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Indicadores de empreendimentos econômicos solidários

2 REFERENCIAL TEÓRICO-CONCEITUAL

2.1 DESCORTINANDO A EFICIÊNCIA NO COOPERATIVISMO DA AGRICULTURA FAMILIAR NO CONTEXTO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA

2.1.4 Indicadores de empreendimentos econômicos solidários

A avaliação adequada da eficiência pressupõe o emprego de indicadores que representem de forma consistente as características do objeto investigado. Wautiez et al. (2003) discutem as limitações dos indicadores enquanto instrumentos de medição, uma vez que refletem aspectos parciais da incomensurável realidade, não podendo, portanto, ser absolutizados.

No que se refere à construção de indicadores para a economia solidária, importante levar em consideração que esta se diferencia da economia tradicional já a partir da adoção de uma perspectiva de que nem tudo pode ou deve ser avaliado em termos mercantis ou quantitativos.

Enquanto os indicadores econômicos convencionais, em geral, têm um caráter monetário e quantitativo, a prática da economia solidária aponta para a necessidade de construir indicadores qualitativos capazes também de avaliar a solidez da sociedade, seu grau de confiança e coesão social, indicando situações-limite e evidenciando pontos de não-retorno, alargando portanto as possibilidades de acompanhamento das ações humanas (WAUTIEZ et al., 2003, p. 177).

Essa construção deve estar atenta, portanto, para os aspectos solidários, de gestão coletiva e de cooperação no trabalho, e para os aspectos empreendedores, de organização dos fatores produtivos e de sua gestão adequada ao enfrentamento dos obstáculos e à realização das metas econômicas (GAIGER; CÔRREA, 2011).

Nessa perspectiva, Gaiger e Corrêa (2011) apontam que tem buscado por à prova e desenvolver, paulatinamente, o conceito ideal-típico de empreendimento econômico solidário,

cunhado com propósitos analíticos precisamente para averiguar como essas duas faces, de empreendedorismo e de solidarismo – não obstante prováveis tensões e acomodamentos parciais – conformam uma nova totalidade social e econômica, instituída como uma sociedade de pessoas, antes que de capital.

Assim, Gaiger e Corrêa (2011) discutem a ação de tais empreendimentos a partir de dois vetores, que denominam “vetor empreendedor” e “vetor solidário”, ambos subdivididos em duas dimensões analíticas, abarcando aspectos de eficiência e de viabilidade no primeiro caso, e de autogestão e de cooperação, no segundo.

A eficiência de um empreendimento associativo está relacionada a sua capacidade de reproduzir-se em resultado imediato do seu funcionamento, ou seja, está associada a aspectos da operação econômica que garantem a sobrevivência do empreendimento no presente, sem a comprometer no futuro. Nesse sentido, comporta um conjunto de ações, tais como “técnicas de contabilidade e de gestão econômico-financeira, estratégias produtivas e de comercialização, remunerações no mínimo condizentes com o mercado, melhorias nas condições gerais de vida dos associados e preservação do quadro social do empreendimento” (GAIGER; CORRÊA, 2011, p. 39).

A viabilidade, para Gaiger e Côrrea (2011), relaciona-se à capacidade de gerar condições propícias à preservação do empreendimento em médio e longo prazos. Envolve aspectos internos e externos, mas exclui expedientes que adiam compromissos ou transferem determinados custos da operação à sociedade, como o emprego de tecnologias poluentes ou a depredação do ambiente natural. Implica, portanto, um nível de desempenho que não gere os benefícios esperados apenas à custa de insolvências futuras, a exemplo ainda da usura do trabalho e da depreciação do capital. Requer ações em prol da perenidade do empreendimento e do seu entorno, como planificação produtiva, fundos de investimentos, inversões na qualificação de recursos humanos, parcerias e articulações estratégicas e processos produtivos compatíveis com a preservação do ambiente natural.

