Com base na TR de Sperber e Wilson (1986), sabe-se que o processo de
compreensão da comunicação é basicamente inferencial. De acordo com os
autores, assume-se que tal processo é não demonstrativo. Com isso, os
relevantistas indicam que a comunicação pode falhar, devido às seguintes
hipóteses:
O ouvinte não pode decodificar nem deduzir a intenção comunicativa do falante. O melhor que ele pode fazer é construir uma suposição com base na evidência fornecida pelo comportamento ostensivo do comunicador.
98 a) Constructing an appropriate hypothesis about explicit content (in relevance-theoretic terms,
EXPLICATURES) via decoding, disambiguation, reference resolution, and other pragmatic enrichment processes.
b) Constructing an appropriate hypothesis about the intended contextual assumptions (in relevance-theoretic terms, IMPLICATED PREMISES).
c) Constructing an appropriate hypothesis about the intended contextual implications (in relevance-theoretic terms, IMPLICATED CONCLUSIONS). (WILSON; SPERBER, 2002, p. 258).
Para tal pressuposto, pode haver confirmação, mas nenhuma prova99. (SPERBER; WILSON, 1986, p. 65).
Santos, S. L. (2009, p. 82) mostra ainda que “qualquer informação
representada conceitualmente e que esteja disponível ao ouvinte poderá ser
utilizada como premissa no passo seguinte da compreensão.”. Sperber e Wilson
(1986, p. 65) chamam o processo de compreensão de global, que Santos, S. L.
(2009, p. 82) resume como “um raciocínio científico empírico que tem acesso livre
a todas as informações conceptuais da memória”. Esse processo é oposto à
compreensão chamada de local, “cujo raciocínio dedutivo se dá a partir de
premissas fixas”. (SANTOS, S.L., 2009, p. 82).
Para que se processe a linguagem verbal, a TR indica que há dois
módulos envolvidos, o primeiro do qual fazem parte “os sistemas de entrada, que
processam os inputs perceptuais ou periféricos, e os sistemas centrais, que
processam as suposições oriundas desses sistemas de entrada como suposições
já existentes na memória”. (SANTOS, S. L., 2009, p. 82). De acordo com Sperber e
Wilson (1986, p. 65) “os processos de input são processos de descodificação
relativamente especializados, enquanto os processos centrais são processos
inferenciais relativamente pouco especializados”
100. A ideia de uma mente modular
descrita por Sperber e Wilson (1986) advém das ideias de Fodor (1983), para
quem existem estruturas inatas – módulos – capazes de produzir conhecimentos
específicos. Santos, S. L. (2009, p. 82) ainda indica que a interpretação é
diretamente ligada à forma como percebemos e representamos nosso mundo,
além de estar conectada às pessoas que fazem parte de nossa convivência:
Nesse processo, os sentidos atuam como captores de informações e as enviam aos sistemas de entrada. Os processos centrais, por sua vez, fazem a integração das informações derivadas dos sistemas perceptuais com as informações armazenadas na memória e desempenham uma
99 The addressee can neither decode nor deduce the communicator's communicative intention. The
best he can do is construct an assumption on the basis of the evidence provided by the communicator's ostensive behaviour. For such an assumption, there may be confirmation but no proof. (SPERBER; WILSON, 1986, p. 65).
100 “input processes are relatively specialised decoding processes, whereas central processes are relatively unspecialised inferential processes”. (SPERBER; WILSON, 1986, p. 67).
variedade de tarefas inferenciais. Os sistemas centrais, portanto, efetuam uma transformação da informação captada pelos sistemas de entrada (inputs) em uma representação (uma linguagem mental) que será armazenada na memória, visto que não é a mesma coisa um estímulo sensório e as ideias representadas por este estímulo. O que a mente armazena é, então, uma representação dos estímulos trazidos pelos sistemas de entrada. A essa representação mental sobre o estado de coisas do mundo, chamamos “conceito”. (SANTOS, S. L., 2009, p. 82).
De maneira resumida, para que se construa o processo interpretativo,
criam-se hipóteses interpretativas advindas de inferências não demonstrativas.
Assim, o indivíduo formula hipóteses, que podem (ou não) ser confirmadas. De
acordo com Vanin (2007, p. 63) “trata-se de um processo criativo, associado a
ideias, deduções e à concepção global de mundo. Portanto, pode-se dizer que a
intenção do falante é inferida não demonstrativamente com livre acesso à
informação contextual”. Santos, S. L. (2009, p. 84-85) confirma que o primeiro
passo do processo, a formulação de hipóteses, é bastante criativo. Já “a
confirmação das hipóteses pode ser vista como um processo puramente lógico
regido por regras inferenciais”. (SANTOS, S. L., 2009, p. 84-85).
Para Sperber e Wilson (1986, p. 69), “as únicas regras lógicas
espontaneamente acessíveis à mente humana são regras dedutivas”
101. No
entanto, a formação de hipóteses, apesar de usar as regras dedutivas, “não é
totalmente governada por eles; a confirmação da hipótese é um fenômeno
cognitivo não lógico: é um subproduto da forma como as pressuposições são
processados, dedutivamente ou de outra forma”
102. (SPERBER; WILSON, 1986, p.
69). Vanin (2007, p. 64) explica como funciona o mecanismo dedutivo mental:
Embora com a mesma formalidade da lógica padrão, no mecanismo dedutivo mental as inferências aplicam-se a suposições factuais. Em lógica, como as premissas abstraem contexto e conteúdo, nunca se poderia dizer que os fatos entram no raciocínio. As suposições factuais, ao contrário, consideram esses aspectos, os quais são representados na101 “the only logical rules spontaneously accessible to the human mind are deductive rules”.
(SPERBER; WILSON, 1986, p. 69).
102 “is not totally governed by them; hypothesis confirmation is a non-logical cognitive phenomenon:
it is a by-product of the way assumptions are processed, deductively or otherwise”. (SPERBER; WILSON, 1986, p. 69).
memória. As conclusões das suposições são mantidas como mais ou menos verdadeiras: a sua confirmação pode vir de várias fontes e dependem do grau de confiança depositado nelas. Da mesma forma, a força das suposições alcançadas depende da força das premissas das quais elas foram derivadas. (VANIN, 2007, p. 64).