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5. GOVERNANÇA DE RECURSOS COMUNS E ESCASSOS:

6.2. Implementação do CBH-Doce: Um processo democrático?

Nas entrevistas realizadas, todos consideraram o processo de implementação do CBH-Doce democrático, pois foi amplamente divulgado e segundo eles, “só não participou quem não quis”. Praticamente todos os entrevistados enfatizaram que foi democrático também devido “ao pessoal que organizou”, o pessoal do Movimento Pró-Rio Doce (MPRD). Todos também se referiram espontaneamente (sem ser perguntados sobre o mesmo), de forma positiva, ao Paulo Célio de Figueiredo (Catatau) do MPRD, um dos coordenadores do processo de instalação do comitê, afirmando ser ele um líder atuante, acessível e uma referência individual no campo de recursos hídricos na bacia.

Mas segundo os entrevistados, a participação não foi maior devido a outros fatores, como dificuldades financeiras para o deslocamento para as reuniões. Nesse sentido, ressalta-se a fala do representante da ONG CMCN (Centro Mineiro de Conservação da Natureza), de Viçosa-MG:

Esse processo foi democrático devido a esse pessoal que organizou. Sempre tem um defeito ou outro, é impossível você tentar mobilizar uma bacia do Rio Doce que é muito grande sem que tenha alguma falha, sem que alguém não tenha ficado sabendo. Mas dentro do que foi possível, foi bem divulgado, fizeram muitas reuniões em vários locais da bacia, houve um convite, mas o grande problema nessa participação democrática foi a dificuldade que as entidades estavam passando naquela época de mobilização, por exemplo, eram convidadas para ir a Raul Soares numa reunião, ou a Caratinga, mas como que vai, até os municípios tinham essa dificuldade, não era só a ONG, tinha um prefeito aqui numa reunião dizendo que o secretário do meio ambiente era uma voluntário, um funcionário aposentado da EMATER, e não tem condições de contratar um assessor e ele recebe tantas convocações.

(prefeito de Senador Firmino). Então, o processo de implementação foi aberto pelos organizadores, só houve a dificuldade financeira para muitos participarem, mesmo sendo as reuniões descentralizadas. Quem participava mais? A EMATER, o IEF, porque eles têm carro, a ida à reunião está justificada na diária deles.

A representante do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Colatina-ES considerou que o processo foi democrático, mas faltou uma mobilização maior para atingir a sociedade de forma mais ampla.

Tiveram oficinas, seminários, encontros, mas essa questão da água é muito grande, eu acho que faltou uma mobilização maior, um envolvimento maior dos municípios da bacia. Dos municípios que eu digo não é do prefeito, mas da população, do setor de educação, desde o pré. Então não teve envolvimento maior. Se você sair por aí hoje você vai ver que existem muitas pessoas que nem sabem que existe o comitê. E como essa questão é de interesse de todos, eu acho que teria que haver essa mobilização. (Representante do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Colatina-Es)

A representante do MPRD, responsável pela mobilização social, também admitiu que “sentiu falta” da sociedade civil nas reuniões, e constatou a maior participação de órgãos governamentais, que têm, além de tudo, o dever de comparecer.

Então, eu acho que deveria ter tido mais participação da sociedade, do cidadão que não é da EMATER, que não é dos órgãos oficiais. Havia muitas pessoas desses órgãos participando, que para mim já têm o dever de ofício de estar participando, estão cumprindo um dever, estão no horário de trabalho. Agora o pescador, a dona de casa, o professor, o estudante, eu senti falta destes, mas isso também foi devido ao curto prazo, porque o MPRD foi contratado por um tempo determinado, você pode ver pelo convênio realizado com a ANA, com prazo de início e prazo de término65, então tinha que cumprir aquelas tarefas, e a ANA só cobrando. (Representante do MPRD)

