• Nenhum resultado encontrado

GRUPOS DE ANOS DE ESTUDO Posição na ocupação Total Sem

4 TERRITÓRIO E TERRITORIALIDADE: SOBRE AS DINÂMICAS TERRITORIAS E ESTRATÉGIAS DE INFLUÊNCIA E CONTROLE NO TERRITÓRIO

4.2 Influência e controle no território: sobre a definição e teoria da territorialidade humana

A territorialidade foi (e é ainda, em muitos casos) usualmente entendida como um princípio jurídico ligado à base territorial dos Estados. Nesse sentido, diz respeito à territorialidade das leis, normas e regras, que se justapõem às coisas e aos habitantes de um país, e cuja sua contrapartida é a extraterritorialidade. Entretanto, a territorialidade contempla mais do que uma definição jurídica e não se refere somente à territorialidade do Estado (ALBAGLI, 2004, p. 27).

A noção de territorialidade também foi muito discutida nos estudos de biólogos e críticos sociais, que a concebem enquanto um atributo do comportamento animal. Segundo estes estudiosos, e esta linha de pensamento, a territorialidade nos humanos seria então parte de um instinto agressivo que é, também, próprio de outros animais territoriais (SACK, 1986).

A etologia (ramo da ciência que se debruça sobre o estudo do comportamento animal) introduziu, na década de 1920, novas abordagens acerca da noção de territorialidade a partir da troca do estudo de indivíduos de laboratórios - isolados e em condições artificiais - para o estudo de sociedades animais em seu meio natural. Sob esta lógica, o território animal se constitui enquanto abrigo ou “nicho" e é comumente definido como a área de vivência, reprodução e segurança. Este é delimitado, fundamentalmente, a partir de condições do ambiente físico, tais como: clima, vegetação, tipo de solo e da presença e interação com outros animais (ALBAGLI, 2004).

Em outras palavras, sob o viés da etologia, o conceito de territorialidade foi definido como o comportamento de um organismo vivo, a fim de tomar posse de seu

96 território e defendê-lo contra outros membros de sua própria espécie. A territorialidade, de mera qualidade jurídica, passou, assim, a ser vista como sistema de comportamento. Todavia, propõe-se, hoje, desassociar a noção de territorialidade daquele sentido de defesa elementar do espaço vital de sobrevivência, optando por tratá-la como predicado humano e evitando transposições diretas entre os sentidos de animalidade e humanidade. (ALBAGLI, 2004).

A noção de territorialidade foi introduzida, também, aos estudos das Ciências Sociais e Humanas como, por exemplo: a Sociologia, a Antropologia e Geografia. É sob esta perspectiva que adotamos a compreensão de Sack (1986) no sentido de uma estratégia espacial de individuo ou grupo para afetar, influenciar e controlar pessoas, fontes, fenômenos e relações, principalmente a partir da delimitação e da afirmação do controle sobre determinada área, esta sendo denominada: território. Sob o viés geográfico a territorialidade se constitui como uma forma de comportamento espacial.

Haesbaert (2007) realiza uma revisão teórica sobre as diversas concepções de territorialidade propostas, e enumera através dos seguintes aspectos: 1) a territorialidade num enfoque mais epistemológico, enquanto abstração; condição genérica - teórica - para a existência do território; 2) a territorialidade num sentido bem mais ontológico: a. como materialidade (controle físico do acesso por meio do espaço material); b. como imaterialidade (controle simbólico, por meio de uma identidade territorial); c. como espaço vivido, conjugando materialidade e imaterialidade.

Aliando estas concepções poderíamos ter uma leitura que separa e distingue claramente territorialidade e território. Neste sentido, teríamos assim:

a) Territorialidade como concepção mais ampla que território [...] tanto como uma propriedade de territórios efetivamente construídos quanto como "condição" (teórica) para a sua existência [...]. b) Territorialidade praticamente como sinônimo de território: a territorialidade como qualidade inerente à existência, efetiva, do território, condição de sua existência. c) Territorialidade como concepção claramente distinta de território, em dois sentidos: 1. territorialidade como domínio da imaterialidade [...] definida [...] enquanto "abstração" analítica e enquanto dimensão imaterial ou identidade territorial. 2. territorialidade como domínio do "vivido" [...] ou do não institucionalizado, frente ao território como espaço formal institucionalizado [...] d) Territorialidade como uma das dimensões do território, a dimensão simbólica (ou a "identidade territorial") [...] (HAESBAERT, 2007, p. 26). Em um nível individual, a territorialidade diz respeito ao espaço pessoal imediato - em muitos contextos, sobretudo o cultural, considerado um espaço

