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2. Dimensão investigativa

2.2. Revisão de literatura

2.2.2. A importância das ideias das crianças na aprendizagem das Ciências

O Movimento das Conceções Alternativas, surgido na década de 80, resulta de uma série de estudos em torno das ideias dos alunos em tópicos de Ciências. Foi nesta déca- da que surgiram várias investigações na área e nas quais surge como central a ideia de que, quando chega ao ensino formal, o aluno não é uma “tábua rasa”, possuindo ideias, crenças e conceções sobre conceitos tratados nas Ciências escolares, decorrentes do seu contacto com o mundo (físico e social) que o rodeia ao longo da sua vida, tal como refe- rem vários autores como Driver, Solomon, Osborn, Freyberg, Viennot, Wittrock, Gil- bert, Gil Pérez (Cachapuz, Praia & Jorge, 2002; Menino & Correia, 2001; Santos, 1991).

De acordo com os autores supramencionados, essas ideias permitiram-lhes, até aí, dar significado aos fenómenos e influenciam as suas aprendizagens seguintes. Ideias essas construídas de acordo com as suas experiências e necessidades, bem como com a sua cultura, interação com o outro, linguagem e muitos outros aspetos. Segundo Pereira (1992), “[n]alguns casos, estas concepções são simplesmente noções mais vagas e me- nos articuladas das teorias ou conceitos cientificamente aceites. Noutras situações, po- dem estar em desacordo com a teoria científica formalmente aceite, diferindo dela em aspectos significativos” (p. 65). O aluno tenta compreender o mundo interpretando-o e, segundo Martins et al. (2007), “[a]prender Ciências requer a superação das representa- ções que o senso comum e a cultura quotidiana oferecem e que, na maioria dos casos, são extremamente superficiais, isto é, aquilo que se designa por “Ciência intuitiva” dos alunos” (p. 30).

Segundo Pereira (1992), a procura constante de dar sentido ao que nos rodeia encontra- se associada à perspetiva construtivista da aprendizagem, na qual o aluno tem um papel ativo na construção do seu próprio conhecimento que pode ter como fundamentos as suas ideias prévias. Segundo uma perspetiva construtivista, o aluno constrói as suas ideias e, perante as situações didáticas em que é confrontado com dissonâncias cogniti- vas, sentirá eventualmente necessidade de as reconstruir. O papel do professor é então criar situações para despoletar esses conflitos cognitivos e, depois, criar condições para

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que os alunos possam desenvolver as suas ideias aproximando-as das cientificamente aceites. Numa perspetiva socioconstrutivista, essa reconstrução não é feita pelo apren- dente isolado. Ele constrói significados partilhados nas interações sociais com os seus pares, professores e outros intervenientes e os processos de mudança conceptual irão assentar nisso, no uso da linguagem e nos processos dialógicos desenvolvidos e é esta perspetiva que suportará a importância do desenvolvimento de atividades colaborativas e/ou cooperativas no ensino das Ciências.

A perspetiva socioconstrutivista da aprendizagem enaltece as ideias dos alunos, sendo estas o mote para as suas aprendizagens. Desta forma, o aluno detém um papel ativo na construção da sua aprendizagem em interação com o outro, dado que a interação do aluno com o meio social é determinante no funcionamento cognitivo (Cachapuz et al., 2002). A perspetiva socioconstrutivista assenta num conjunto de princípios que devem ser tomados em consideração:

a) a aprendizagem de conceitos faz-se em idades precoces; desde cedo as crianças co- meçam a desenvolver progressivamente as suas próprias concepções acerca do mundo, a estar atentas a determinadas regularidades e a identificá-las através de uma designa- ção;

b) concepções ingénuas de determinadas regularidades são comuns a muitas pessoas e encontram-se, por vezes, muito enraizadas na forma de pensar e de agir dos indivíduos, afectando claramente as aprendizagens; e c) o conhecimento do aluno influencia aquilo que ele procura conhecer ou aquilo que os outros procuram que ele conheça (Martins et al., 2006, p. 26)

Assim entende-se que as conceções alternativas dos alunos consistem em ideias alterna- tivas àquelas que são cientificamente aceites (no momento) e são fulcrais para o desen- volvimento da educação científica. Pereira (1992) diz que estas ideias devem ser valori- zadas no ensino formal, servindo como ponto de partida para o mesmo. Assim, o pro- fessor deve conhecer as conceções alternativas dos alunos para lhes proporcionar mo- mentos em que estes sejam desafiados a apresentar, questionar e testar as suas conce- ções. Santos (1991) vai mais longe ao afirmar que as conceções alternativas dos alunos devem ser uma das mais significativas variáveis do ensino das Ciências:

(…) teóricos e investigadores (…) Situam-nas no centro do problema da aprendizagem e sustentam que ignorar tais concepções é uma das principais causas da ineficácia da acção educativa. Todavia, na prática escolar estabelecida, a existência de pontos de vista das crianças e de significados para palavras geralmente usadas na ciência continua a ser ignorada. Há uma nítida clivagem entre a forma como o professor concebe as suas li- ções, usando conhecimentos próprios de adulto especializado (conceitos científicos) e a forma como o aluno tenta compreender esses conhecimentos, recorrendo às suas repre- sentações que, muitas vezes, pouco têm a ver com tais conceitos (pp. 91-92)

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É essencial que, no ensino formal, os professores consigam criar situações didáticas em que os alunos contactem com situações e fenómenos onde tenham de mobilizar as suas conceções e, eventualmente, desenvolvê-las e/ou alterá-las aproximando-as dos concei- tos científicos. Relativamente ao lento e exigente processo de mudança conceptual, as crianças constroem as suas ideias de um modo que, para si mesmas, faz sentido e essas ideias vão lhes sendo úteis em várias situações. Deste modo, não as abandonam apenas porque alguém lhes diz que não são adequadas (Pereira, 2002), pois “(…) uma pessoa que seja confrontada com uma nova concepção não a vai incorporar sem uma boa razão, especialmente se tiver que o fazer à custa de uma concepção já existente” (Hewson, 1981, citado por Sá, 1994, p. 37). Os professores devem então usar outras estratégias para promover a mudança conceptual.

No subponto seguinte são apresentadas as ideias dos alunos sobre circuitos elétricos e os seus componentes identificadas noutras investigações.

2.2.3. As ideias das crianças acerca de circuitos elétricos e seus componentes