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Subnotificação dos acidentes de trabalho associados a fatores de risco biológico

2.4 Acidentes de trabalho associados a fatores de risco biológico em meio hospitalar

2.4.4 Subnotificação dos acidentes de trabalho associados a fatores de risco biológico

A notificação dos AT é fundamental para o planeamento de estratégias preventivas, sendo um recurso que assegura ao profissional o direito à sua reparação (Marziale et al., 2003). A existência provável de subnotificação dos AT com exposição a agentes biológicos entre profissionais da saúde tem sido apontada na literatura. Um estudo desenvolvido por Perry (Perry et al., 2003) menciona que o problema da subnotificação dos AT com risco biológico foi abordado pela primeira vez em 1983. A partir dessa data têm sido desenvolvidos diversos estudos ao longo das últimas décadas que citam taxas de subnotificação bastante elevadas. A Tabela 14 apresenta um breve resumo sobre os primeiros estudos desenvolvidos sobre esta temática.

Tabela 14 - Estudos sobre a subnotificação dos AT (1983-2000)

Autor/Ano País População (número de respostas) Subnotificação (%)

Hamory, 1983 EUA 1 hospital universitário (726) 75,0

Jagger et al., 1988 EUA 1 hospital universitário (326) 39,0

McGeer et al., 1990 Canadá 1 hospital universitário (460) > 95,0

Mangione et al., 1991 EUA 3 hospitais de ensino (189) 70,0

Tandberg et al., 1991 EUA 1 hospital universitário (902) 65,0

O’Neill et al., 1992 EUA 1 hospital universitário (550) 91,0

Lynch et al., 1993 EUA 3 hospitais 96,0

Royet al., 1995 Canadá 5 hospitais 47,0

Henry et al., 1995 EUA 65 hospitais 18,5

EPINet, 1997 EUA 6 hospitais (2544) 38,6

Osborn et al., 1999 EUA 1 hospital universitário (248) 55,0 - 35,0

Haiduven et al., 1999 EUA 1 hospital universitário (549) 46,0

CDC study, 2000 EUA 12 hospitais (23.738) 56,6

Adaptado: Perry et al., 2003

Muitos são os autores que mencionam a questão dos AT não participados, que dificilmente serão contabilizados e que podem enviesar os dados oficiais (Martins, 2002; Doebbeling et. al, 2003; Murafore et al., 2005; Elder et al., 2006; Bilski et al., 2006; Leone et al., 2007; Faria, 2008; Brusaferro et al., 2009; Fica et al., 2010). Desta forma, as taxas estimadas para os AT por lesão

percutânea e por lesão mucocutânea têm variado significativamente devido às incertezas associadas à subnotificação desses AT (Elder et al., 2006).

Os profissionais que não participam os AT associados a fatores de risco biológico estão expostos a infeções por transmissão ocupacional de agentes biológicos, caso o acompanhamento e tratamento clínico do profissional após exposição ocupacional não seja instituído atempadamente (Facchin, 2009). Uma exposição ocupacional a agentes biológicos não participada pode mesmo aumentar a probabilidade de consequente infeção por transmissão de agentes biológicos patogénicos (Zaidi et al., 2013). A verdadeira magnitude deste risco não é conhecida devido à generalizada subnotificação das exposições ocupacionais ocorridas em instituições de saúde, podendo essas subnotificações variar entre os 29% e os 98% (American Nurse Today, 2012). Segundo o autor Elder (Elder et al., 2006) o grau de subnotificação destes AT pode ser 10 vezes superior às notificações dos AT. Outros estudos apontam no mesmo sentido mencionando que as taxas de subnotificação dos AT são superiores ao número de participações (Rodriguez et al., 1999).

A American Federation of State, Country and Municipal Employees (2002) estimou que possam ocorrer, anualmente, entre 600.000 a 800.000 AT por lesões percutâneas com profissionais de saúde, sendo que cerca de metade desses AT não são relatados pelos profissionais às instituições de saúde.