97 inviolável -, e em nível coletivo, a territorialidade torna-se, além disto, uma forma de regular os processos sociais e de reforçar a identidade da comunidade ou grupo ou comunidade (ALBAGLI, 2004). Corroborando esta ideia, Souza (2000) afirma que na forma singular, a territorialidade remeteria a algo profundamente abstrato. Já as territorialidades, no plural, denotam as formas gerais nas quais podem ser classificados os territórios segundo sua dinâmica, atributos, entre outros.

Ao passo que a territorialização é consequência da expansão do território - ininterrupto e contínuo - a territorialidade, por sua vez, é a manifestação do desenvolvimento das relações sociais conservadoras dos territórios, as quais produzem e reproduzem ações próprias ou apropriadas. Como atributo humano, a territorialidade é condicionada por normas sociais e valores culturais que variam, de sociedade para sociedade, e de um período para outro. É resultante de processos de socialização e da interação, mediada pelo espaço, entre seres humanos (ALBAGLI, 2004).

Podemos pensar, então, em quatro grandes finalidades ou objetivos da territorialização, que podem, ou não, ser acumulados e/ou distintamente valorizados com o passar do tempo: Primeiro, como abrigo físico, meio de produções e/ou fonte de recursos; Segundo, enquanto identificação de grupos através de indicativos espaciais (primordialmente pela própria construção de limites e fronteiras); Terceiro, como controle e/ou disciplinarização por meio do espaço; E quarto, enquanto construção e controle de redes e conexões (principalmente fluxos de pessoas, informações e mercadorias) (HAESBAERT, 2007).

A territorialidade reflete a multidimensionalidade do vivido territorial pela sociedade em geral e/ou pelos membros de um grupo/coletividade. Os homens vivem o processo territorial e o produto territorial, ao mesmo tempo, por intermédio de um sistema de relações existenciais e/ou produtivistas (RAFFESTIN, 1993). Então, como bem aponta Saquet (2009), a territorialidade se efetiva em todas as relações cotidianas, ou melhor, ela corresponde às relações sociais cotidianas no trabalho, na rua, na família, na igreja, na praça, enfim, na cidade/urbano, no rural/agrário e nas relações urbano/rurais de forma múltipla e híbrida.

A territorialidade poder ser expressa como a soma das relações entre o sujeito e o seu meio. Contudo, não se refere a uma equação matemática, mas sim a uma totalidade de relações biossociais em interação. Desta maneira, a

98 territorialidade pode ser definida, ainda, “como um conjunto de relações que se originam num sistema tridimensional sociedade-espaço-tempo em vias de atingir a maior autonomia possível, compatível com os recursos do sistema” (RAFFESTIN, 1993, p. 160).

Segundo Sack (1986), três relações interdependentes, contidas na definição, explicam a lógica e os significados dos efeitos da territorialidade:

Primeiro, [...] a Territorialidade deve envolver uma forma de classificação por área. Quando alguém diz que alguma coisa ou [...] coisas, em um quarto são dele ou estão fora do limite para você [...], ele está usando uma área para classificar ou determinar coisas em uma categoria como dele, não sua [...]. Segundo, [...] deve conter uma forma de comunicação. Isto pode envolver uma marca ou sinal, tal como é comumente encontrada em uma fronteira. Ou uma pessoa pode criar uma fronteira, através de um gesto [...]. uma fronteira territorial, pode ser somente a forma simbólica que combina uma afirmação sobre a direção no espaço e uma afirmação sobre a posse ou exclusão. Terceiro, cada exemplo de Territorialidade deve envolver uma tentativa no esforço de controlar o acesso sobre a área e as coisas dentro dela ou restringir a entrada das coisas de fora. De maneira mais geral, cada exemplo deve envolver uma tentativa de influenciar as interações (SACK,1986, p. 23-24).

