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4.1 LIMITE DA INTERFERÊNCIA QUE OS PODERES EXERCEM ENTRE SI

4.1.2 Impeachment

Segundo Souza, o impeachment é meio de controle do Poder Legislativo que é exercido diretamente sobre o Poder Executivo. Constitui exceção ao princípio da separação dos poderes e a sua interferência, no Poder Executivo, fundamenta-se no sistema de freios e contrapesos (2008, p. 48).

O artigo 86 da Constituição Federal prevê que o Presidente da República será julgado por crime de responsabilidade pelo Senado Federal, havendo antes o juízo de admissibilidade realizado por dois terços da Câmara dos Deputados (BRASIL, CFRB, 2020).

Alexandre de Moraes afirma que a previsão acima existe na Constituição Federal, pois a eficácia da Lei Maior depende de fatos que estão à mercê da vontade do legislador constituinte (MORAES, 2020, p. 534).

Por esse motivo, a Constituição Federal não pode ficar indefesa, desprovida de mecanismos que garantam sua aplicabilidade e a defendam, principalmente, dos governantes que buscam ultrapassar os limites das funções conferidas a eles pelas normas constitucionais. Dentro deste mecanismo de defesa, que corresponde ao já

citado sistema de “freios e contrapesos”, temos a previsão da punição dos assim chamados crimes de responsabilidade (MORAES, 2020, p. 534).

Camargo (2017, p. 79-80) explica que, apesar de o termo impeachment não estar expressamente previsto no texto constitucional, o mesmo é utilizado amplamente para caracterizar o processo que tem o condão de apurar e de julgar os crimes de responsabilidade do Chefe do Executivo, impedindo, assim, a constância, no poder, daquele que desvalorizou a confiança popular.

A Lei Maior prevê, no art. 85, rol meramente exemplificativo dos crimes de responsabilidade, pois o Presidente poderá ser responsabilizado por todos os atos atentatórios à Constituição Federal, passíveis de enquadramento idêntico ao referido rol, desde que haja previsão legal, pois, o brocardo nullum crimen sine typo também se aplica, por inteiro, ao campo dos ilícitos político-administrativos, havendo necessidade de que a tipificação de tais infrações emane de lei federal, eis que o Supremo Tribunal Federal tem entendido que a definição formal dos crimes de responsabilidade se insere, por seu conteúdo penal, na competência exclusiva da União. Nesses termos, o STF editou a Súmula Vinculante nº 46: A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são da competência legislativa privativa da União (MORAES, 2020, p. 534).

Como lembra Camargo, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, já tivemos dois Presidentes da República que passaram por um processo de impeachment: o ex- Presidente da República Fernando Collor e a ex-Presidente Dilma Rousseff (2017, p. 80).

Cabe aqui mencionar, conforme Souza, a grande discussão que houve no julgamento e no procedimento do impeachment do ex- presidente Fernando Collor, acerca da competência do Poder Judiciário na análise do mérito de um mandado de segurança impetrado pelo então Presidente Fernando Collor contra a decisão da Câmara dos Deputados que determinou que o processo seguiria as normas de um projeto de lei que estava em tramitação desde o mandato do Presidente José Sarney (2008, p. 50).

O voto do ministro do STF, Paulo Brossard, na época, afirmou que o conhecimento do mandado de segurança pelo Poder Judiciário feria o princípio da separação dos poderes, não devendo, então, interferir em matéria de competência privativa do Congresso Nacional:

Senhor Presidente, hoje, mais que ontem, estou convencido de que o STF não deve interferir em assuntos de competência privativa do Congresso Nacional, agora da Câmara, depois do Senado, da mesma forma que ao Congresso não cabe introduzir-se nas decisões do Supremo, nem mesmo na ordem dos seus trabalhos. Cada poder tem sua área própria de atuação, da qual decorre a regra segundo a qual ele, e só a ele, compete dispor. Tenho como sacrilégio a interferência do Poder

Judiciário na intimidade do outro poder, para dizer o que ele pode e como pode obrar (BRASIL, STF, 1992, grifo nosso).

No entanto, o voto do ministro foi um caso isolado, tendo o STF entendido que o Poder Judiciário poderia interferir nesse caso.