De acordo com Benatti (Benatti, 2001) um dos motivos apresentados para a ausência de notificação dos AT poderá estar relacionado com as dificuldades burocráticas geralmente associadas ao processo da participação do AT às instituições de saúde ou à companhia de seguros (Au et al., 2008). Outras justificações são igualmente plausíveis, nomeadamente o facto do procedimento a adotar para a participação dos AT ser demasiado moroso ou dos profissionais de saúde relativizarem as consequências desses AT (Faria, 2008; American Nurse Today, 2012) ou, ainda pelo facto de alguns profissionais terem mencionado que de nada serve a participação dos AT (Faria, 2008). Napoleão (Napoleão et al., 2000) refere que o desconhecimento generalizado dos profissionais sobre a necessidade da notificação dos AT, a falta de informação sobre os riscos ocupacionais e sobre os aspetos jurídicos envolvidos neste tipo de exposição ocupacional, podem ser consideradas causas associadas à subnotificação dos AT. Um outro estudo aponta alguns motivos centrados na ausência de consciencialização, por parte dos profissionais e gestores das unidades hospitalares, sobre o risco de exposição a agentes biológicos, o receio associado à possibilidade de perda de emprego pelo trabalhador, a culpabilidade que sente em relação à ocorrência, a falta de organização do serviço que presta o atendimento e o acompanhamento do profissional, as dificuldades relacionadas com o sistema de informação e ainda a descrença da importância de um AT desta natureza (Marziale et al., 2007). De uma forma geral, a subnotificação de AT envolvendo a exposição a sangue ou fluídos corporais está associada a uma crença de que a maioria das exposições ocupacionais não são significativas (Kessler et al., 2011). A American Nurse Today identifica ainda um outro motivo para a subnotificação destes AT relacionado com as questões de confidencialidade da informação. Outros motivos podem estar associados ao facto do doente fonte de contaminação não ser portador de uma doença infetocontagiosa, ao prazo limitado para participação do AT à instituição de saúde ou à ausência de um protocolo de comunicação. Para além disso, a subnotificação pode estar relacionada com a falta de vontade para revelar a incidência ou com a

falta de motivação dos profissionais devido à crença de que os profissionais de saúde conseguem lidar com essa questão (Mbaisi et al., 2013).

Por outro lado, muitos dos fatores inerentes às circunstâncias em que ocorrem os AT contribuem para a ausência de participação dessas ocorrências. A título de exemplo, referem-se os casos de colegas mais jovens que se encontram a trabalhar sozinhos em salas cirúrgicas e onde existe uma pressão para concluir a intervenção cirúrgica, não sendo, por vezes funcional e prático encontrar um profissional para garantir a sua substituição (Ekwobi, 2007). No estudo realizado por Efstathiou (Efstathiou et al., 2013) os profissionais de enfermagem afirmaram que a elevada carga de trabalho é uma das razões para não efetuarem a notificação destes AT. A falta de tempo dos profissionais de saúde tem sido, igualmente, apontada como um fator preponderante para não reportarem os AT com risco biológico (Au et al., 2008).

A subnotificação dos AT com risco biológico pelos diversos grupos profissionais é um fator que condiciona a estimativa da taxa de incidência global desses AT no contexto da saúde e a comparação e identificação da incidência entre os diferentes grupos profissionais como categorias de elevado risco (Falagas et al., 2007). Os médicos correspondem à categoria profissional que apresenta taxas de subnotificação mais elevadas. Segundo Kennedy (Kennedy et al., 2009) os médicos de especialidades cirúrgicas não reportam todas as exposições ocupacionais que sofrem. Os AT por lesão mucocutânea são, de forma mais ampla, mais subnotificados comparativamente com os AT por lesão percutânea (American Nurse Today, 2012). Um estudo desenvolvido por Rodriguez (Rodriguez et al., 1999) demonstra que os profissionais com mais antiguidade na instituição, superior a 19 anos, e os que exercem funções nos serviços de cirurgia correspondem ao perfil dos profissionais que menos notificam às instituições de saúde as exposições ocupacionais a agentes biológicos.

Estes comportamentos deixam os profissionais de saúde legalmente desprotegidos, uma vez que não permite o atendimento, o tratamento e o aconselhamento clínico adequado do profissional, colocando em risco a sua saúde e a vida dos seus familiares. Paralelamente, uma exposição ocupacional não documentada constitui um fator limitante quer do ponto de vista da prevenção, quer do ponto de vista jurídico (Napoleão et al., 2000). A ausência de notificação do AT impede o profissional de reivindicar o direito à reparação, em espécie ou em dinheiro, da lesão provocada pelo AT. Além disso, uma vez que não existem dados sobre as ocorrências, não será possível efetuar uma intervenção apropriada e eficaz para corrigir qualquer comportamento inadequado e evitar incidências semelhantes no futuro (Efstathiou et al., 2013). Poderá igualmente diminuir o incentivo das entidades empregadoras na aquisição de equipamentos com mecanismos de segurança e na implementação de práticas de trabalho mais seguras para os profissionais de saúde (Facchin, 2009).

As elevadas taxas de subnotificação dos AT com risco biológico constituem um enorme obstáculo, que necessita de ser superado, com o intuito de conhecer as características e circunstâncias dos AT e da população mais acometida (Facchin, 2013). A prevenção da subnotificação de AT com risco biológico poderá passar pela formação permanente dos profissionais da área da saúde e pela padronização de procedimentos de atuação após exposição ocupacional a agentes biológicos (Azadi et al., 2011).

3 OBJETIVOS