• Nenhum resultado encontrado

Interpretação finalística do preceito contido no § 7º, art 195 da CF

4. EFETIVIDADE DO PARÁGRAFO 7º, ARTIGO 195, DA CONSTITUIÇÃO

4.4 Interpretação finalística do preceito contido no § 7º, art 195 da CF

Passemos então à análise da questão sob o enfoque da interpretação finalística do preceito contido no artigo 195, parágrafo 7º, da Constituição Federal.

Como dantes citado, as imunidades protegem algo importante para o Estado, que por isso os coloca sob a guarda da Constituição Federal. Tal raciocínio encontra amparo nas palavras de Sacha Calmon Navarro Coelho, segundo o qual “teleologicamente a imunidade liga-se a valores caros que pretende sejam duradouros, enquanto a isenção veicula interesses mais comuns, por si só mutáveis.”214.

Nos dizeres de Aires F. Barreto e Paulo Ayres Barreto, o artigo 195, parágrafo 7º da Constituição Federal tencionou dar condições financeiras para que as entidades assistenciais coadjuvassem o Estado na tentativa de realização do bem comum.215

Cabe trazer à baila o perene magistério de Rudolf Von Jhering, em sua obra “A finalidade do direito” – que assim afirma:

Tudo o que brota sobre o solo do direito, nasceu através de sua finalidade e em função de sua finalidade. Todo o direito outra coisa não é, senão uma única criação teleológica, ressalvando-se que a maior parte dos atos criadores recuam até um longínquo passado, tão longínquo que a humanidade não consegue lembrá-los. É objeto da ciência reconstruir, tanto em relação à formação da crosta terrestre, como em relação à história formativa do direito, os reais fenômenos, e o meio para isso lhe é dado pela finalidade. Para quem não se esquiva da busca e da reflexão, em nenhum campo é tão certa a descoberta da finalidade como no âmbito do direto – buscá-la é a suma missão da ciência jurídica, tanto no que diz respeito à dogmática, quanto à história do direito.216

(destaques nossos)

Sendo assim, é crível inferir que a prioritária interpretação da imunidade do artigo 195, parágrafo 7º, da Constituição Federal, há de levar em conta o objetivo para o qual tal preceito constitucional foi erigido. Imbuídos deste objetivo é que invocamos os valiosos ensinamentos Norberto Bobbio, explanados na obra intitulada “Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito”, que contém diversos estudos com um ponto em comum: a abordagem da função “promocional” do direito.

214 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria Geral do Tributo e da Exoneração Tributária. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1982, p. 124.

215 BARRETO, Aires F; BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades Tributárias: Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 2.ed. São Paulo: Dialética, 2001, p. 105.

216 JHERING, Rudolf von. A finalidade do direito. Trad. Heder K. Hoffmann. 2 vols. Campinas: Bookseller Editora e Distribuidora, 2002, p. 293-294.

Segundo Bobbio, a noção do direito como agente promocional é necessária para a compreensão da passagem do Estado “garantista” para o Estado “dirigista”.217

Vale aqui transcrever as palavras do próprio autor sobre o que vem a ser “função promocional” do direito. Confira-se:

Entendo por ‘função promocional’ a ação que o direito desenvolve pelo instrumento de ‘sanções positivas’, isto é, por mecanismos genericamente compreendidos pelo nome de ‘incentivos’, os quais visam não impedir atos socialmente indesejáveis, (...) mas, sim, a ‘promover’ a realização de atos socialmente desejáveis.218

O estudo que inaugura o livro de Norberto Bobbio, dantes citado, recebe como título “A função promocional do direito”, onde o jurista inicia suas elucidações tecendo considerações que bem nos aproveitam, vez que dizem respeito ao Estado de Bem-estar (Welfare State). Vejamos:

Dando segmento à profunda transformação que em todos os lugares deu origem ao Welfare State, os órgãos públicos perseguem os novos fins propostos à ação o Estado mediante novas técnicas de controle social, distintas daquelas tradicionais.219

Com efeito, enquanto o Estado Liberal se valia das técnicas tradicionais de desencorajamento, o Estado de Bem-estar faz uso das técnicas de encorajamento220. Para bem elucidar a situação, vale dizer que o encorajamento pode dar-se das seguintes formas: “a) comandos reforçados por prêmios; b) comandos reforçados por castigos; c) proibições reforçadas por prêmios e d) proibições reforçados por castigos”.221

Assim, é evidente que as imunidades estão inseridas nos comandos reforçados por prêmios. Contudo, por serem empregadas de maneira mais reforçada hodiernamente, encontramos resistência, e, por vezes, incompreensão quanto à aplicação desta técnica, eis que estranha à teoria tradicional do direito, onde o direito e a coação são indissolúveis. Aliás, ainda na teoria geral do direito contemporâneo é dominante a concepção repressiva deste.222

Desta feita, em texto intitulado “Em direção a uma teoria funcionalista do direito”, do mesmo livro dantes citado, Bobbio nos explica que, nos últimos cinquenta anos, a teoria do

217BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Trad. Daniela Beccaccia Versiani. Barueri: Manole, 2007, prefácio, p. XII.

