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O INDÍGENA NO BRASIL: BREVE ESBOÇO HISTÓRICO A abordagem da formação da sociedade brasileira, neste tópico

2 OS DIREITOS INDÍGENAS E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA Neste capítulo, a ênfase dada é sobre os direitos dos povos

2.1 O INDÍGENA NO BRASIL: BREVE ESBOÇO HISTÓRICO A abordagem da formação da sociedade brasileira, neste tópico

específico, tem como fonte principal a obra, Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freyre (2006).

Em 1532, a sociedade brasileira iniciou sua organização econômica e civil, tendo como referência as cidades de São Vicente, hoje denominada São Paulo, e Pernambuco e como principal fonte de subsistência a agricultura e a colonização portuguesa. Vários fatores contribuíram na sua formação, a seguir apresentados.

Inicialmente, os fatores mais relevantes foram a mobilidade e a miscibilidade. A mobilidade foi um dos segredos da vitória portuguesa, conseguindo salpicar a sua cultura e sangue às populações tão diversas e distantes. Outro fator importante foi a miscibilidade, que se deu em razão da mistura do português com mulheres negras, multiplicando os filhos mestiços. A aclimatabilidade também foi outro fator de destaque, pois os portugueses revelaram aptidão para se aclimatarem em regiões tropicais.

É certo que através de muito maior miscibilidade que os outros europeus: as sociedades coloniais de formação portuguesa têm sido todas híbridas, umas mais, outras menos. No Brasil, São Paulo e Pernambuco, os dois grandes focos de energia criadora nos primeiros séculos de colonização, os paulistas no sentido horizontal, os pernambucanos no vertical – a sociedade capaz de tão notáveis iniciativas como as bandeiras, a catequese, a fundação e a consolidação da agricultura tropical, as guerras contra os franceses no Maranhão e contra os holandeses em Pernambuco, foi uma sociedade constituída com pequeno número de mulheres brancas e larga e profundamente mesclada de sangue indígena (FREYRE, 2006, p. 73).

Verifica-se que de formação portuguesa a sociedade brasileira foi a primeira sociedade moderna constituída nos trópicos, com características nacionais e qualidades de permanência.52

O sistema de alimentação igualmente foi fator importante, o português teve que mudar radicalmente o seu sistema alimentar, déficit do trigo para a mandioca. No Brasil, da época do descobrimento, tudo era desequilíbrio. Grandes excessos e grandes deficiências, comuns em uma nova terra que estava sendo descoberta. Foi num quadro de condições físicas adversas, que exigiu o esforço civilizador dos portugueses nos trópicos. “O colonizador português do Brasil foi o primeiro entre os colonizadores modernos a deslocar a base da colonização tropical da pura extração de riqueza mineral, vegetal ou animal – o ouro, a prata, a madeira, o âmbar, o marfim- para a de criação local de riqueza” (FREYRE, 2006, p. 79).

52 “O português não: por todas aquelas felizes predisposições de raça, de mesologia e de cultura a que nos referimos, não só conseguiu vencer as condições de clima e de solo desfavoráveis ao estabelecimento de europeus nos trópicos, como suprir a extrema penúria de gente branca para a tarefa colonizadora unindo-se com mulher de cor. Pelo intercurso com a mulher índia ou negra multiplicou-se o colonizador em vigorosa e dúctil população mestiça, ainda mais adaptável do que ele puro ao clima tropical. A falta de gente, que o afligia, mais do que a qualquer outro colonizador, formando-o à imediata miscigenação- contra o que não o indispunham, aliás, escrúpulos de

raça, apenas preconceitos religiosos - foi para o português vantagem na sua obra de conquista e colonização dos trópicos. Vantagem para a sua melhor adaptação, senão biológica, social (FREYRE, 2016, p. 74-75).

O colonizador português importou um novo tipo de colonização: a colônia de plantação, caracterizada pela base agrícola e pela permanência do colono na terra, em vez de seu fortuito contato com o meio e com a gente nativa.

No Brasil dessa época, a ação oficial do Estado era praticamente inexistente e a colonização particular é que ocasionou a miscigenação entre brancos, negros e indígenas, com base na agricultura fundiária e na escravidão, tornando possível, sobre tais alicerces, a fundação e o desenvolvimento de grande e estável colônia agrícola nos trópicos (FREYRE, 2006, p. 80).

Desde o século XVI, a família foi o grande fator colonizador no Brasil, a unidade produtiva, o capital que contribui na aquisição de terras, escravos e animais, a força social que se desdobra em política, constituindo-se na aristocracia colonial mais poderosa da América.53

Elementos, a começar pelo cristianismo liricamente social, religião ou culto de família mais do que de catedral ou de igreja, todos esses elementos viriam em vantagem a favorecer a colonização, repousando na família escravocrata, da casa-grande, da família patriarcal e principalmente da senzala.

