necessidade de investimento em medidas preventivas.

2.4.3 Intervenções nos acidentes de trabalho associados a fatores de risco biológico