218 Ibid., p. XII. 219 Ibid., p. 2. 220 Ibid., p. 2. 221 Ibid., p. 6. 222 Ibid., p. 7.

direito tem seguido muito mais as sugestões estruturalistas do que funcionalistas, ou seja, “aqueles que se dedicaram à teoria geral do direito se preocuparam muito mais em saber ‘como o direito é feito’ do que ‘para que o direito serve’. A conseqüência disso foi que a analise estrutural foi levada muito mais a fundo do que a analise funcional.”.223

Contudo, para Bobbio, a função do ordenamento jurídico não deve ser meramente instrumental (servir a um determinado fim), mas sim ir além e ser um instrumento para atingir determinados fins.224 Confiram-se suas palavras ao sintetizar seu pensamento a respeito da função promocional do direito:

A função de um ordenamento jurídico não é somente controlar os comportamentos dos indivíduos, o que pode ser obtido por meio da técnica das sanções negativas, mas também direcionar os comportamentos para certos objetivos preestabelecidos. Isso pode ser obtido, preferivelmente, por meio da técnica das sanções positivas e dos incentivos.225

Ora, entendemos que é exatamente neste contexto que a imunidade de contribuições para a seguridade social se insere. Ou seja, num modelo estatal de Estado de Bem-Estar, onde, com o fito de incrementar a assistência social, que se afigura como um dos seus pilares, incentiva que particulares exerçam atividade de assistência social, incentivando-os com a imunidade de contribuições para a seguridade social.

Mais uma vez destacamos que, por ser a assistência social destinada a prover amparo aos carentes, ou seja, àqueles que não têm capacidade de contribuir para a previdência social, a Constituição Federal intentou, com a imunidade de contribuições para a seguridade social, atrair o particular para as atividades da assistência social.

Ademais, justamente por cuidar daquele que não pode pagar, a assistência social exerce menor atratividade sobre o particular, de modo que, sabiamente, a Constituição Federal engendrou uma forma de aproximar o particular para tal área de atividade.

Diante deste contexto, nos cumpre relembrar as considerações tecidas na parte inicial do Capitulo II deste trabalho, a respeito da figura da extrafiscalidade, e trazer novamente à baila os ensinamentos do mestre Aliomar Baleeiro, esclarecendo:

(...) quando os impostos são empregados como instrumento de intervenção ou regulação pública, a função fiscal propriamente dita, ou ‘puramente

223 Ibid., p. 53-54.

224 Ibid., p. 57. 225 Ibid., p. 79.

fiscal’, é sobrepujada pelas funções ‘extrafiscais’. A sua técnica é, então, adaptada ao desenvolvimento de determinada política, ou diretriz.226

O grande jurista prossegue e expressamente situa as imunidades e isenções no universo da extrafiscalidade, lecionando que quando se pretende uma intervenção através de processos tributários, é possível valer-se das imunidades e isenções, discriminando, para esse fim, as coisas, fatos ou atividades que deseja preservar e encorajar.227

Imperioso também, ao falar-se em extrafiscalidade, citar o magistério de Alfredo Augusto Becker, para quem os tributos não deverão ser mero instrumento de arrecadação de recursos, mas de um instrumento de intervenção estatal no meio social e na economia privada228. O tributarista antevia que “na construção de cada tributo não mais será ignorado o finalismo extrafiscal, nem será esquecido o fiscal. Ambos coexistirão (...)”.229

Arrematando a linha de raciocínio ora tecida, invocamos as palavras de José Cassalta Nabais, professor da Faculdade de Direito de Coimbra, que, embora tenha como foco um objeto de estudo um tanto diverso do pretendido no presente trabalho, nos aproveita, eis que relaciona a solidariedade social e a extrafiscalidade com o Estado de Bem-estar. Confira-se:

Mas, ao lado da solidariedade social engendrada pela fiscalidade, isto é, pelo direito fiscal dominado pela obtenção de receitas fiscais, temos a solidariedade social suportada pela extrafiscalidade, isto é, pelo direito fiscal ao serviço da realização imediata ou direta de objetivos de natureza econômica ou social. (...)

Pois bem, como repetidamente vimos afirmando, a extrafiscalidade, que ganhou especial importância com o advento do Estado social, no qual se tornou um fenômeno normal, embora em abstrato se concretize tanto em impostos extrafiscais como em benefícios fiscais, na prática em virtude da raridade de verdadeiros impostos extrafiscais, reconduz-se à concessão de benefícios fiscais. E, sendo os benefícios fiscais, por via de regra, guiados por objetivos relativos à prossecusão de resultados econômicos e sociais,compreende-se que os mesmos integrem mais o direito econômico fiscal do que o direito fiscal clássico ou direito fiscal tout court.230

(grifos nossos)

226 BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à Ciência das Finanças. 14.ed. rev. e atual. por Flávio Bauer Novelli. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 176.

227 Ibid., p. 177.

228 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 4.ed. São Paulo: Editora Noeses, 2007, p. 623.

229 Ibid., p. 624.

230 NABAIS, José Cassalta. Solidariedade social, cidadania e direito fiscal. In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (Coord.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 132-133.

Ou seja, se o direito existe para se realizar, a prioritária interpretação da imunidade contida no artigo 195, parágrafo 7º, da Constituição Federal, há de levar em conta o objetivo para o qual tal preceito constitucional foi erigido, no caso, o amparo aos carentes. Afinal, a função dos tributos extrapola os fins arrecadatórios e constitui mecanismo de intervenção estatal no meio social. É com vistas a tais aspectos que a imunidade do artigo 195, parágrafo 7º, da Constituição Federal, há de ser interpretada.

Pois bem, cremos que as considerações até agora tecidas sejam suficientes para encerrar este tópico do trabalho e nos direcionar à conclusão do estudo.