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A infância no Brasil

No documento O PR OGRA MA DE P ÓS- (páginas 41-44)

Seção III: A construção das imagens e significados de pais sobre a educação infantil e de sua participação na educação infantil

1. A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA INFANCIA E DA FAMÍLIA

1.2. A infância no Brasil

A concepção de infância na sociedade brasileira, no século XIX, descrita por Priore (2006), apresenta a idéia natural de criança, caracterizada pelas habilidades desenvolvidas nas idades de zero a três anos, seguida pela puerícia, fase da vida considerada dos três ou quatro anos até doze anos de idade, relacionada à fala, à dentição e ao gênero. As ações próprias da criança e sua imaturidade eram compreendidas como meninice.

A educação diferenciava-se de acordo com o gênero e o nível social ao qual a criança pertencia. Os filhos dos senhores e intelectuais da época tinham acesso às brincadeiras e à educação, diferenciada de acordo com o gênero. Para os meninos, a educação tinha início aos sete anos e era concluída com a aquisição da formação acadêmica, geralmente, na área do Direito; para as mulheres, eram ministrados ensinamentos de língua estrangeira, instrumentos musicais e trabalhos manuais, como desenhos e bordados. A partir dos quatorze anos, a menina seguia para o casamento. As crianças estavam sempre aos cuidados de escravos, sendo amamentadas por escravas amas-de-leite (PRIORE, 2006).

De modo semelhante ao que ocorria na Europa, as crianças da elite do século XIX não estavam a salvo da morte, porém, era com lamento que os pais sentiam a perda dos filhos, pelos quais nutriam afetos. Havia, neste momento, o sentimento de infância entre os senhores. De modo diferente, a criança negra não exercia o direito de viver sua infância em razão das imposições do sistema escravista. Como afirma Müller (2007), a mãe negra era obrigada a amamentar os filhos dos senhores e também lamentava a perda de seus anjinhos. Eventualmente, quando a escrava entregava seu filho à roda dos expostos14, com o sonho de liberdade, ou quando este lhe era furtado, no momento do parto, ainda assim, a liberdade da criança negra era provisória, pois o pagamento das despesas por parte do senhor bastava para a restituição de posse. Anulava-se, desta forma, o direito de liberdade concedido, pela Instituição, à criança negra, sendo, pois, a situação de escravidão a responsável pela definição de seu destino.

Marcílio (2003) analisa a “roda dos expostos” como uma instituição filantrópica paliativa amenizadora do abandono a que as crianças pobres eram submetidas. Além de possuir o significado de guarda de crianças pobres, servia aos interesses conservadores da sociedade, tendo em vista o fato de prestar-se à acolhida de crianças filhas de relações extraconjugais cultivadas pelos maridos fora de seus casamentos, ou pelos senhores com suas escravas. A roda assistia à infância marginalizada e sustentava moralmente a sociedade.

Góes e Florentino (2006) descrevem que a condição de sobrevivência da criança negra se dava aos cuidados de pessoas próximas – padrinhos, madrinhas e, nas relações resultantes de sua convivência, havia o sentimento adulto de proteção e afeto pelas crianças negras, motivo de outros arranjos familiares serem construídos. Crianças brancas e negras brincavam juntas durante os primeiros anos da infância, entretanto, a condição social as distanciava. As primeiras seguiam para os estudos, enquanto a criança negra, dos quatro aos onze anos, deveria aprender uma profissão e exercer o trabalho, haja vista que um escravo com função profissional tinha maior valor na comercialização entre os senhores.

