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2. FIGURAS EXONERATIVAS: IMUNIDADE, ISENÇÃO E NÃO-INCIDÊNCIA

2.3 IMUNIDADE

Os preceitos imunizatórios salvaguardam algo valioso para o Estado. Assim, as imunidades protegem valores sociais de natureza diversa, como os políticos, religiosos, educacionais, sociais e culturais, que de tão importantes, merecem proteção específica da Constituição Federal.

Cabe aqui trazer à baila as palavras de Luciano Amaro, que bem retratou a magnitude:

O fundamento das imunidades é a preservação de ‘valores’ que a Constituição reputa relevantes (a atuação de certas entidades, a liberdade religiosa, o acesso à informação, a liberdade de expressão etc.), que faz com que se ignore a eventual (ou efetiva) capacidade econômica revelada pela pessoa (ou revelada na situação), proclamando-se, independentemente da existência dessa capacidade, a não-tributabilidade das pessoas ou situações imunes.73

Para Aires F. Barreto e Paulo Ayres Barreto, as imunidades tributárias são balizas constitucionalmente postas ao exercício da competência tributária. Assim, alguns fatos, pessoas ou bens estão fora da área de competência tributária.74

Para Paulo de Barros Carvalho, um passo importante no estudo das imunidades tributárias é submeter “as cláusulas do conceito habitual ao teste da congruência lógica, perguntado do cabimento semântico de cada afirmação, à luz de seus desdobramentos sistêmicos”.75

72 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 4.ed. São Paulo: Editora Noeses, 2007, p. 324.

73 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 17.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 175.

74 BARRETO, Aires F.; BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades Tributárias: Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 2.ed. São Paulo: Dialética, 2001, p. 11-12.

Acrescenta que segundo tal conceito, aceito pelos estudiosos, a imunidade é vista da seguinte forma:

(...) como um obstáculo posto pelo legislador constituinte, limitador da competência outorgada às pessoas de direito constitucional interno, excludente do respectivo poder tributário, na medida em que impede a incidência da norma impositiva, aplicável aos tributos não vinculados (impostos), e que não comportaria fracionamentos, vale dizer, assume foros absolutos, protegendo de maneira cabal as pessoas, fatos e situações que o dispositivo mencione.76

Seguindo os seus passos, trazemos, em breves explanações, o isolamento e dessecamento que o mesmo faz do conceito de imunidade. Vejamos:

a) imunidade é uma limitação constitucional às competências tributárias:

Para Paulo de Barros o raciocínio não procede, pois não existe a outorga de prerrogativas com a sua posterior mutilação.

A regra imunizante é demarcatória de competência. Congrega-se às demais para produzir o campo dentro do qual as pessoas políticas haverão de operar de modo a colaborar no desenho constitucional da faixa de competência adjudicada às entidades tributantes.77

b) imunidade como exclusão ou supressão do poder tributário

Do mesmo modo que no item anterior, há que se dizer que a imunidade não subtrai competências tributárias, pois a competência tributária já nasce limitada.

Quanto a tal questão, o pensamento de Paulo de Barros Carvalho coaduna-se com o de Souto Maior Borges, eis que este último expressamente consigna:

(...) a imunidade não subtrai competência tributária, pois essa é apenas a soma das atribuições fiscais que a Constituição Federal outorgou ao poder tributante e o campo material constitucionalmente imune nunca pertenceu à competência deste. A competência já nasce limitada.78

c) Imunidade como providência constitucional que impede a incidência tributária – hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada

76 Ibid., p. 310.

77 Ibidem, p. 311.

Para o autor, nesta afirmação há um equívoco, uma vez que as regras de imunidade são normas de estrutura (prescrevem como outras normas devem ser produzidas, modificadas ou extintas), enquanto as de incidência são preceitos de conduta (prescrevem a conduta humana).

