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CAPITULO I REVISÃO DA LITERATURA

3. A CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA – IMPACTO NA DINÂMICA FAMILIAR

3.6. Implicações nos pais/sub-sistema conjugal

“... só digo o que vejo, para vosso bem tem de haver vida para além do Lorenzo...”

Deidre diz para a irmã e para o cunhado, momentos antes de Michalea a mandar embora de sua casa (Filme

Lorenzo’s Oil, de George Miller, 1992).

O anúncio de más notícias como a doença grave e a deficiência tem vindo a merecer a preocupação dos técnicos de saúde. Parece ser indispensável continuar a aprofundar este assunto. É neste sentido que, mais precisamente no domínio da deficiência, se têm desenvolvido equipas com o propósito de apoiar e orientar a família, visando diminuir e superar as situações de angústia perante a confrontação com o diagnóstico e ajudar todo o grupo familiar, especialmente os pais, a melhor lidar com o problema (Ramos, 1987).

Espontaneamente, os pais falam na forma como o problema lhes foi anunciado, das suas reacções, desespero, interrogação, revolta e isolamento, da «correria» de profissional para profissional, de serviço para serviço, do recurso mesmo a medicinas alternativas, sempre na esperança da «cura» (Ramos, 1986, cit. Ramos, 1987).

Assim, referindo-se ao nascimento de uma criança deficiente, esta autora afirma que este constitui uma difícil prova para as famílias e uma pesada responsabilidade, para aqueles que têm a seu cargo acompanhar os pais.

Ramos (1987) aludindo a Lambert (1978) e Grenier (1986), entende que as circunstancias pelas quais os pais tomam conhecimento da deficiência do seu filho, conjuntamente com o tipo de actuação proporcionado pelos primeiros serviços de apoio para a criança, vão ter uma influencia ao nível do ajustamento emocional dos pais à situação e também na aceitação da própria criança. A mesma autora (1987), citando Gregory (1976), McAndrew (1976), Lonsdale (1978) e Krins (1984), refere que, por vezes, o anúncio da deficiência é feito de um modo brusco e inadequado. A maneira tão apressada, dramática ou imprevidente, ou acompanhada de um silêncio total, fuga e relutância às questões e às inquietações dos pais, deixa-os sem informação precisa. Esta forma de anúncio não os ajuda e, pelo contrário, aumenta-lhes o sofrimento, influi nas expectativas em relação ao futuro da criança, tem repercussões no lugar que esta vai ocupar na família e, na própria vida e relação do casal.

Frequentemente, os pais são votados à solidão e ao abandono após o diagnóstico, não sendo manifestada a disponibilidade do médico ou outro profissional que procede ao anúncio para o reencontro, a marcação de outro momento de encontro ou o encaminhamento para outros técnicos /serviços que pudessem fazer esse acompanhamento e apoio.

Aos pais resta-lhes o peso do seu sofrimento e uma solidão cada vez maior, já que até a sua rede informal de suporte começa, também frequentemente, a enfraquecer quer por

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mecanismos internos à família, quer pela dificuldade que os membros da família alargada e amigos têm em lidar com a situação.

Sendo uma situação totalmente nova, com regras de interacção completamente novas, onde o sofrimento é atroz, será de esperar que os membros da rede de suporte informal concebam que é melhor deixá-los sozinhos, porque não estão em condições de receber visitas..., logo o casal fica completamente abandonado no seu sofrimento quer pelos técnicos quer pelos amigos. Neste sentido, Ramos (1987) afirma

“...os que de perto trabalham nesta problemática conhecem a angústia e sofrimento que constitui para os pais esta situação, o silêncio e o isolamento a que estes são votados, muitas vezes, pelos profissionais, pela própria família e pela comunidade, a angústia de não saberem o que fazer e a procura incessante de apoios”(p. 335).

Podendo afirmar que são diferentes as reacções manifestadas pelos progenitores, importa ter em conta que estas reflectem o aparecimento do factor “stress”.

Segundo Ramos (1987), citando Landry e Mottier (1987), à depressão associada à revelação da deficiência, poderão surgir comportamentos de «reparação», envolvendo-se os pais activamente em acções associativas.

No entanto, ainda segundo Ramos (1987), citando Jassen (1976), Sésane (1977), Mottier (1977), Carr (1974), Krins (1985), Ramos (1986), um dos sentimentos que vários estudos têm atribuído aos pais de crianças deficientes é o isolamento. Estes estudos revelam sentimentos muito contraditórios tais como a recusa e negação total da deficiência, a extrema culpabilidade e inquietude em relação ao futuro da criança, passando por sentimentos de auto-desvalorização, de insegurança no modo como lidar com a criança, de vergonha, de abandono e de isolamento social e de ideias de morte em relação à criança.