Como se infere da lição de Freyre (2006, p. 85):

A nossa verdadeira formação social se processa de 1532, tendo a família rural ou semi-rural por unidade, famílias constituídas do reino ou constituídas pela união de colonos com mulheres caboclas ou com moças órfãs ou mesmo à toa, mandadas vir de Portugal pelos padres casamenteiros. [...] Vivo e absorvente órgão da formação social brasileira, a família colonial reuniu, sobre a base econômica da riqueza agrícola e do trabalho escravo, uma variedade de funções sociais e econômicas, inclusive a do mando político: o oligarquismo ou nepotismo.

53 “Os senados de Câmara, expressões desse familismo político, cedo limitam o poder dos reis e mais tarde o próprio imperialismo ou, antes, parasitismo econômico, que procura estender o reino às colônias os seus tentáculos absorventes. [...] O português trazia mais a seu favor, e a favor da colônia nova, toda a riqueza e variedade de experiências acumuladas durante o séc. XV na Ásia, na África, na Madeira e em Cabo Verde. Conhecimento de plantas úteis, alimentares” (FREYRE, 2006, p. 81, 84).

Percebe-se que a família, com características rurais e com base agrícola, foi elemento forte na colonização portuguesa. Devido às condições da época, a estabilidade patriarcal da família, a regularidade do trabalho por meio da escravidão, a união do português com a mulher índia, possibilitou a incorporação da cultura econômica e social do invasor. Formou-se na América tropical uma sociedade agrária, com estrutura escravocrata, utilizando-se da técnica de exploração econômica híbrida de índio e mais tarde do negro, na composição da sociedade brasileira (FREYRE, p. 2006, p. 65).

Nesse processo de formação da sociedade brasileira também houve a participação intensa dos jesuítas, principalmente do seu sistema uniforme de educação e de moral sobre a sociedade colonial dos séculos XVI e XVII. Esses religiosos contribuíram para articular como educadores, o que eles próprios dispersavam como catequistas e missionários.

O Brasil formou-se com a despreocupação dos seus colonizadores, tanto da unidade quanto a pureza de raça. A colônia esteve escancarada a estrangeiros, só importava às autoridades coloniais que fossem de fé ou religião católica. Freyre citando Sílvio Romero, diz que “no Brasil foram o catecismo dos jesuítas e as Ordenações do Reino que garantiram desde os primórdios a unidade religiosa e a do direito” (2006, p. 92).

Na sociedade brasileira, a questão da alimentação também sofreu influências, devido ao mau regime alimentar decorrente da monocultura. “A mesma economia latifundiária e escravocrata que tornou possível o desenvolvimento econômico do Brasil, sua relativa estabilidade em contraste com as turbulências nos países vizinhos, envenenou-se e perverteu-o nas suas fontes de nutrição e de vida” (FREYRE, 2006, p. 96).

Evidencia-se que, na formação da sociedade brasileira, houve forte influência da cultura europeia, mas com adaptação em alguns aspectos, isto é, à realidade brasileira já existente, o contato com o indígena preexistente e com o africano - os escravos. A vinda dos jesuítas ao Brasil, com o seu sistema jesuítico com bases no modelo europeu de cultura moral e intelectual, agindo sobre as populações indígenas que já possuíam suas crenças e valores, também foi outro ponto de divergência e de adaptações pouco convencionais.

Percebe-se que no processo de formação da sociedade brasileira sempre esteve presente, em alguns pontos, o equilíbrio, em outros, os antagonismos.

Antagonismos de economia e de cultura. A cultura europeia e a indígena. A europeia e a africana. A africana e a indígena. A economia agrária e a pastoril. A agrária e a mineira. O católico e o herege. O jesuíta e o fazendeiro. O bandeirante e o senhor do engenho. O paulista e o emboaba. O pernambucano e o mascate. O grande proprietário e o pária. O bacharel e o analfabeto. Mas predominando sobre todos os antagonismos, o mais geral e o mais profundo: o senhor e o escravo. (FREYRE, 2006, p. 116).

Esse processo de antagonismos na formação da sociedade brasileira ainda exerce muita influência nos tempos atuais, porque “tomando em conta tais antagonismos de cultura, a flexibilidade, a indecisão, o equilíbrio ou a desarmonia deles resultantes, é que bem se compreende o especialíssimo caráter que tomou a colonização no Brasil, a formação sui generis da sociedade brasileira, igualmente equilibrada nos seus começos e ainda hoje sobre antagonismos” (FREYRE, 2006, p. 69).