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Implicações da BNCC na formação e na atuação dos professores de

1 A EDUCAÇÃO MUSICAL NA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR DO

1.4 Implicações da BNCC na formação e na atuação dos professores de

Assim, salienta Del-Ben (2016, p. 5), que “enfatizar a experiência estética traz o risco de enfatizar também a relação do sujeito individual com a obra, e não a relação entre pessoas, mediada pela obra.”

Obra pode ser reduzida a “coisa”. O uso da expressão “obra” sugere ênfase no produto, a valorização da produção do artista. Não há produto sem processos a ele subjacentes, mas, como, na educação básica, o que se busca é a formação de sujeitos, parece-me que a ênfase deveria estar nos processos, nas ações e interações que levam à “produção do produto”. Na escola, o protagonismo é dos estudantes, e não dos artistas e sua produção.

O que se busca é a formação de sujeitos, e não a formação de público. É preciso ampliar e aprofundar o repertório de experiências, e não necessariamente o repertório de obras (DEL-BEN, 2016, p. 5-6).

Segundo Peres (2017), a concepção de Arte contida na BNCC não contém a preocupação de oferecer aos estudantes um entendimento mais sólido sobre os conteúdos do processo artístico. Assim, terão uma formação cerceada que não contribuirá para o aprofundamento da dimensão crítica da Arte e da sociedade.

1.4 Implicações da BNCC na formação e na atuação dos professores de

A trajetória do ensino e da aprendizagem das artes no Brasil é paralela à luta de profissionais comprometidos com a construção de políticas educacionais que subsidiam a qualificação das artes na escola. As lutas têm sido por um

“saber de base”, um “saber específico”, que reconheça as artes como conhecimentos imprescindíveis na formação plena do cidadão [...] (BRASIL 2016).

Em documento, a Associação Brasileira de Educação Musical (ABEM), questionando a diminuição das linguagens artísticas em subcomponentes e reconhecendo a importância de se garantir professores habilitados para cada uma delas, realiza alguns apontamentos, ao considerar:

inadequadas as definições da BNCC de conceber “Arte” como “componente curricular” e, consequentemente, Artes Visuais, Dança, Música e Teatro como

“subcomponente”. De acordo com as próprias especificações do texto apresentado na BNCC, “ao considerar que a formação em Arte acontece em licenciaturas específicas (artes visuais, dança, teatro e música), é necessário garantir professores habilitados em cada um dos subcomponentes, para todas as etapas da educação básica”. Assim, fica evidente que Artes Visuais, Dança, Música e Teatro têm características de componentes curriculares, e não de subcomponentes, considerando que cada uma dessas áreas possui necessidades distintas e necessita de professores com formação específica para atendê-las adequadamente (ABEM, 2016, p. 4).

A Federação de Arte-educadores do Brasil, no Ofício nº06/2015, destinado ao Ministério da Educação, relata a falta de prestígio do componente Arte frente aos demais componentes, desprezando a abrangência e complexidade dessas áreas de saber na Educação Básica:

A BNCC, ao apresentar, em 11 páginas, o componente curricular Arte, em contraste com os demais que envolvem de 20 a 30 páginas, acentua um olhar aligeirado para a Arte, ao mesmo tempo em que evidencia as prioridades do currículo (FAEB, 2015).

Conforme Iavelberg (p.78, 2018), tal desvalorização “está relacionada com a exclusão do componente das avaliações das aprendizagens dos sistemas de ensino".

Além disso, está em consonância com os interesses do mercado de trabalho e do capital por meio de uma formação regida por eles, tendo em vista a ampliação de consumidores. Dessa forma, está ausente uma formação em Arte que promova um sujeito sensível e crítico que participe artística e culturalmente da sociedade (IAVELBERG, 2018).

Carvalho (2017) destaca a mudança de perspectiva dos saberes e disciplinas sob um caráter mais instrumental, ligados ao mercado e ao consumo, bem como o risco de atribuir à formação educacional um significado político e existencial:

A preocupação de pensar a experiência escolar a partir de suas finalidades práticas e de sua suposta relevância econômica tem posto em risco a possibilidade de se atribuir à formação educacional um significado político e existencial. Note- se que essa supremacia do caráter instrumental dos discursos educacionais não implica o desaparecimento de disciplinas e saberes tidos como integrantes de uma concepção humanista de formação, como a literatura, as artes ou a filosofia. Significa, antes, que mesmo esses saberes e disciplinas passam a ter outro papel: o de coadjuvantes na supremacia do instrumentalismo vinculado ao mercado e à sociedade de consumidores (CARVALHO, 2017, p.30).

Nesse sentido, submissa a um paradigma neotecnicista6, a educação passa a ser metrificada e quantificada por meio das habilidades e competências como enquadramentos conceituais que tornam a educação uma área subserviente ao mercado de trabalho e às expectativas das elites dominantes em relação à formação dos trabalhadores.

A padronização dessas competências e habilidades pré-determinadas presentes no documento não estão atreladas a um conteúdo específico, uma vez que elas não se conectam aos componentes curriculares, tampouco se determinam a partir do conhecimento oriundo deles. Há, portanto, incoerência em almejar a possibilidade de executar diversas competências de ordem cultural e artística sem que esses saberes específicos das linguagens sejam desenvolvidos no percurso do Ensino Médio (ABEM, 2018).

