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A IMPRESCINDIBILIDADE DA DISCUSSÃO DO NÚCLEO DE FUNDAMENTOS DO TRABALHO PROFISSIONAL PARA FORMAÇÃO DE UM PERFIL PROFISSIONAL

CRÍTICO

É necessário refletirmos de modo refinado sobre o Núcleo do Trabalho Profissional. Esse núcleo “Considera a profissionalização do Serviço Social como uma especialização do trabalho e sua prática como concretização de um processo de trabalho que tem como objeto as múltiplas expressões da questão social” (ABEPSS, 1998, p.12). E para isso, é necessário “O resgate dessa conjunção - rigor teórico-metodológico e acompanhamento da dinâmica societária - que permitirá atribuir um novo estatuto à dimensão interventiva e operativa da profissão” (ABEPSS, 1998, p.13). Da mesma maneira, a compreensão de que “Os fundamentos históricos, teóricos e metodológicos são necessários para apreender a formação cultural do trabalho profissional e, em particular, as formas de pensar dos assistentes sociais” (ABEPSS, 1998, p.13).

No corpo do texto das Diretrizes Gerais Curriculares é enfatizado a necessidade da não- desassociação entre os três núcleos de fundamentação e a perspectiva de totalidade é sempre reafirmada, evitando fragmentações no processo de conhecimento e formação. De acordo com isso, temos:

Ressalta-se a exigência de não incorrer no tratamento classificatório dos núcleos de fundamentação da formação profissional, quando da indicação dos componentes curriculares, uma vez que remetem a um conjunto de conhecimentos indissociáveis para a apreensão da gênese, das manifestações e do enfrentamento da questão social, eixo fundante da profissão e articulador dos conteúdos da formação profissional (ABEPSS, 1996, p.9).

Quando afirmamos que deve existir uma imprescindibilidade de discutir e analisar o Núcleo de Fundamentação do Trabalho Profissional não se pretende dizer que este é o mais importante dos núcleos e nem que os outros dois núcleos, isto é, o Núcleo de Fundamentos Teórico-Metodológicos da Vida Social e o Núcleo de Fundamentos da Formação Sócio- Histórica da Sociedade Brasileira, não necessitam serem proficuamente debatidos. A premissa aqui pautada é a afirmação de que os 03 (três) núcleos só ganham sentido se forem visualizados em relação um com o outro.

A nível de exemplos, não podemos entender o significado social da profissão sem ter o entendimento sobre os movimentos e dinâmicas das transformações societários em que a profissão está inserida, e é por elas determinadas. Também, não se consegue pautar e compreender as ações profissionais sem ter claro um direcionamento teórico-metodológico,

sem desenvolver um trato rigoroso em relação a como este é influenciado pelos projetos societário e ético-político dos agentes profissionais e da categoria profissional numa perspectiva de totalidade.

De acordo com Iamamoto (2015, p.457), a [...]Amplitude temática é um privilégio da categoria, convocada a atuar transversalmente nas múltiplas expressões da questão social[...] (IAMAMOTO, 2015, p.457) e garante maturidade intelectual ao Serviço Social. Todavia, principalmente no que diz respeito à pesquisa e a produção e sistematização de conhecimentos, há, também, uma secundarização referente ao debate da formação e do exercício profissional, em detrimento de outras temáticas - essas, convém relembrar, bem importantes à profissão de Serviço Social.

Assim, as temáticas referentes ao primeiro e segundo núcleos - o da vida social e da formação sócio-histórica da sociedade brasileira - são “premiados” com maiores discussões nos meios acadêmicos e maior atenção analítica e teórica pelos estudantes, pesquisadores e pesquisadoras da área. É o que mostra Iamamoto (2015), quando identifica o atual quadro temático “Dos rumos da pesquisa no Serviço Social e seus possíveis desdobramentos'' (IAMAMOTO, 2015, p.458).