Para sustentar que não poderia ser de outra forma, o respeitado autor aduz que “seria incompreensível analisar a norma jurídica que cria o tributo e, portanto define a incidência, sem antes observar, atentamente, os canais que a Constituição elegeu para esse fim”79. E prossegue: “a afirmação leva a acreditar que a norma constitucional possa não incidir, o que é inaceitável.”.80

d) A imunidade é aplicável tão-somente aos tributos não-vinculados (impostos)

Paulo de Barros Carvalho categoricamente discorda de tal afirmação e acrescenta:

Sabemos que a forma de apurar o valor lógico dos enunciados descritivos da Ciência do direito é confrontá-los com o resultado da experiência; e o padrão empírico para os testes da dogmática é o exame do direito positivo: uma vez confirmados, serão tidos por verdadeiros; mas sempre que negados, considerar-se-ão falsos. Se assim é, bastaria o preceito constitucional estabelecido no art. 5º, XXXIV, a e b, para exibir a falsidade da proposição afirmativa, segundo a qual “a imunidade é aplicável tão- somente aos tributos não-vinculados (impostos).81

O autor exemplifica seu pensamento justamente com um caso que interessa ao presente estudo – artigo 195, parágrafo 7º –, vez que: (i) trata-se de imunidade e não de isenção; e (ii) versa sobre contribuição social82, de modo que a afirmação de que a imunidade apenas se aplica aos impostos não se sustenta.

e) A imunidade é sempre ampla e indivisível, não comportando fracionamentos

Para Barros Carvalho dizer que as imunidades são amplas e indivisíveis e que não comportam fracionamentos é discorrer sem compromisso, sem precisão científica.83

79 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 2.ed. São Paulo: Editora Noeses, 2008, p. 316.

80 Ibid., p. 317. 81 Ibid., p. 320. 82 Ibid., p. 319. 83 Ibid., p. 322.

Complementa seu raciocínio justificando que quando o legislador constitucional subordina o desfrute da imunidade à observância de requisitos previstos em lei, há fracionamento.84

2.3.1 Conceitos de Imunidade Tributária

Após formular o raciocínio resumidamente dantes explanado, Paulo de Barros Carvalho traça seu conceito de imunidade tributária:

(...) classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição da República, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas. 85

Com essa definição, crê o autor que ficam bem acentuadas as linhas básicas da figuras necessárias ao raciocínio jurídico.

Vejamos as linhas básicas do conceito:

a) É uma classe finita e imediatamente determinável: um grupo que, a qualquer momento, pode ser determinado nas suas várias unidades. Ou seja, a finitude é traço diferencial importante. Quando menciona finitude, esclarece tratar-se daquelas explicitadas na Constituição Federal.

b) Trata-se de normas jurídicas: ao indicar que as imunidades são normas jurídicas, se está afastando as vedações tácitas.

c) Contidas no texto da Constituição da República: tão somente aquelas que irromperem do próprio texto da Lei Fundamental guardarão a fisionomia jurídica de normas de imunidade. d) E que estabelecem, de modo expresso, a ordem para o legislador no sentido de proibi- lo de instituir tributo.

e) Para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas: para que fique delineado o perfil do instituto, cabe observar a necessidade de que a situação esteja tipificada.

84 Ibid., p. 323.

Na mesma linha de Paulo de Barros Carvalho, Aires F. Barreto e Paulo Ayres Barreto observam:

(...) não é correto dizer que a imunidade é parte subtraída da competência tributária. Em verdade, competência tributária é o campo existente sem invasões da área imune. Ao atribuir competência tributária, a Constituição circunscreve o âmbito de validade das normas tributárias, de modo a que não possam alcançar as áreas imunes.86

Trata-se, pois, a imunidade, de regra que (i) dispõe acerca da construção de outras regras; (ii) frequenta o patamar hierárquico da Constituição Federal; e (iii) opera no plano da definição da competência. Não cuida da problemática da incidência, mas sim atua em instante que lhe antecede – o da competência.

Em outras palavras, colabora para traçar a área de competência das pessoas titulares de poder político. Assim, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios podem eleger como fatos tributáveis somente aqueles que não se enquadrem no conceito delimitado pelos dispositivos sobre as imunidades.

Há, pois, uma blindagem constitucional de certos fatos eleitos pela Constituição Federal.