A morte da criança negra era conseqüência dos maus tratos, conforme revelam os dados informados por GÓES e FLORENTINO (2006, p. 180):

[...] dois terços morriam antes de completar um ano de idade, 80% até os cinco anos [...] Antes mesmo de completarem um ano de idade, uma entre cada dez crianças já

14 A roda de expostos surgiu no século XII, na Europa. Foi criada, no Brasil, em 1726, tendo permanecido até

1950. Seu nome provém do dispositivo em que eram colocados os bebês que seriam abandonados. “Sua forma cilíndrica, dividida ao meio por uma divisória, era fixada no muro ou na janela da instituição [...] o expositor depositava a criancinha [...] girava a roda [...] puxava-se uma cordinha com uma sineta, [...] o expositor furtivamente retirava-se do local, sem ser identificado” (MARCILIO, 2003, p. 57).

não possuía nem pai nem mãe anotados nos inventários. Aos cinco anos, metade parecia ser completamente órfã; aos onze anos; oito a cada dez.

As crianças negras, no Brasil, desconheceram sua infância, pois viviam sob o jugo dos senhores, seguiam a rotina de trabalho de um adulto e, a partir dos quatorze anos, presenciavam cenas de violência contra seus pais ou eram vítimas desta violência, realidade contraditória se confrontada com a da criança branca. Este fato causava estranhamento por parte dos estrangeiros que visitavam o Brasil.

Importa realçar os relatos e memórias de viajantes no Brasil no que concerne ao tratamento dispensado aos meninos no mercado de escravos:

[...] Senti-me atraído por um grupo de crianças, uma das quais uma menina, tinha um ar triste e cativante. Ao me ver olhando para ela o cigano a fez levantar-se dando-lhe uma lambada com uma comprida vara, e lhe ordenou com voz áspera que se aproximasse. Era desolador ver a pobre criança de pé à minha frente, toda encolhida, em tal estado de solidão e desamparo que era difícil conceber como pôde chegar àquela situação um ser que, assim como eu, é dotado de uma mente racional e uma alma imortal [...] Algumas das meninas tinham um ar muito doce e cativante. Apesar de sua pele escura, havia tanto recato, delicadeza e cordura (sic) nos seus modos que era impossível deixar de reconhecer que eram dotadas dos mesmos sentimentos e da mesma natureza das nossas filhas [...] (LEITE, 2003, p. 28).

No século XIX, a criança índia sofreu as conseqüências da catequização e do abandono do pai. O índio era obrigado a separar-se da família para fugir das perseguições da escravidão pelos portugueses. As relações entre os membros das tribos eram de harmonia com a natureza, liberdade e interação. O hábito dos pais indígenas, de não utilizarem castigos físicos para educarem seus filhos, demonstra o sentimento de respeito e valorização partilhados pelos indígenas, o que era contestado pelos educadores portugueses (PRIORE, 2006).

As ações educativas no século XIX tinham influências da concepção de infância pautada nas idéias burguesas de criança como inocente e naturalizada, que deveria ser moralmente educada. A sociedade propunha ações voltadas para o tempo de brincar e estudar para os filhos das elites e a criação de políticas assistencialistas, compensatórias que individualizavam a situação da criança pobre, tema que será tratado posteriormente, ao contextualizarmos as ações de educação infantil (MÜLLER, 2007).

Em síntese, no Brasil, conforme indica Müller (2007), o branco, o negro e o índio tinham formas próprias de se relacionar com as crianças. Os moleques(cas) ou erês, os(as) curumins e os(as) sinhorzinhos(as), confundiam-se na convivência doméstica, mas distanciavam-se em razão das contradições sociais que eram conseqüências da desigualdade social sustentada pelo escravismo.

A seguir, trataremos da criança no século XX e primeiros anos do século XXI, momento em que foram registrados avanços na legislação e no reconhecimento dos direitos das crianças na faixa etária de zero a seis anos. Não se pode, todavia, deixar de mencionar os paradoxos que têm se reproduzido em nossa sociedade, como a prostituição infantil, maus- tratos, abandonos ou violência dos pais, situações que inviabilizam o direito à infância pelas crianças, fato que encontra suas raízes na história do Brasil.

No documento O PR OGRA MA DE P ÓS- (páginas 41-44)