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IMPERATIVO CATEGÓRICO DO DIREITO

No documento Justiça em Kant (páginas 163-166)

2 JUSTIÇA E LEGALIDADE

2.7 IMPERATIVO CATEGÓRICO DO DIREITO

O imperativo categórico do direito diz o seguinte: “Age externamente de tal modo que o livre uso de teu arbítrio possa coexistir com a liberdade de todos de acordo com uma lei universal” (MC, 2008, p. 77). Desse imperativo podemos dizer que deriva o direito positivo, tendo como entendimento que somente a razão, e não a experiência, que pode definir o critério de justiça. Portanto, a ação somente é justa se a liberdade de um puder coexistir com a liberdade de outrem. Desta forma, direito, para Kant, consiste na “soma das condições sob as quais a escolha de alguém pode ser unida à escolha de outrem de acordo com uma lei universal de liberdade” (MC, 2008, p. 76). O direito conduz, assim, a coexistência entre os sujeitos, tendo a lei da liberdade como reguladora

dos arbítrios. Isso impede a ditadura do arbítrio de um sujeito na liberdade de outro, garantindo-se a paz que o direito persegue. Esse procedimento do imperativo categórico do direito é formal. Ele não diz o que é justo ou injusto, mas apenas aponta um procedimento para alcançar a justiça. O direito empírico tem essa função: garantir, por meio das leis positivas e da coação externa, a aplicação da justiça advinda do direito natural. Isto posto, nos parece que o objetivo da doutrina de Kant seria derivar as leis dos princípios (MC, 2008, p.76).) O direito positivo encontraria, destarte, seu critério de justiça e seu fundamento no direito natural. O princípio do direito, sendo uma fórmula que se refere à lei universal, é um teste de permissibilidade jurídica para as ações. Esse princípio não pode ser distinguido do imperativo categórico, pois assim como o imperativo, o princípio do direito tem como argumento o princípio da universalização.

O imperativo categórico do direito “age exteriormente de tal maneira que o livre uso do teu arbítrio possa coexistir com a liberdade de qualquer um segundo uma lei universal” (MC, 2008, p. 77), é uma fórmula que não indica nenhum conteúdo. Indicando, apenas, um procedimento. Não diz o que é justo, mas enuncia como se deve proceder para que uma ação seja justa. E neste aspecto, no que concerne ao seu caráter puramente formal, uma das críticas mais recorrentes é a de que o problema é saber quando e em que circunstâncias uma ação pode coexistir com a liberdade do outro, enquanto não for apontado um conteúdo determinado. Alega-se que, ou se pressupõe uma lei que diga o que deve ser feito e, então, o imperativo ou princípio universal do direito não diria nada de novo, ou cai-se num vazio formalismo, mencionado anteriormente, tal como o imperativo categórico da ética e com isso, teríamos, então, uma noção de justiça formal e abstrata, como é o caso do tratamento dado aos direitos de equidade e de necessidade.

Nessa esteira, nos explica Beckenkamp, importante é saber em que medida os princípios do direito natural constituem imperativos do direito. Na filosofia moral kantiana a lei moral deve enunciar-se como um imperativo categórico sempre que se trata de uma vontade imperfeita. Diante de uma vontade perfeita dispensável seria o direito e tampouco precisaria ser coagida externamente, a fim de se respeitar o arbítrio dos outros. Os princípios do direito natural constituem então necessariamente imperativos do direito? Nesse sentido entendemos que a resposta seria: indiretamente sim, diretamente não. Diretamente não, porque os princípios puramente racionais para o direito envolvem tão-somente autorizações, que não constituem obrigações, mas apenas

licenças para fazer ou deixar de fazer. A fundamentação racional do direito se baseia nesta ordem das autorizações da razão prática pura (BECKENKAMP, 2014, p.36).

Beckenkamp explica ainda, que, para se chegar a um imperativo, entretanto, é preciso inverter a relação, ou seja, indiretamente mediante uma inversão tornada necessária pela mesma razão prática pura: uma vez que o lícito ou autorizado já traz o selo da racionalidade, impedir os outros na execução do que é lícito constitui para mim um ilícito, estando, portanto, submetido a uma lei obrigatória, de que decorre diretamente o imperativo categórico do direito: “ age exteriormente de tal maneira que o livre uso do teu arbítrio possa coexistir com a liberdade de qualquer um segundo uma lei universal” (MC, 2008, p. 77). Em termos mais triviais, a inversão pode ser formulada assim: o meu direito constitui um dever para os outros, o direito dos outros constitui um dever para mim. Esse meu dever é inicialmente um dever jurídico, ou seja, um dever que me pode ser cobrado externamente, mas como corresponde a um direito do outro que lhe foi conferido pela razão, ele será indiretamente também um dever ético, ou seja, um dever que um ser racional deve admitir como máxima de sua vontade (BECKENKAMP, 2014, p.37).

De acordo com Beckenkamp, como a obediência à lei jurídica pode ser meramente externa, há quem defenda a tese de que na doutrina kantiana do direito as leis jurídicas se apresentam, no concernente à legislação interna ou ética, como imperativos meramente hipotéticos, acarretando mais uma dificuldade: os imperativos jurídicos são imperativos categóricos ou hipotéticos? Esta dificuldade não diz respeito naturalmente ao caráter do mandamento jurídico em sua exterioridade, onde sua incondicionalidade depende da eficácia do poder público; trata-se do caráter do imperativo decorrente da lei jurídica com sua incorporação à ética. Uma vez compreendido o princípio da incorporação do jurídico ao ético, esta dificuldade se desfaz, pois é claro que no domínio da ética a razão se impõe por imperativos categóricos (MC, 2014, p.38). Uma última dificuldade pode ser encontrada na relação da legislação jurídica com os princípios determinantes da vontade, colocando-se a seguinte questão: as leis do direito, enquanto leis que comandam externamente, são leis de autonomia ou de heteronomia? Como a garantia efetiva dos direitos, só pode ser dada com o Estado, que outorga e cobra externamente suas leis só podem ser entendidas como leis de heteronomia, ou seja, como leis dadas fora da vontade dos indivíduos. Para evitar essa conclusão apressada, é preciso cuidar para que a doutrina kantiana do direito público seja entendida devidamente como parte do direito natural, estando em questão

precisamente as condições sob as quais um Estado pode ser reconhecido como racional, ou seja, como fonte de leis universalmente válidas. Entre essas condições está a de que o povo ou a totalidade dos indivíduos submetidos a um Estado constitui o poder legislador, de tal modo que as leis a que todos têm de se submeter são originárias da vontade de todos, o que define a liberdade jurídica ou externa de cada um, no sentido de que a minha liberdade externa (jurídica) consiste na autorização de não obedecer a quaisquer leis externas a não ser àquelas a que eu tenha podido dar minha anuência. Nesta medida, mesmo as leis positivas de um Estado constituído são leis da autonomia, e não leis heterônomas (BECKENKAMP, 2009, p. 39).

No documento Justiça em Kant (páginas 163-166)