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Indústria Cultural e Cultura de Massa

Com o surgimento e a rápida evolução do meio digital como ferramenta de comunicação cotidiana, cada vez mais, as mídias digitais desempenham papel importante na produção e na divulgação de diversos artistas. Com a popularização de novas ferramentas e plataformas [celulares, tablets], avança-se em direção a diversas formas técnicas e novas possibilidades poéticas, o que exige constantes adaptações do usuário. Essa característica marcante da cultura midiática define um novo campo de estudo das comunicações contemporâneas além das imaginadas pela escola de Frankfurt. As possibilidades abertas pelo digital aumentaram de forma extraordinária as probabilidades técnicas na mão do artista. A tecnologia utilizada pelos Beatles, por exemplo, para a gravação do seu famoso “Álbum Branco” era limitada, se comparada a qualquer computador doméstico, mas, vale ressaltar, que a amplificação das possibilidades técnicas não garantem o potencial criativo ou comunicativo. Como “imigrante digital”, meu olhar focado nas redes sociais, além de ampliar meu aprendizado e minha adaptação como artista e pesquisador da cultura digital, procura uma forma de transformar esse modelo fechado, com limitações para o usuário em um espaço aberto para o surgimento do discurso poético, para a efetivação da comunicação [no sentido de ser transformadora].

A visão da ação poética como ferramenta para a efetividade da comunicação, se procurada em textos sagrados ou na poesia lírica, envolveria um argumento talvez mais fácil de defender e comprovar. Interrogando o poético na comunicação, no universo das redes sociais, então, como pesquisador, mergulho em um ambiente

mais escorregadio, que envolve a relação da Indústria Cultural com a Cultura de Massa.

Os conceitos desenvolvidos pelos filósofos da Escola de Frankfurt envolveram, em um primeiro momento, as modificações causadas pelo rádio e pelo cinema, as quais passaram a fazer parte do cotidiano das massas de maneira radical a partir do início do século XX. Preocupados com o “poder do rádio” e com o movimento operário que foi seduzido pelo discurso fascista dirigido às massas pelo rádio, não é de se espantar que os filósofos de Frankfurt temessem o uso do cinema e da televisão. A pergunta continua atual: Será que a humanidade, com a possibilidade de comunicação ampliada por novos meios, em vez de ingressar em uma situação verdadeiramente “comunicativa”, vai reproduzir um novo tipo de automatismo expressivo?

Como sistema de estandardização e racionalização das técnicas de comunicação, a indústria cultural possui seus produtos determinados pelo consumo da massa e a cultura é transformada em mercadoria, por isso não existe espaço para a exceção, pois o modelo é único. Nessa exigência da padronização para a comunicação de massa, o uso da ferramenta de comunicação [com suas regras e modelos preestabelecidos] limita a expressão. Conforme MARCONDES FILHO (2011, p. 23), “do ponto de vista político, ela acaba funcionando como um meio conformista, ao afirmar o existente, ao perenizar o status quo como único real e possível.”.

Desde o início, quando definiram o termo Kulturindustrie, Theodor Adorno e Max Horkheimer não se referiam ao rádio ou à televisão em si, e, sim, ao uso que o capitalismo e as estruturas de poder dariam a essas tecnologias, eles se preocupavam, sobretudo, com os efeitos na construção do imaginário social, ou seja, na construção de nossa identidade, isso porque as produções culturais e, até, a intelectual passam a ser guiadas pela possibilidade de consumo mercadológico [sociedade de consumo]. Existem muitas dificuldades metodológicas, já apontadas por diversos estudiosos, para a delimitação do conceito de massa, por isso vamos trabalhar com a ideia de cultura industrial apontada pela teoria crítica e do conceito de cultura de massa trataremos mais à frente com as definições de Edgar Morin.

“Se a tendência social objetiva da época se encarna nas intenções subjetivas dos supremos dirigentes, são estes os que originalmente integram os setores mais

potentes da indústria.”, ADORNO e HORKHEIMER (1990, p. 161). Aqui, verifica–se uma tendência, no sentido de apresentar a indústria cultural como produto de uma sociedade fruto do capitalismo, cujo traço maior seria a produção da alienação e a modificação técnica da produção artística em função do comércio. De acordo com MARCONDES FILHO (2011, pág. 27),

Do ponto de vista moral, os críticos sugerem uma efetiva trapaça que essa indústria promoveria: ela interessa-se pelas necessidades legítimas das pessoas, mas lhe propõe uma satisfação amarrada na publicidade e na compra de mercadorias, os grandes dilemas resolvem-se com bugigangas de consumo, as pessoas e suas necessidades não são efetivamente levadas a sério. Mas diferente da interpretação clássica que se faz dessa Escola, isso não é um bloco fechado, nada disso é sem saída: sobrevive sempre a possibilidade de uma subjetividade enquanto “teologia invertida”, há sempre espaço para o não idêntico.