Mas por vezes, os pais assumem um optimismo, perseverança e esperança o que lhes permite lidar com a situação de forma construtiva. Neste sentido, Ramos (1987), cita vários autores, designadamente, Beltochart et al. (1976), Lambert (1978), (1980), Hannam (1980), Kribs (1984), (1985), Ramos (1986) que têm descrito o interesse mostrado pelos pais em cooperarem com os profissionais e as instituições, nomeadamente o desejo de serem incluídos e tidos em conta nas decisões respeitantes à criança. Esta opção, este direito de escolher o seu nível de participação aparece plenamente consignado nos direitos da família a que Espe- Sherwindt (1998) faz apologia.

Umas vezes com repercussões mais positivas, outras mais negativas parece que, efectivamente, não poderemos falar no impacto na família do nascimento de uma criança com deficiência como um momento único, circunscrito ao período em que é feito o anúncio da deficiência.

Como tal, alguns pais manifestam as implicações que tal anúncio tem na sua relação de casal, como nos refere Freitas (2002) ao citar um pai, camionista de 38 anos:

“Os problemas vêm todos ao mesmo tempo... tudo nos cai em cima... Um homem

anda desvairado, com a cabeça cheia de problemas que não consegue resolver... Depois chega a casa vê a mulher a chorar... É uma vida muito difícil... Quando vejo a minha mulher a chorar, tento animá-la... Eu sei que ela gostava que a

66 nossa filha fosse... bem, não tivesse nascido assim... Mas nasceu, que havemos de

fazer?... Ela é uma menina muito bonita... Todos gostamos muito dela... Os irmãos também... Mas a minha mulher chora desde que ela nasceu... Não estava à espera que a menina nascesse assim... A gravidez correu muito bem... Ela andou sempre muito bem disposta... Agora, anda no psiquiatra, mas nem com os medicamentos... Que é que eu posso fazer? Não posso estar em casa com eles... tenho que ir trabalhar para longe...” (p. 110)

Quanto à comparação entre os dois membros do casal, Freitas conclui

“que pudemos escutar mais palavras de desânimo, de revolta e de

descontentamento por parte dos pais do que das mães, referindo que a desarticulação das respostas dos serviços existentes obriga a deslocações diversas, a locais distantes das suas residências e que consideram muitas vezes responsável pelos recuos de todo o processo de intervenção, enquanto o tempo vai passando e as crianças vão crescendo” (p. 110).

Esta temática, dos efeitos de uma criança com deficiência na relação conjugal dos seus progenitores, tem sido alvo de atenção de investigadores. Assim, alguns autores concluíram que um casamento estável e satisfatório constitui um contributo para a redução do “stress” dos pais quando têm de lidar com uma criança com deficiência (Friedrich, 1979, cit. Fewell, 1986; Minnes, 1988, cit. Hornby, 1992).

No entanto, e segundo Fewell (1986), uma criança com deficiência afecta sempre o casamento dos pais, independentemente da forma como o faz.

Os estudos acerca dos efeitos da criança com deficiência na relação conjugal apontam para:

• as dificuldades conjugais devido às exigências adicionais de cuidar de uma criança com deficiência (Max, 1985, cit. Hornby, 1992)

• as dificuldades a nível sexual devido à falta de privacidade, cansaço, isolamento e receio de gerar outra criança com deficiência (Featherstone, 1981, cit. Hornby, 1992)

• o fortalecimento da relação do casal (Burton, 1975, cit. Fewell, 1986)

Byrne et al (1988, cit. Hornby, 1992) e D’Arcy’s (1968, cit. Fewell, 1986), por seu lado, concluem que não encontram diferenças significativas nestes casais.

Parece, então, que o aparecimento da deficiência poderá reforçar ou colapsar a relação do casal, conforme a relação já existente no mesmo.

Quanto à participação dos pais nas tarefas domésticas e nos cuidados com a criança, e apesar do acréscimo de exigências que uma criança com deficiência coloca a todos os membros da família, normalmente não apresentam um índice de participação superior quando comparado com as outras famílias (Byrne et al, 1988; McConachie, 1986, cit. Hornby 1992), assumindo, geralmente, um papel menos activo (Hornby, 1992) e consequentemente, estas funções recaem, na sua maior parte, sobre mães (Fewell e Vadasy, 1986, cit. Hornby, 1992).

Também segundo Hornby (1992), porque geralmente estão a trabalhar, os pais encontram-se menos com os profissionais do que as mães. Por um lado, esta maior ocupação fora

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de casa e afastamento dos profissionais pode estar na base de uma maior dificuldade de adaptação ao bebé com deficiência, por outro lado a sua saúde mental parece mais protegida, já que trabalha fora de casa e este facto permite-lhe focar a sua atenção noutros interesses.

Brotherson et al (1986) e Meyer (1986), citados por Hornby (1992), concluíram que pais e mães, quando comparados aos pais de crianças sem deficiência, manifestam níveis mais elevados de:

• depressão

• dificuldades emocionais • problemas na relação conjugal.

Incidindo apenas sobre as mães, Minnes (1988, cit. Hornby, 1992) mencionam que estas revelam um nível de “stress” mais elevado, quando a sua criança tem deficiência.

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