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Indicadores de Inovação no Brasil: esforços pioneiros

CAPÍTULO 3 A Gênese da PINTEC

3.1. Indicadores de Inovação no Brasil: esforços pioneiros

O Brasil, no ambiente do pós-guerra de avanço da preocupação com a temática de C&T, não ficou de fora da onda de produção de informações quantitativas específicas para estas atividades. Pelo contrário, o País foi um dos primeiros a fornecer dados sobre suas atividades de C&T em resposta à solicitação da UNESCO na década de 1960 e instituiu junto ao CNPq, ainda nos anos 70, uma unidade responsável pela compilação de informações relativas aos dispêndios em C&T (VELHO, 2001). No entanto, apesar destes esforços pioneiros, o País, de maneira alguma, logrou os mesmos êxitos que as nações desenvolvidas na geração de um corpo robusto de informações acerca do nosso sistema nacional de C&T. O que não significa, evidentemente, que estas nações superaram todas as limitações relacionadas à complexidade dos indicadores de C&T, mas somente que vêm conseguindo gerar comparáveis e confiáveis séries históricas de indicadores, diferentemente do nosso país que ainda principia nesse empreendimento (VELHO, 2001).

Diversos estudos setoriais e de caso procurando abordar a questão mais específica da inovação foram acumulados na literatura econômica brasileira ao longo da segunda metade do século XX. Erber (2010), num esboço de nota sobre a história institucional da pesquisa de inovação no Brasil, motivada pela notória falta de memória nacional dedicada a essa discussão, destaca que dois trabalhos feitos na década de 1970 pelo setor de indústria do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)/Instituto de Planejamento da Gestão Governamental (IPLAN) 27, sobre, respectivamente, o potencial de pesquisa tecnológica e a transferência de tecnologia no Brasil, constituem o marco inicial da pesquisa econômica sobre a especificidade brasileira. Ainda assim, até a década de 1990 não havia no País

27 BIATO, F.; GUIMARÃES, E.; FIGUEIREDO, M. “Potencial de pesquisa tecnológica no Brasil.” Rio de

Janeiro: Ipea/Iplan, 1971 (Relatório de Pesquisa n. 5). BIATO, F.; GUIMARÃES, E.; FIGUEIREDO, M. “A transferência de tecnologia no Brasil.” Rio de Janeiro: Ipea/Iplan, 1973 (Estudos para o Planejamento n. 4).

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pesquisas sistemáticas para a compreensão da natureza da inovação que abrangessem a economia nacional numa perspectiva transversal e intersetorial.

No começo da década de 1990, Matesco (1994a; 1994b) produziu diversos trabalhos que têm como fonte o Censo Econômico de 1985 do IBGE28, que só foi publicado em 1991. Segundo Matesco (1994a; 1994b), o IBGE incluiu no Censo Econômico de 1985 informações, no âmbito das empresas industriais, referentes a três tipos de indicadores de inovação: a) gastos com P&D29; b) gastos com Patentes30; c) gastos com pagamentos por Contratos de Licenciamento de Transferência Tecnológica (CTT)31. É importante notar que, em relação à P&D, o conceito adotado pelo IBGE se baseou no utilizado pelo Manual Frascati da OECD, isto é, a P&D foi abordada em termos de pesquisa básica, pesquisa aplicada e desenvolvimento (MATESCO 1994a; 1994b).

Apesar de os trabalhos de Matesco (1994a; 1994b) terem significado um grande avanço no conhecimento acerca da inovação no Brasil, ainda permaneciam algumas dificuldades não superadas, tais como, por um lado, a ausência de pesquisas sistematicamente dedicadas à inovação no País, e, por outro, o forte alinhamento dos dados de inovação coletados pelo Censo Econômico de 1985 do IBGE com o modelo linear de inovação, não permitindo análises mais sofisticadas. É notável que os indicadores de inovação presentes no Censo Econômico de 1985 se referem, na verdade, a uma mensuração de insumos ao esforço tecnológico, uma vez que os três indicadores acima mencionados abordam apenas a questão dos gastos. Deste modo, entender a inovação a partir de quantificações apoiadas em modelos conceituais mais sofisticados do fenômeno inovativo ainda era algo impossível naquele momento.

28 Segundo Bernardes (2003), desde os anos 1960 a produção de estatísticas econômicas no Brasil esteve

fortemente ancorada na realização dos censos econômicos pelo IBGE, com periodicidade quinquenal de 1970 até 1985, quando foram suspensos, devido não somente à crise do sistema estatístico nacional, mas também a uma decisão estratégica como forma de modernização e redução dos custos de monitoramento da economia, aliada à política de descentralização em curso no IBGE naquele período.