Iavelberg (2018) aponta algumas razões que explicam a imprecisão do texto na diferenciação das habilidades, a explicitação dos conteúdos e o grande esforço a ser concretizado na formação docente na implantação da BNCC:

6Segundo Freitas (1991), o paradigma neotecnicista está baseado na: avaliação das escolas, avaliação do professor, distribuição de verbas e salários de acordo com estas avaliações, revisão curricular;

ênfase em uma metodologia pragmática e despolitizada para obter resultados em sala de aula – ou seja, desgarra-se a análise da escola de seus determinantes sociais e assume-se que a escola vai mal porque lhe faltam controle, eficiência, método, racionalização e treinamento para o professor. Aceita esta premissa, o problema da educação deixa de ser político para ser técnico. Daí o termo tecnicismo.

Mas, como nós já vimos este filme na década de setenta, daí o termo neotecnicismo (FREITAS, 1991, p.12).

Os limites de ordem política e econômica se impuseram à terceira versão da BNCC e marcaram a escrita do documento, na medida em que, como se sabe, não existiu investimento para que a equipe de elaboradores da referida versão fosse oriunda das diferentes linguagens da Arte. Isso pode explicar a pouca diferenciação das habilidades entre as linguagens, a magra explicitação de conteúdos e, mais uma vez, nos alerta para o grande esforço a ser feito na formação dos professores de Arte, enquanto profissionais práticos reflexivos, com autonomia para a implantação da BNCC (IAVELBERG, 2018, p. 82).

Gatti e Barreto (2009) ressaltam que a organização dos diversos cursos de licenciatura é determinada por decisões a respeito do currículo da Educação Básica que decorrem da disputa de diversos atores sociais, que almejam “maior representação de determinados conhecimentos, valores, habilidades e competências no currículo” (GATTI; BARRETO, 2009, p. 68).

Amato (2016, p. 162), aponta que o “ensino de música nas escolas regulares é escasso, o que nos leva a refletir que a educação musical dentro da disciplina Arte faz parte meramente de manuais e propostas curriculares veiculadas por órgãos governamentais”, consolidando, assim, o que o pedagogo José Gimeno Sacristán denominou de currículo prescrito7, definindo-o como normatizador e cumpridor de orientações e regulações econômicas, políticas e administrativas para o sistema educacional e para os profissionais da educação.

É de suma importância identificar essas prescrições presentes na BNCC que bloqueiam a arte de educar dos professores a fim de que não sejam, segundo Arroyo (2013), meros “repetidores” de conteúdos, e que consigam construir um currículo vivido, que considere os aspectos da identidade e da subjetividade, pautados nas necessidades sociais, culturais, afetivas e cognitivas dos estudantes.

Em vista disso, faz-se necessário esclarecer o papel do ensino de música no contexto escolar que deve estar interligado aos demais conhecimentos. Bellochio e Figueiredo (2017) ressaltam a importância de estar sempre atento à produção sonora (ouvir, apreciar, cantar, tocar, compor, improvisar, etc.) e desenvolver uma maior compreensão das práticas musicais, buscando caminhos para fazer melhor:

7 Segundo Sacristán (2000, p. 104), o currículo prescrito é constituído por “todos os aspectos que atuam como referência na ordenação do sistema curricular servindo como ponto de partida para a elaboração de materiais, controle de sistema, etc”. Tem como intenção unificar os diferentes conteúdos escolares para alcançar o objetivo de uma educação nacional, proporcionando uma suposta igualdade de oportunidades ao estabelecer conteúdos mínimos que o ensino obrigatório deve oferecer. Além disso, propõe-se como via de controle sobre a prática de ensino, condicionando-o previamente ao redor de códigos que se projetam em metodologias nas instituições educativas.

Ensinar música na escola envolve a experiência musical de forma direta, ouvindo, apreciando, cantando, tocando, compondo, improvisando, dentre outras. Falar sobre música com os alunos é uma atividade que também envolve conhecimentos musicais, mas não os coloca em contato direto com a Linguagem musical. Ensinar música envolve fazer música, produzir sonoramente e estar atento a essa produção sonora. Estar atento implica apreciar e entender o que se está fazendo, buscar alternativas para fazer melhor. É importante, também, pensarmos que ensinar música na escola é uma prática que não acontece de modo isolado dos demais conhecimentos escolares. (BELLOCHIO; FIGUEIREDO, 2017, p. 39-40).

Cabe dizer que a BNCC não apresenta referências bibliográficas para a compreensão e aprofundamento de suas proposições. Desse modo, faz-se necessário que os profissionais da educação de Arte sejam protagonistas de suas ações para que articulem teoria e prática em diálogo com as histórias e as culturas em contextos educativos diversos. Penna (2014) sugere a valorização das ações locais em detrimento de intervenções de grande alcance:

diante da realidade multifacetada dos contextos educacionais, são mais eficazes e produtivas as ações que refletem as possibilidades locais, do que atos legais de alcance nacional” “a conquista de espaços para a música na escola depende, em grande parte, do modo como atuamos concretamente no cotidiano escolar e diante das diversas instâncias educacionais” (PENNA, 2014, p. 63).

Assim, é imperioso o fortalecimento da autonomia das escolas, educadores e educandos, prezando pela democratização dos saberes não impostos, que não homogeneízam os sujeitos, e que corroboram em sua transformação. A música ganhará espaço no cotidiano escolar a partir do comprometimento dos professores em suas práticas. Em sua fala, Penna (2020) afirma que é importante que o docente

“saiba justificar o seu trabalho, argumentar e valer das normas que regem o ensino de música no contexto escolar.”

Novas percepções devem ser incorporadas constantemente ao trabalho do educador musical que, atento à sua formação inicial ou continuada, possa valorizar a música como área independente de conhecimento.

2 A EDUCAÇÃO MUSICAL COMO DIMENSÃO DA HUMANIZAÇÃO

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