Walter Benjamin é o representante da Escola de Frankfurt mais sintonizado com a incorporação da técnica à arte e à cultura e com o reaproveitamento produtivo [político] das inovações tecnológicas de seu tempo, a criação de objetos artísticos em série. A “arte no tempo da reprodutibilidade técnica”, segundo Benjamin, trouxe uma profunda mudança na natureza estética da obra de arte: uma dessas transformações é que a ela deixa de ser individual e passa a ser coletiva, assim como a vivência estética que sai do sujeito e torna-se um fenômeno de massas, levando as pessoas a se desacostumarem com a subjetividade, pois meios massivos produzem efeitos massivos. O quadro abaixo foi criado para essa pesquisa retirando elementos apontados por Benjamin em seu texto A obra de arte

no tempo da reprodutibilidade técnica, entre a obra de arte em um passado pré-

capitalista e a obra de arte fruto da sociedade capitalista.

Capitalismo Passado pré-capitalista

Unidade (padronização) Sujeito à forma Ar de semelhança Negócio, ideologia Poder do capital Necessidades iguais Produção em série Produtos estandardizados Absolutismo à imitação Amusement (divertimento) Liberdade do sempre igual

Diversidade Pessoal (multiforme) Estilo verdadeiro orgânico Desconfiança com o estilo

Falência da identidade Aura, respeito

Palavra e conteúdo eram unidos entre si Autenticidade

Importante analisar, retornar aos conceitos de Adorno, Benjamin e Horkheimer, não como uma visão absoluta, associando-os sempre a uma visão apocalíptica, nem somente como consequência histórica da visão de uma geração marcada pela guerra e por profundas mudanças sociais. Os conceitos de indústria cultural, aura, cultura de massa, são um retrato não de um tempo e, sim, de um complexo sistema social e cultural, seu modelo de análise Marxista, que separa, em uma relação de causa e efeito, grandes produtores e a massa, serve como moldura para identificar intenções e ideologias dentro de políticas públicas e interesses econômicos pessoais, entretanto não pode aparecer como absoluta. Em tempos de pensamento sistêmico, é necessário falar de causas e efeitos, efeitos e efeitos e de novas causas e rever constantemente os conceitos. Nesse sentido, alguns teóricos e pesquisadores da comunicação se somaram em relação à teoria crítica, como as pesquisas referentes à hipótese da agenda setting, o conceito de meio como mensagem de Marshall McLuhan e o de colonização vertical desenvolvido por Edgar Morin, a fim de compreender as modificações causadas nas comunicações humanas pelo universal digital.

Demonstrando na Teoria do Agendamento [Agenda-setting theory] que a mídia determina a pauta [agenda] para a opinião pública, destacando determinados temas e preterindo ou ignorando outros tantos, causando, assim, um efeito na construção da “realidade simbólica” da sociedade, os pesquisadores Maxwell McCombs e Donald Shaw [pioneiros nessa pesquisa do agendamento] confirmam que a mídia possui a capacidade de influenciar a projeção dos acontecimentos na opinião pública, estabelecendo um pseudoambiente fabricado e montado pelos meios de comunicação. O estudo da agenda setting ajuda a evidenciar onde os interesses econômicos, políticos e sociais ficam mais evidentes. Não é "o que pensar", mas "em que pensar" onde a mídia interfere. A mídia constrói imagens públicas, centra nossa atenção em certas questões, apresenta constantemente objetos que sugerem em que deveríamos pensar, o que deveríamos saber e como deveríamos ser. Assim diz WOLF (2008, p. 151): “O estudo sobre a capacidade diferencial de agenda dos diversos meios de comunicação de massa permite também articular diversas qualidades de influência.”.

