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SOCIOECONÔMICO E POLÍTICO DAS CONDIÇÕES E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL

2.1 Precarização das condições e relações de trabalho no Brasil – (1970 a 1990)

Nas últimas décadas do século XX, o Brasil passou por intensas transformações sociais, políticas e econômicas que contribuíram profundamente para o atual cenário da estrutura econômica do país e do seu mercado de trabalho, sobretudo no que concerne à geração e distribuição de empregos. Essas transformações dizem respeito, principalmente, a processos e fenômenos, como a modernização do campo, a urbanização acelerada, a desregulamentação econômica, a acentuada concentração de renda, dentre outros.

Percebemos que ao longo do século XX, o processo de urbanização brasileira demonstra uma crescente aproximação com o processo da pobreza, no qual o locus passa a ser, cada vez mais, as cidades. Estas, por sua vez, tornam-se o lugar de todos os capitais e trabalhos, isto é, o palco de numerosas atividades “marginais” do ponto de vista tecnológico, organizacional, financeiro, previdenciário, fiscal e comercial (SANTOS, 2005).

Na América Latina, a discussão sobre “marginalidade” decorre, principalmente, das análises a respeito da modernização como sinônimo de urbanização acelerada e metropolização nos países desta região, as quais se mostravam dominantes nos anos 1960 e 1970. No Brasil, particularmente, inúmeros centros urbanos apresentaram um acelerado crescimento, que acabou por agravar a situação de marginalização social, que se manifestou, de forma mais clara, no tecido urbano das grandes cidades através do crescimento das favelas, da violência urbana e das atividades informais (LIMA; SOARES, 2002).

Segundo Mattoso (1999), ao longo do século XX, o Brasil teve uma história de crescimento econômico, mobilidade social, geração de empregos e concentração de renda. Viabilizou-se no pós-guerra – a partir de uma ampla inserção internacional qualificada por meio do processo de substituição de importações – um dos mais intensos processos de industrialização e urbanização, que culminou na sua transformação, em poucas décadas, de um país de base agrário-exportadora, para uma das maiores e mais dinâmicas economias do mundo.

Essa transformação na estrutura econômica do Brasil, de agrário-exportadora para industrial-urbana, se caracterizou pela elevada geração de empregos formais, com efetiva capacidade de incorporar ao mercado de trabalho urbano, parcelas

31 significativas de uma população constituída por uma elevada taxa de crescimento demográfico, e um significativo contingente de pessoas expulsas do campo (MATTOSO, 1999).

Entretanto, vale ressaltar que, essa mudança ocorrida na base econômica do Brasil – decorrente da expansão do sistema capitalista de produção – esteve atrelada à crescente modernização e mecanização do campo, que acabou resultando na expulsão da população rural para os grandes centros urbanos. Nesse sentido, à medida que esse fenômeno tornava-se mais intenso, fez-se perceptível o descompasso entre o crescimento demográfico e as oportunidades de empregos geradas nos grandes centros urbanos, que, por sua vez, não comportavam uma infraestrutura que atendesse a essa significativa massa populacional (HORTA, 2010).

Dessa forma, na década de 1980 verificou-se uma mudança na dinâmica do mercado de trabalho brasileiro, que experimentou pela primeira vez com intensidade, o surgimento do desemprego urbano, da deterioração das condições e relações de trabalho, bem como a ampliação da informalidade. No entanto, o desemprego e a precarização observadas nesse período foram relativamente baixas devido à preservação das estruturas industriais e produtivas, além do fato de estarem vinculadas ao processo inflacionário e às intensas oscilações do ciclo econômico desta década (MATTOSO, 1999).

Conforme verificado por Pessoa e Dias (2015), nesse período os países de capitalismo desenvolvido enfrentaram uma grave crise que se traduziu no que, convencionalmente denomina-se “crise estrutural do capital”. Essa crise, inicialmente verificada por volta da década de 1970 e aprofundada, sobretudo, na década de 1980, obrigou a realização de uma profunda reestruturação da economia e do Estado, visando restabelecer a dinamicidade e estabilidade econômica e social experimentada por esses países no segundo pós-guerra. No Brasil, essas mudanças refletiram tanto na retração do trabalho formal, como também na acentuação das inúmeras formas de “trabalhos atípicos”, onde ganharam destaque a terceirização, a precarização e a informalidade.

Segundo Noronha (2003) até o final da década de 1980 a “informalidade” era percebida pela maioria dos especialistas como um problema endêmico. Ou seja, prevalecia a ideia de que essa “informalidade” era herança de uma economia semi-

32 industrializada e, desta forma, o seu fim tratava-se de uma questão de tempo e desenvolvimento. Todavia, este autor supõe que, em termos de mercado de trabalho, o início da década de 1990 representou uma ruptura crescente no movimento de formalização do trabalho, verificado nas décadas anteriores.

Nos anos 1990, o baixo crescimento econômico aliado à racionalização, à modernização da produção e à liberalização comercial-financeira refletiu ainda mais no nível de emprego. Neste período, verificou-se uma diminuição na criação de novos postos de trabalho e um significativo aumento do desemprego e de outras formas de trabalho, ligadas à economia não formal e ao setor de serviços (SANTOS, 2008).