29 A coleta deste indicador foi instruída pelo IBGE da seguinte maneira: “Registre os gastos com Pesquisa e

Desenvolvimento (P&D) que foram apropriados em conta de ativo diferido e que não foram declarados como despesas pela empresa.” (MATESCO, 1994a; 1994b).

30 A coleta deste indicador foi instruída pelo IBGE da seguinte maneira: “Registre o valor aplicado na

aquisição, desenvolvimento e registro de direito de Patente.” (MATESCO, 1994a; 1994b).

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A coleta deste indicador foi instruída pelo IBGE da seguinte maneira: “Indique os pagamentos realizados por Contratos de Transferência de Tecnologia”. (MATESCO, 1994a; 1994b).

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Os primeiros esforços no Brasil em termos de realização de levantamentos especialmente dedicados às informações acerca da P&D empresarial vieram da Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras (ANPEI), a qual desenvolveu, a partir de 1992, uma base de dados, restrita aos seus associados, com informações acerca das atividades empresariais de P&D seguindo a metodologia da NSF dos EUA (ERBER, 2010). Como aponta Bernardes (2003), esta pesquisa da ANPEI contou, desde o início, com o apoio do governo federal através do Programa de Apoio à Capacitação Tecnológica da Indústria (PACTI) e de agências como a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE). Porém, também é importante salientar, em nenhum momento tal pesquisa se enquadrou nos padrões dos surveys de P&D da OECD, uma vez que se tratava de um painel restrito às empresas associadas à ANPEI. Além disso, por se tratar de uma pesquisa tão somente dedicada à P&D empresarial, o levantamento da ANPEI se mostrava ainda fundamentado no modelo linear de concepção do processo de inovação, centrado apenas na coleta de indicadores de insumo do processo inovativo.

Além disso, alguns problemas estatísticos podem ser apontados no que se refere aos dados produzidos pela ANPEI. De acordo com Furtado (1996), uma vez que tais indicadores são produzidos por uma associação que fornece os resultados de sua pesquisa primeiramente a seus associados, sendo os dados apresentados na forma de médias individuais, cria-se uma dificuldade de percepção clara dos valores agregados, de modo que o exercício de extrapolação que é feito a partir do número de respostas pode ser estatisticamente inconsistente. No mais, é também importante frisar que a amostra representava um ponto frágil desta pesquisa, devido ao fato de que ela se apoiava apenas nas empresas que aderiam à base de dados da ANPEI, o que gerava uma grande incerteza acerca da representatividade amostral do conjunto e das principais variáveis usadas para quantificar as empresas (FURTADO, 1996).

Com o objetivo de mensurar o real dimensionamento dos impactos derivados das transformações macroeconômicas sobre a estrutura produtiva paulista, a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE) passou a se dedicar desde 1992 à arquitetura de uma nova metodologia para se captar os novos processos econômicos e inovativos no Estado de São Paulo (BERNARDES, 2003). Este objetivo motivou a elaboração da

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Pesquisa da Atividade Econômica Paulista (PAEP), publicada em 1997, a qual continha uma seção dedicada à inovação que seguia a metodologia do Manual de Oslo da OECD (ERBER, 2010). Em sintonia com a nova agenda de pesquisas contemporâneas, a Fundação SEADE havia acumulado ao longo dos anos uma significativa experiência na concepção e gestão de pesquisas empresariais alinhadas com a experiência internacional, de modo que a aplicação da PAEP se consagrou como uma pesquisa econômica estrutural que incorporava em seu projeto o primeiro survey de inovação realizado no Brasil (BERNARDES, 2003).

De acordo com Bernardes (2003), a PAEP foi uma iniciativa pioneira no cenário de produção estatística nacional, pesquisando um universo representativo de mais de 40.000 empresas industriais paulistas e incluindo no questionário deste setor um capítulo composto por nove questões dedicadas às atividades inovadoras e rotinas de P&D destas empresas. A metodologia utilizada para o survey de inovação na PAEP foi a mesma recomendada pelo Manual de Oslo da OECD e inspirada pelo questionário do CIS-1, de modo a garantir a comparabilidade dos indicadores com outros surveys de inovação (BERNARDES, 2003).