No artigo intitulado “A pós-graduação e a produção de conhecimento no Serviço Social brasileiro”, Silva e Carvalho (2007), além de trazer a contextualização da emergência e consequente institucionalização da pós-graduação em Serviço Social no Brasil, aponta também as principais tendências das linhas e projetos de pesquisa no âmbito do mestrado e doutorado em Serviço Social. Percorrendo o período de 2001-2003, as autoras apontam que as temáticas ligadas ao Serviço Social, Trabalho, e Formação Profissional, ocupam o segundo lugar dos cinco eixos circunscritos na pesquisa realizada. Ou seja, nesse período existiu uma centralidade atribuída a temáticas específicas do Serviço Social. De acordo com as autoras,

É importante destacar que, além da grande centralidade atribuída a temas específicos do Serviço Social, ressaltamos que temas significativos para a profissão como

Seguridade Social; Exclusão Social/Desigualdade/Pobreza receberam, também,

indicações significativas, revelando sua importância para o Serviço Social. Merece ainda destacar a elevada incidência com que o eixo temático Trabalho/Reestruturação

Produtiva/Globalização foi indicado, reafirmando, como anteriormente indicado, sua

importância para a profissão, principalmente a partir da segunda metade dos anos 1990 (SILVA; CARVALHO, 2007, p.212).

É interessante notar como as conjunturas sociais, históricas e políticas influenciam e perfilam as escolhas dos pesquisadores. Uma comprovação disso seria o grande debruçamento nos temas referentes a Reestruturação Produtiva e Globalização, temáticas bastante

emergentes no período escolhido para a análise realizadas pelas autoras citadas acima. Dessa forma,

A profissão e o conhecimento que a fundamentam só podem ser compreendidos no movimento histórico de mudanças socioeconômicas e políticas da sociedade brasileira e na inserção, construção e reconstrução da profissão nesse âmbito, mediante um movimento que não é homogêneo nem linear (SILVA; CARVALHO, 2007, p.214).

Já na obra “Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social”, no capítulo destinado a discutir sobre o ‘trabalho do assistente social em tempo de capital fetiche’, Marilda Iamamoto pincela sobre os rumos da pós-graduação e da pesquisa na área nesse período histórico em que nos encontramos. A autora se compromete em trazer reflexões acerca da formação de pós-graduandos e as tendências nas linhas de pesquisa dos programas de pós-graduação nas universidades brasileiras21. Destarte, a autora especifica os eixos temáticos majoritariamente analisados pelos pesquisadores e pesquisadoras e suas respectivas linhas de pesquisa:

1. Políticas sociais: Estado e Sociedade civil. Congrega 19 linhas de pesquisa (34,5%) e 238 projetos em andamento ou concluídos (41%); 2. Relações e processo de trabalho, políticas públicas e Serviço Social, congregando 8 linhas de pesquisa (14,5%) e 103 projetos (17,7%); 3. Cultura e identidades: processos e práticas sociais, articulando 8 linhas de pesquisa (14,5%) e 83 projetos (14,3%); 4. Família, relações de gênero e geração: sociabilidade, violência e cidadania, integrando 6 linhas de pesquisa (10,9%) e 75 projetos (12,9%); 5. Formação profissional em Serviço Social: fundamentos e exercício da profissão, com recortes em: história e concepções contemporâneas do Serviço Social identidade e trabalho profissional, congregando 7 linhas de pesquisa (12,7%) e 47 projetos (8%); 6. Movimentos sociais, processos organizativos e mobilização popular, com recortes nas relações de poder, conflitos sociais e poder local, questão urbana e rural, integrando 7 linhas (12,7%) e 34 projetos (5,8%) (IAMAMOTO, 2015, p.459).

Vemos que, no âmbito das linhas de pesquisa em pós-graduação, a temática dos fundamentos teórico-metodológicos, assim como, da formação e exercício profissional, ou seja, eixos que incorporam o Núcleo de Fundamentação do Trabalho Profissional são preteridos em razão de outras temáticas, ocupando, assim, o quinto lugar na “Ordem de representatividade do conjunto da área” (IAMAMOTO, 2015, p.458).

Ao apontarmos essa secundarização do debate da profissão e a massiva presença de outros eixos temáticos no centro das análises produzidas, não se está aqui querendo dizer o que é ou não da maior importância a ser pesquisado. Da mesma maneira, de desejar uma certa endogenia no âmbito da produção de conhecimento da área. Pelo contrário, o que se procura é

21 Iamamoto (2015) utiliza os dados da Avaliação Trienal dos Programas de Pós-graduação da CAPES/MEC (2001-2003)

dar ênfase a uma equidade ao que concerne todos os eixos e temáticas caras à formação profissional e a totalidade de núcleos de formação.