Constatou-se que nos últimos anos da década de 1990, a performance produtiva não foi somente “medíocre” e decorrente dos efeitos das oscilações do ciclo econômico sobre o mercado de trabalho. A geração de emprego também sofreu

[...] as conseqüências profundamente desestruturantes de um processo de retração das atividades produtivas acompanhado do desmonte das estruturas preexistentes, sem que se tenha colocado no lugar outras capazes de substituí-las (MATTOSO, 1999, p. 11-14).

Diante dessas mudanças na estrutura econômica do Brasil, Idalino (2012, p. 44) ressalta como consequência negativa para os trabalhadores a ocorrência, considerável, do aumento do desemprego estrutural. Este tipo de desemprego não é fruto de recessões ou depressões transitórias, decorre, sim, “da própria estrutura socioeconômica criada e mantida pelo sistema de produção capitalista globalizado. O desemprego estrutural, assim, tende a se estender por longos prazos” (IDALINO, 2012, p. 44).

Aponta Mattoso (1999), que o Brasil nunca havia convivido com um desemprego tão elevado, quanto o verificado na década de 1990. Muito menos com um grau crescente de precarização das condições e relações de trabalho, que culminou no crescimento vertiginoso do trabalho temporário, precário, por tempo determinado, terceirizado, sem renda fixa, em tempo parcial, enfim, de milhares de bicos que se difundiram por todo o país.

Então, “a cidade, onde tantas necessidades emergentes não podem ter resposta, está [...] fadada a ser tanto o teatro de conflitos crescentes como o lugar geográfico e político da possibilidade de soluções” (SANTOS, 2005, p.11). Assim, a cidade, em seu modelo econômico e a sua estrutura física, torna-se geradora e

33 mantedora da pobreza, evidenciando os contrastes econômicos e sociais a ela inerentes, como é o caso da problemática que se efetiva com as práticas dos flanelinhas/guardadores de carros.

Mattoso (1999) aponta ainda, com base nas pesquisas do IBGE e do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) - Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE), que no final da década de 1990 no Brasil, mais de 50% das pessoas ocupadas das grandes cidades se encontravam em algum tipo de informalidade, boa parte sem registro e garantias mínimas como: aposentadoria; Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); seguro desemprego; dentre outros.

Dessa forma, o desemprego verificado nesse período é, ainda, acompanhado por uma nítida redução dos salários e pela precarização das condições e relações de trabalho5, que se dão, sobretudo, com o aumento de práticas trabalhistas flexíveis, sem estabilidades e, muito menos, garantias sociais (SANTOS, 2008). Como consequência desse processo de flexibilização das práticas trabalhistas, por sua vez,

[...] tem-se a expansão e a intensificação do trabalho informal que, sob a lógica de um discurso transformador, propaga a alternância de função no processo produtivo, ou seja, o empregado de hoje pode tornar-se o empregador de amanhã. Este processo, no entanto, tende a obscurecer as relações de exploração e marginalização a que são submetidos os trabalhadores que, movidos por um discurso utópico de tornar-se patrão, investem todos os seus bens e sua força de trabalho e de sua família, em busca da ideia de trabalho autônomo, livre e por conta própria (IDALINO, 2012, p. 48-49).

Como consequência desse conjunto de mudanças ocorridas no mundo do trabalho, o fenômeno da informalidade se intensifica e passa a transformar, cada vez mais, trabalhadores formais em informais, ou seja, “realizadores de atividades em que as funções são precarizadas e, consequentemente, os precariza na condição de força produtiva do sistema” (IDALINO, 2012 p. 17).

Nessa perspectiva, Idalino (2012) enfatiza que as condições e relações de trabalho além de sofrerem uma reformatação, também reproduzem e transformam formas antigas. Desse modo, os trabalhos e as atividades – reproduzidas, criadas e

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Neste trabalho, entendemos a precarização do trabalho, assim como Mattoso (1999, p. 8), enquanto o aumento do cunho precário das condições de trabalho, com expansão do trabalho assalariado sem carteira e do trabalho por conta própria. Já a precarização das relações de trabalho dizem respeito ao “processo de deterioração das relações de trabalho, com a ampliação da desregulamentação, dos contratos temporários, de falsas cooperativas de trabalho, de contratos por empresa ou mesmo unilaterais” (MATTOSO, 1999, p. 8).

34 recriadas – que estão fora dos modelos do período antecedente, se apresentam com baixos rendimentos e com a ausência de vínculo trabalhista e de contribuições sociais. Todavia, são de fundamental importância para a manutenção e reprodução do capital.

Entendemos que independente da denominação empregada – flanelinha, guardador, pastorador ou vigia de carros –, é indiscutível o fato de que o surgimento da atividade exercida por esses sujeitos se insere nesse amplo contexto social, econômico, político e porque não dizer cultural, que envolve as diversas transformações ocorridas, sob a lógica capitalista, no espaço urbano e no mercado de trabalho dos países subdesenvolvidos, principalmente aquelas advindas da industrialização, da migração rural-urbana, de uma urbanização combinada e desigual, do desemprego estrutural, da precarização do trabalho e das relações de trabalho e do processo de informalização do trabalho.

2.2 Setor informal da economia urbana: um abrigo para os trabalhadores por