Segundo Bernardes (2003), em termos gerais, os indicadores de inovação tecnológica da PAEP foram construídos a partir de cinco perspectivas: i. esforço de inovação; ii. difusão de novas tecnologias; iii. uso da tecnologia; iv. origem e fontes das novas tecnologias; v. impactos da tecnologia. É notável, portanto, que a PAEP demonstra um alinhamento bem maior com as pesquisas de inovação fundamentadas no modelo elo de cadeia, diferentemente do que ocorria com a base de dados da ANPEI e as variáveis de inovação cobertas pelo Censo Econômico de 1985 do IBGE, os quais compreendiam tão somente indicadores de insumo atrelados à visão linear do processo de inovação.

As informações foram coletadas em 1997, tendo 1996 como o ano-base para a atividade econômica, e o período 1994-1996 para as questões que se referiam a intervalos de tempo para a introdução de inovações (BERNARDES, 2003). A PAEP investigou uma amostra estratificada de empresas, com dois estratos: certo e aleatório. O primeiro abrangia as empresas classificadas como industriais, com 30 ou mais empregados e que, em 1995, possuíssem sua sede, ou ao menos uma unidade produtiva, em operação e 30 ou mais pessoas ocupadas no Estado de São Paulo, enquanto o segundo compreendia apenas empresas de pequeno porte, que possuíam entre 5 e 29 empregados, com sede no Estado de São Paulo (BERNARDES, 2003). Baseando-se nestes critérios, foi selecionada uma

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amostra inicial de 19.334 empresas industriais, sendo 12.476 do estrato certo e 9.858 do estrato aleatório, e a amostra final totalizou 10.658 empresas industriais, a qual, expandida, correspondeu ao universo de 41.466 empresas dos segmentos da indústria de transformação, da extrativa, da construção civil, de serviços de informática, bancos e comércio (BERNARDES, 2003).

O impacto acadêmico da primeira edição da PAEP também é digno de menção. Pelo menos dois artigos foram publicados em periódicos internacionais de grande relevância utilizando os dados provenientes da PAEP. Aqui nos referimos ao trabalho de Quadros et

al. (2001), publicado no periódico Technological Forecasting and Social Change, e

também ao trabalho de Costa & Queiroz (2002), publicado no periódico Research Policy. Deste modo, fica evidenciada a importância dos indicadores da PAEP para a geração de conhecimento acerca da inovação no Brasil e no Estado de São Paulo, mais especificamente.

De acordo com Bernardes (2003), a partir da percepção da relevância que possuía a PAEP, a Fundação SEADE foi convidada pelo Ministério da Educação (MEC), no âmbito do Programa de Expansão da Educação Profissional (PROEP), a apresentar uma proposta para a realização de uma pesquisa similar a ser aplicada em todos os Estados do Brasil, de modo a subsidiar a reformulação do ensino profissionalizante do País. A Fundação SEADE, então, aceitou a proposta e iniciou em 1998 o levantamento de campo das primeiras informações do que viria a ser a Pesquisa da Atividade Econômica Regional (PAER), a qual incorporou diversas variáveis da PAEP (BERNARDES, 2003). A PAER foi aplicada em todos os Estados brasileiros, colhendo informações de cerca de 20.000 unidades locais, distribuídas entre a indústria e os serviços.

Cabe notar que na PAER foi realizado um novo survey de inovação tecnológica, levantando dados sobre as atividades de inovação com um período de referência em geral entre 1995-1999 (BERNARDES, 2003). O universo de investigação desta pesquisa foi de 3.150 unidades locais da indústria com mais de 100 pessoas ocupadas, considerando a articulação com o ensino técnico das regiões, que era o foco da demanda do MEC. A inspiração do questionário passou a advir do CIS-2, atualizando e incluindo novas questões no instrumento de coleta, a fim de aprimorar as definições sobre inovação tecnológica em

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termos conceituais e metodológicos, o que conferiu maior rigor nos critérios de identificação e classificação das empresas inovadoras (BERNARDES, 2003).

A PAEP ainda teve uma reedição, realizada no início dos anos 2000, cuja principal característica foi a adoção de uma abordagem pioneira sobre a inovação no setor de serviços dentro de um amplo espectro temático (BERNARDES; BESSA; KALUP, 2005). Nesta reedição foram pesquisadas quase 21.000 empresas do Estado de São Paulo com 20 ou mais funcionários, sendo que os dados foram colhidos entre julho de 2002 e junho de 2003 para o período de referência 1999-2001 (BERNARDES; BESSA; KALUP, 2005). Conceitualmente, esta reedição da PAEP também se destaca por atualizar e harmonizar a seção de inovação da pesquisa com a experiência do modelo recomendado pelo EUROSTAT do CIS-3, adotando uma definição mais restrita e seletiva para a construção dos indicadores de inovação tecnológica (BERNARDES; BESSA; KALUP, 2005).