Esta é uma tendência que também se repete em nível de graduação e é aqui que se concentra a maior problemática do presente trabalho. A pesquisa de pós-doutoramento realizada por Maria Célia Correia Nicolau, intitulada “Os fundamentos na Formação Profissional no Serviço Social: redesenhando a sistematização teórico (da prática) na produção do conhecimento dos graduandos da UFRN”, revelou uma predisposição dos estudantes da graduação em Serviço Social da UFRN, a secundarizar as problemáticas que envolvem o exercício e a formação profissional em suas sistematizações teóricas (Relatório Finais de Estágio e Trabalhos de Conclusão de Curso).

Referente a isto, temos alguns pontos a serem refletidos: no que diz respeito aos Trabalhos de Conclusão de Curso, podemos notar que 63 (sessenta e três) documentos foram apresentados ao Departamento de Serviço Social da UFRN, em 2019. Quando se realiza um recorte semestral, isto é, tem-se: 38 (trinta e oito), em 2019.1 e 25 (vinte e cinco) em 2019.2. Desses 38 (trinta e oito) trabalhos apresentados em 2019.1, apenas 14 (quatorze) (36,84)% tiveram temáticas relacionadas à formação profissional e/ou sobre o exercício profissional: produção do conhecimento no Serviço Social; estágio supervisionado; e atuação profissional em diversos setores. Já no segundo semestre de 2019, foram apresentados 25 (vinte cinco) Trabalhos de Conclusão de Curso. Somente 6 (seis) (24%) trabalhos foram desenvolvidos envolvendo formação e exercício profissional. Os outros 19 (dezenove) (76%) envolveram outras temáticas.

Consoante a perspectiva crítica – na qual o projeto ético-político defende - os campos de investigação que se colocam a serem desvendados pelos graduandos em Serviço Social perpassam diversos núcleos de fundamentação, como já exposto anteriormente. O profissional necessita: ter conhecimento sobre o ser social e sua relação com a totalidade histórica, realizando as mediações entre singular-particular-universal e a realidade mundial e brasileira; conhecer o modo de ser capitalista e o próprio papel da profissão no processo de produção e reprodução das relações sociais; desvendar os movimentos que acontecem nos limites do Estado e de sua relação com a sociedade civil (instituições privadas empresariais), assim como, do surgimento e as sequelas provenientes da chamada Questão Social; estar apto a conhecer as transformações ocorridas na relação capital versus trabalho; assim como, os conteúdos específicos da profissionalização em Serviço Social. O conhecimento desses aspectos possibilita alcançar o entendimento do que é a profissão, seu significado social e quais são os objetivos do exercício profissional. De forma significativa, o conhecimento aparece como uma

das formas do desenvolvimento da capacidade humana de apreender e explicar a realidade nas suas diversas determinações (ABEPSS, 1996).

De acordo com Guerra (2009, p.3), é nesse processo que se “Reconhece e se enfatiza a natureza investigativa das competências profissionais. Mais do que uma postura, o caráter investigativo é constitutivo de grande parte das competências/atribuições profissionais” (GUERRA, 2009, p.3).

No percurso desta reflexão, podemos constatar o quanto é necessário um maior incremento, investimento e incentivo para os estudantes de graduação e de pós-graduação analisar a profissão em suas dimensões da formação e o exercício profissional, com o mesmo nível de atenção que recebem as demais temáticas, consideradas produções teóricas do Serviço Social para compreensão dos processos sociais da sociedade contemporânea. O processo investigativo e de conhecimento dos diversos núcleos de fundamentação da profissão fazem-se necessários, requerendo dos profissionais, docentes, pesquisadores e estudantes de Serviço Social uma postura crítica em relação à produção de conhecimento. Isto porque, verificamos, também, que as produções dos fundamentos teórico-metodológicos do serviço social, durante sua trajetória e intelectual, sobretudo nos últimos 30 anos da profissão, vem apresentando uma tendência a secundarizar os debates da formação, profissionalização, instrumentalidade e exercício profissional na graduação e na pós-graduação.

3 A SECUNDARIZAÇÃO DO DEBATE DA PROFISSÃO NAS SISTEMATIZAÇÕES