Reconhecer a existência da Agenda Setting não significa concordar que a imprensa com a mídia possui poderes absolutos e uma capacidade de manipular e

conduzir as pessoas de um lado para o outro, de acordo com seus caprichos e interesses, como se o público fosse uma manada sem cérebro. A “massa” continua a desafiar os prognósticos de que é totalmente manipulada, as pessoas continuam acompanhando o que os jornais e a tevê dizem, formulam juízos próprios, mas seguem pautando suas conversas a respeito dos temas determinados pela mídia e vice-versa, pois é a frequência de uso uma indicação para os produtores de conteúdo. Ainda de acordo com WOLF (2008, p. 166), “Os meios de comunicação de massa, portando, tematizam dentro dos limites que eles mesmos não definem, num território que eles não delimitam, mas que simplesmente reconhecem e começam a cultivar”.

Para os filósofos da teoria crítica e os pesquisadores da Agenda Setting, a indústria cultural e seus veículos são instrumentos passíveis de serem usados tanto para o esclarecimento como para a manipulação [embotamento] de seus receptores, sendo decisiva a ideologia responsável pela elaboração desses produtos culturais e seu uso. Nesse sentido, em um primeiro momento, não é a subversão do meio e sim seu bom uso; o problema é abordado sob o ponto de vista do conteúdo das mensagens divulgadas por esses meios.

Outra forma de pensar, apontada por McLuhan, foca a natureza dos meios e não o conteúdo de suas mensagens, tirando do centro a análise ideológica do fenômeno e privilegiando uma análise da natureza específica de cada meio, seus aspectos ditos técnicos e expressivos. Os próprios meios são a causa e o motivo das estruturas sociais. Nesse sentido, são entendidos como “extensões do homem”. Quando desenvolve o conceito do “meio como mensagem”, aponta o meio como configurador e controlador da forma das ações humanas, tirando o foco da mensagem [objeto do olhar de Adorno, Horkheimer e da agenda setting] e voltando a análise para o meio e a matriz cultural em que o meio atua. Conforme MCLUHAN, (2007, p. 21),

O meio é a mensagem, isso apenas significa que as consequências sociais e pessoais de qualquer meio – ou seja, de qualquer uma das extensões de nós mesmos – constituem o resultado do novo estalão introduzido em nossas vidas por uma nova tecnologia ou extensão de nós mesmos.

Embora existam, na frente das ferramentas técnicas, usuários que agem e reagem a ideias, projetos sociais e utopias, por trás [em sua elaboração e difusão], existem interesses econômicos e estratégias de poder para a comercialização

dessas ferramentas. Nessa direção, a ideia de uma Aldeia Global16 e suas consequências nas comunicações cotidianas, ao mesmo tempo em que é libertadora, é apavorante. Com estreitas relações econômicas, políticas e sociais, os frutos da evolução das Tecnologias da Informação e Comunicação [TICs], ao mesmo tempo em que possibilitam o fim da distância e a abertura para a comunicação, podem transformar-se em instrumentos de controle e invasão. A ideia da aldeia global praticamente se concretiza na atualidade com a comunicação bidirecional proporcionada pelo celular, pela internet e pela tevê digital. Essa profunda interligação entre todas as regiões do globo pode originar uma poderosa teia de dependências mútuas que pode promover, tanto a solidariedade como a exploração. Além disso, partindo da ideia de que o mundo está, de fato, interconectado, desta aldeia nascem muitas formas de exclusão.

No caso do universo digital, não podemos afirmar que ele seja o espaço da diferença da inclusão e da diversidade, isso seria ignorar toda uma população excluída dessa rede. Também, em um primeiro olhar, não parece o espaço do indivíduo, da “identidade”, já que seu público consumidor integra uma elite com poder de compra, que consome produtos normalmente destinados à “cultura de massa”, ou seja, homogeneizados. Como ferramenta do sistema e da cultura dominantes, a ferramenta digital serve prioritariamente à cultura influente.

A ideia da globalização das ferramentas de comunicação, além de alimentar estruturas econômicas, reduz a expressão aos limites impostos por modelos determinados pela nova plataforma. O desenvolvimento de ferramentas tecnológicas por si só não me permite sair da condição de passageiro para a de condutor, ator da transformação social. A possibilidade existe, tanto os filósofos da escola de Frankfurt como McLuhan acreditavam nisso, embora também reconhecessem a possibilidade do embotamento do usuário. Assim diz MCLUHAN (2007, p. 37):

Que os nossos sentidos humanos, de que os meios são extensões, também se constituem em tributos fixos sobre as nossas energias pessoais e que também configuram a consciência e experiência de cada um de nós pode ser percebido naquela situação mencionada pelo psicólogo C. G. Jung: Todo romano era cercado por escravos. O escravo e a sua psicologia inundaram a Itália antiga, e todo romano se tornou interiormente – e claro inconscientemente – um escravo.