Por maioria de votos, o Tribunal rejeitou preliminar suscitada pelo Ministro Paulo Brossard, no sentido da falta de jurisdição da Corte, para o controle constitucional e legal do processo de ‘impeachment’, vencido o Ministro suscitante. Votou o Presidente. Quanto ao mais, por maioria de votos, o Tribunal, resolvendo questão de ordem, deferiu, em parte, a medida cautelar, para assegurar ao impetrante o prazo de 10 (dez) sessões, em substituição ao de 05 (cinco), já em curso, para apresentação da defesa perante a Câmara dos Deputados, aplicando, analogicamente, para esse único fim, o disposto no inciso I do § 1º do art. 217, do Regimento Interno da Câmara, vencido o Ministro Paulo Brossard, que a indeferia. Reservou-se o Tribunal para examinar, a tempo, em questão de ordem, a medida liminar, quanto às demais questões suscitadas na inicial, se não ocorrer antes o julgamento do mérito da impetração. Votou o Presidente. O Ministro Francisco Rezek declarou impedimento. E o Ministro Marco Aurélio afirmou suspeição. Plenário, 10.09.1992 (BRASIL, STF, 1992).

Esse episódio, na história do Brasil, segundo Souza, foi de grande relevância para todo o país, pois pôde-se perceber o quão importante é que exista um meio de controle do governo, nesse caso, o Legislativo controlando e interferindo no Poder Executivo (2008, p. 52).

Souza (2008, p. 53) argumenta, ainda, que “pode-se ver o sistema de freios e contrapesos em verdadeiro funcionamento, com extremas intromissões de um Poder nas funções e até no funcionamento de outro Poder”.

Referente ao mais recente impeachment, o da ex-Presidente da República Dilma Rousseff, Camargo acrescenta a interpretação dada pelo STF em relação à autorização da Câmara dos Deputados para o referido procedimento, segundo a qual se trata de apenas uma autorização para que o Senado possa julgar o processo (2017, p. 80).

Desse modo, a votação a favor da instauração do processo de impedimento na Câmara não tem o condão de afastar, imediatamente, o Presidente da Republica, o que só ocorrerá com julgamento a favor do prosseguimento do processo pelo Senado Federal. A decisão do Senado Federal, é incontestável, irrecorrível e irreversível, definitiva, já que a Constituição Federal elegeu esse órgão do Poder Legislativo como órgão supremo no julgamento político do Presidente da República (CAMARGO, 2017, p. 80, grifo nosso).

Camargo (2017, p. 81) adiciona, ainda, que o impeachment configura uma clara forma de freio aos circunstanciais abusos realizados pelo Presidente da República no exercício de sua função, tendo em vista que, caso ocorra a condenação por crime de

responsabilidade, o Presidente da República perderá seu cargo e será inabilitado, por oito anos, para o exercício de sua função pública.

Entretanto, Tavares faz algumas considerações acerca de quando o impeachment não deve ser usado em uma democracia como a existente no Brasil. Veja-se:

O impeachment não e nem pode ser uma alternativa à democracia eletiva, ou às políticas econômicas adotadas por determinado Governo. Descontentamento político com a postura de algum Presidente da República, desilusão com determinadas políticas econômicas (ou com políticas públicas) e, igualmente, o esmorecimento de laços de confiabilidade no projeto governamental, não ensejam impeachment. Dessas razões não se pode valer o Congresso Nacional sem incursionar firmemente, ele próprio, em desvio grave à democracia e à Constituição (TAVARES, 2020, p. 1108).

Fundamentar e instaurar um processo de impeachment, em uma democracia, baseado nessas questões seria uma afronta à Constituição, o que poderia facilmente desviar-se para o autoritarismo ou para uma espécie de golpe. O impeachment é uma exceção à regra e não deve ser usado corriqueiramente ou sequer deveria ser cogitado diariamente, isso porque o seu uso não promove a democracia, e nem é essa a sua função, mas sim defender questões da Constituição e do Presidencialismo (TAVARES, 2020, p. 1107).

A utilização de um mecanismo, como o impeachment, pelo Congresso Nacional (dentro do papel recebido por cada uma das Casas) significa, sempre, inabilitar milhões de votos e conexões construídas no tecido social pelos partidos políticos e pelo cidadão. Sua excepcionalidade, em termos democráticos, não pode ser ignorada; pelo contrário, deve ser permanentemente relembrada, de maneira a servir como advertência quanto ao seu uso inadequado, ainda que o desvio possa parecer mínimo (TAVARES, 2020, p. 1107, grifo nosso).

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