DEL PRETTE (2000), ao analisar a participação no CBH-Tietê/SP, afirmou que a medida da intensidade da participação é tomada em função mais da participação da sociedade civil que dos próprios órgãos do Estado e das Prefeituras Municipais. Isso quer dizer que a participação é considerada, em geral, como um ‘atributo’ desejável proveniente da sociedade civil, ao passo que o envolvimento dos órgãos públicos não é necessariamente visto como tal, isto é, participativo, podendo ser apenas o cumprimento de uma obrigação do órgão e seu representante. Desse modo, pode-se dizer que a sociedade civil ‘participa’ e o poder público ‘atua’ (IBIDEM). Na opinião dos

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representantes do MPRD, portanto, a observação desse autor também se aplica ao caso do CBH-Doce.

Ainda segundo a representante do MPRD, foram vários encontros regionais, mas no seu entendimento, haveria a necessidade de um ano para “amadurecer” com a sociedade:

Na experiência que tive como legisladora, eu tive a oportunidade de perceber que a lei que é feita sem a consciência da sociedade é uma lei que não vigora, ela pode ser uma lei excelente, mas não se implementa porque as pessoas não desejam aquela mudança.

Contudo, apesar dessas dificuldades, os entrevistados disseram que os membros da sociedade civil que participaram das reuniões deixaram claro o desejo de interferir no processo, e pretendem que as discussões sejam ampliadas. Para o representante da UFES, o processo de mobilização para a eleição dos membros do comitê, que será repetido a cada dois anos, é uma forma de envolvimento da população:

A forma em que foram conduzidas as oficinas, eu achei que as pessoas consideraram comparativamente que foram muito mais participativas do que em outros comitês, então nós temos uma expectativa maior com o CBH-Doce. Toda vez que for feita a eleição de novos membros vai se trazer novas pessoas para a discussão. O ideal é haver a mobilização para as eleições, o que serve como conscientização também. (Representante da UFES)

Outro ponto a ser ressaltado é que mesmo as ONG´s que não participaram até o final, o fizeram por uma opção estratégica, como veremos mais adiante, e não por vício durante o processo de implementação.

Neste ponto, podemos concluir que, se muitas pessoas não participaram por falta de recursos e se o tempo não foi adequado para atingir uma parcela maior da população, então nesse processo ficou comprometida a oportunidade para a população aprender a testar e repetir as regras da cooperação. De toda forma, a mobilização atingiu as entidades civis que atuam na área ambiental e os usuários, visto que o cidadão comum (pessoa física que não fosse usuária no sentido legal66) não podia mesmo, por força de lei, votar na assembléia de escolha dos membros do comitê. Na verdade, os cidadãos que não se enquadram nestas categorias, poderiam participar apenas dos encontros regionais e oficinas.

Mas o CBH-Doce pode e precisa buscar propiciar essa inclusão de agora em diante, e antes de trazer mudanças que potencialmente estão elencadas em lei, o comitê e demais organismos responsáveis pela gestão de águas não podem unilateralmente impor as transformações, pois se corre o risco de ineficácia, falta de transparência e legitimidade social. Antes de tudo, a mobilização social deve acontecer para as tomadas de decisão pois, pensando-se nas perspectivas de OSTROM (1998) e LEVI (1998), os indivíduos estão dispostos a cooperar, mas antes disso acontecer eles vão efetuar uma análise da probabilidade de cooperação dos outros (“reciprocidade” para Ostrom), e de que haverá punição para aqueles que não cumprirem as regras.

Conforme afirma MELUCCI (2001), há necessidade de investimentos contínuos para que ocorra a construção de uma identidade coletiva, dependendo de motivação, redes de comunicação que tornem menos onerosa a ação coletiva. Ainda se tem muito o que fazer para a construção da identidade coletiva em torno da bacia do Rio Doce, pois essa figura de bacia, como afirma CARDOSO (2003) não está no imaginário das pessoas, que visualizam mais o rio, como também as divisões políticas, como municípios e Estados.