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Conceito criado na década de 60 por McLuhan, que corresponde a uma nova visão do mundo possível por meio do desenvolvimento das modernas tecnologias de informação e de comunicação que abolem as separações geográficas.

Para o cientista canadense, o efeito de um meio se torna mais forte e intenso, justamente porque o seu “conteúdo” é outro meio, o conteúdo de uma peça de teatro é uma história de amor, por exemplo. Analisando a mensagem ou o meio, o problema continua o mesmo: a mesma técnica que serve de controle também serve de expressão, limitando a criatividade e sempre determinando modelos em suas possibilidades de comunicação, obtendo lucros, estabelecendo posicionamentos sociais e definindo grande parte de nosso imaginário. Conforme MORIN (1977, p. 28), “A contradição invenção-padronização é a contradição da cultura de massa. É seu mecanismo de adaptação ao público e de adaptação do público a ela”.

Edgar Morin consolida o conceito dos produtos massivos como cultura. Em seu livro Cultura de massa no século XX, validou a produção cultural com fins lucrativos e a relação da cultura de massa com as outras culturas, popular, erudita, religiosa etc. Acompanhando as normas capitalistas, a indústria cultural, apontando para uma cultura global, “penetra na grande reserva da alma humana”, conforme afirma MORIN (1997, p. 13), efetivando, assim, mais um modelo de colonização, a “colonização vertical”. Diferente da primeira forma de colonização que era dada, principalmente pela ocupação territorial, a segunda ocupa o território do imaginário e, com sua força aglutinadora e homogeneizadora, leva ao “sincretismo” cultural, por isso a cultura de massa é uma ameaça a outras, porque leva a uma cultura “média”, a um conhecido médio. É o achatamento das outras culturas que forma essa nova cultura híbrida, sincrética, por isso Morin conclui, afirmando que a cultura de massas contribui para enfraquecer todas as instituições intermediárias, família, classes sociais, para constituir um aglomerado de indivíduos [a massa]. Dentro desse plano, o poder da mídia sobre a sociedade é visto como relativo e Morin reconhece que esta também contribui na formação da cultura de massa, mas não é determinante, tampouco autônoma.

Hoje em dia, é difícil identificar um “senhor da indústria”. Com a democratização das ferramentas de produção, a arte e a comunicação passaram a ser estendidas à “massa” como importante instrumento de inclusão política, na medida em que possibilita um processo de democratização na produção e na divulgação de conteúdos e experiências. Os processos de centralização da produção e da divulgação que “garantiam a dominação” que a escola de Frankfurt denunciou baseiam-se em um processo de lógica econômica e, desde então, vêm

trabalhando na formação da visão que a sociedade apresenta da arte e do próprio indivíduo; o imaginário é construído na lógica da realidade do capital. Associar cultura e dinheiro e criar uma sociedade dependente, o que seria contrário à ideia moderna de independência e autonomia. É necessário ultrapassar a lógica que coloca como cidadão somente quem consome; e partir, como propõe este texto, de nossas intenções, interesses e ações, ou seja, fruto de nossa performance no mundo, para uma nova reconfiguração [teologia invertida, antropofagia, reaproveitamento produtivo].

Diferente da época da revolução elétrica, a revolução digital não exige um grande capital financeiro para se produzir conteúdos culturais, símbolos, valores, basta possuir acesso à rede de comunicação digital. Podemos entrar, então, em uma era de grande produção de conteúdos e essas novas possibilidades de mediação definem nossa performance [ação poética] na rede e, assim, uma parte de nossa identidade. Nesse sentido, o facebook foi a comunidade virtual escolhida para esta pesquisa, ferramenta de uso da massa, empresa de grande capital, de onde procuramos a efetivação de um acontecimento poético. Dentro do uso habitual dessa rede social, procuramos suas possibilidades comunicativas e uma mediação poética. Enquanto produtor cultural e imigrante digital, esta investigação científica nasceu de uma constante necessidade de adaptação às novas ferramentas de comunicação digital e da busca de uma nova poética dentro de um contexto massificador e limitado, como as comunidades virtuais.