A territorialidade reflete desta forma, o vivido territorial em todo seu alcance e em suas múltiplas dimensões – social, política, econômica e cultural. Institui-se, portanto, uma dialética socioespacial. As práticas sociais são conformadas na relação com seu meio, adquirindo contornos singulares em áreas específicas e articulando-se nas diversas escalas. Do mesmo modo, estas práticas moldam os territórios, imprimem nestes as marcas de suas intervenções e decisões sobre os mesmos (ALBAGLI, 2004).

A teoria da territorialidade Humana desenvolvida por Sack (1986) é, segundo ele, tanto empírica quanto lógica e, nos permite desta forma, entender a territorialidade tanto no âmbito de sua definição (estrutura lógica), quanto no âmbito de um processo espacial que se manifesta em um dado contexto sócio-histórico.

Como já vimos, a definição de territorialidade contém três facetas inter- relacionadas: deve propor uma forma de classificação por área; uma forma de comunicação por fronteira; e uma forma de reforço ou controle. Contudo, diversos outros efeitos potenciais podem estar ligados a estas três facetas. Assim, a soma destes efeitos potenciais mais os três originais nos levam a quatorze combinações de características (SACK, 1986).

Todavia, este autor ressalta que, o número preciso de efeitos potenciais não é o ponto crítico da teoria, pois estes podem ser reduzidos a menos de dez ou

99 quatorze. Segundo ele, o ponto crítico reside na definição de territorialidade, pois esta “deve ser rica o suficiente para delimitar o alcance das vantagens potenciais oferecidas por uma estratégia territorial e um nível de generalidade que seja preciso e útil” (SACK, 1986, p. 32). Dessa forma, a teoria da Territorialidade Humana se constitui a partir da especificação desses efeitos, da forma como eles estão conectados um ao outro e das condições sobre as quais eles serão empregados.

Conforme aponta o referido autor:

As primeiras três tendências são derivadas da definição de Territorialidade. As outras que não são inteiramente deriváveis da definição, nada mais estão do que, logicamente, interrelacionadas e ligadas a ela. Chamando, a seguinte análise de teoria, não significa que nós estamos impondo um método mecânico para as pessoas e os seus usos do território, pelo contrário, a teoria apresentará os efeitos do território como possibilidades que vão do físico ao simbólico. [...] pela teoria queremos dizer que nós podemos desvendar um sete de proporções, que são ao mesmo tempo, empiricamente e logicamente interrelacionados e que podem dar sentido às ações complexas. Em outras palavras, a teoria pode nos ajudar a entender e a explicar [...]. (SACK, 1986, p. 33)

A teoria é apresentada em duas partes: o campo dos efeitos e tendências; e os seus usos nos casos e contextos históricos. Na primeira parte, conceitua a territorialidade de forma abstraída dos múltiplos contextos sócio-históricos, o que possibilita a descrição da lógica interna da Territorialidade (SACK, 1986). Neste primeiro momento, apresenta, especifica e exemplifica as tendências e os efeitos potenciais da territorialidade, além disso, apresenta ainda diversas combinações entre essas tendências e efeitos potenciais. Já na segunda parte da teoria, nos apresenta a tipos particulares de contextos sociais e históricos, aos quais podemos empregá-las.

Para tornar mais claro e visível a estrutura complexa da teoria, Sack (1986) se utiliza de uma analogia da ciência física (uma analogia à estrutura atômica - suas valências e a tabela periódica). Assim, a primeira parte da teoria diz respeito ao exame da estrutura atômica da territorialidade: as três facetas, anteriormente citadas (a classificação, a comunicação e o reforço), que seriam o seu “núcleo”; E as dez ou quatorze combinações primárias dos efeitos potenciais e das tendências seriam as suas “valências”. Estas, por sua vez, formam as ligações potenciais que são esboçadas, quando e se a Territorialidade for usada. Já a segunda parte diz respeito à projeção da Territorialidade em uma tabela periódica de tipos de organizações sócio-históricas, as quais sugerem que existem ligações que podem ser esperadas quando certos contextos usam a territorialidade.

100 Deste modo, Sack (1986) aponta que a teoria da Territorialidade nos ajuda a especificar os efeitos mais prováveis de ocorrer dentro das organizações sociais complexas. A tarefa da teoria da Territorialidade, portanto, é desvendar os possíveis efeitos da Territorialidade em níveis gerais - para englobar suas múltiplas formas - e também específicos - para iluminar seus exemplos particulares.

4.3 A configuração e organização territorial dos flanelinhas/guardadores de