Considerando a perspectiva do vetor solidário trazida por Gaiger e Corrêa (2011), considera-se que a autogestão vincula-se à participação coletiva, à democracia e à autonomia na gestão e condução do empreendimento, avaliadas através de indicadores como eleições livres e diretas; predominância de decisões coletivas, envolvimento dos sócios na gestão cotidiana, acesso dos sócios aos registros e informações gerenciais, predominância de trabalhadores associados (em relação a trabalhadores externos) e equidade entre homens e mulheres. A cooperação, por seu turno, refere-se a valores e práticas de mutualidade,

compromisso social e gratuidade, no âmbito interno e externo do empreendimento. Essa dimensão pode ser traduzida por indicadores tais como práticas de convivência e ajuda mútua, práticas de intercooperação, dispositivos de amparo aos membros do empreendimento, coletivização do processo produtivo, inexistência de divisão social do trabalho, engajamento comunitário e participação em movimentos sociais.

O trabalho de Bellucci et al. (2012) se propõe a introduzir um modelo de avaliação multidimensional para organizações da economia social, direcionando a análise para as lojas de comércio justo da Itália. Para medir a eficiência dos empreendimentos, os autores empregaram o método de Análise Envoltória de Dados, definindo indicadores de recursos (inputs) e produtos (outputs) para cada uma das três dimensões avaliadas: econômica, sociocultural e organizacional.

Para testar a eficiência das organizações na dimensão sociocultural, a análise de Bellucci et al. (2012) considerou quatro ouptus e dois inputs. Com relação aos resultados (outputs), dois indicadores representaram o volume da produção cultural: o número de eventos públicos organizados e intensidade da sensibilização e da formação; e dois indicadores representaram a capacidade de trabalhar com outras organizações, estabelecer relacionamentos com o setor público e cultivar parcerias no local: número de parcerias privadas e número de parcerias públicas. Quanto aos recursos (inputs) da dimensão sociocultural, Bellucci et al. (2012) consideraram os recursos humanos como fator produtivo mais importante nessa dimensão da pesquisa, incluindo como indicadores de insumos o número de voluntários e o número de horas de trabalho semanal remuneradas.

Para avaliar a eficiência das organizações na área econômica, os autores definiram uma análise com duas entradas e quatro saídas. Em relação às entradas, os valores escolhidos foram os de componentes positivos da demonstração de resultados e dos ativos. Considerando que os principais fatores que contribuem para o negócio referem-se a oficinas e recursos humanos, os outputs foram as despesas anuais para os trabalhadores, o número de voluntários ativos, o número de estabelecimentos e o número médio de horas semanais de abertura.

Para medir a força estrutural das organizações, foram considerados três produtos: o número de horas de trabalho remuneradas semanalmente (mesmo indicador que foi considerado como insumo para investigar a dimensão sociocultural); as áreas do organograma /diagrama cobertas por um ou mais empregados particulares ou voluntários (esta variável representa o grau de completude da estrutura organizacional, podendo variar de 0 a 9) e o número total de ferramentas de revisão da administração ativa (podendo variar de 0 a 3 - ferramentas de planejamento, ferramentas de auditoria de gestão, ferramentas de gestão de

inventário). Para avaliar a eficiência proporcionalmente ao tamanho de cada organização, comparou-se o nível desses produtos com o de dois insumos: o número de sócios e o valor dos ativos (considerado como um dos resultados na dimensão econômica).

Bellucci et al. (2012) definiram o conjunto de indicadores mais adequados com base em uma série de análises de sensibilidade (incluindo e excluindo determinadas variáveis e confrontando resultados para cada modelo), o que permitiu construir um modelo robusto de avaliação em cada dimensão. Os resultados do estudo confirmaram a presença de economias de escala na dimensão econômica, mas não na dimensão sociocultural, sendo que a análise organizacional confirmou uma baixa profissionalização geral.

Wautiez et al. (2003) aponta que a construção de indicadores para empreendimentos solidários deve destacar os seus valores intrínsecos, permitindo dar conta de sua dinâmica, evolução e estrutura, possibilitando comparações internas, com outros sistemas econômicos e com supostas situações ideais. Em última análise, devem refletir o olhar social e ambientalmente responsável que as práticas da economia solidária pretendem reproduzir.