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nos Sintagmas Nominais do Português de Moçambique

4. Influência das línguas maternas sobre os SNs sem artigo no PM

Como se acabou de ver e, de modo geral, os informantes usam frequentemente os sintagmas nominais sem determinante, o que leva à formulação de hipóteses para o apuramento das causas da origem destas realizações.

Os factos da mudança linguística no PM foram notificados por muitos linguistas, incluindo Gonçalves (1996), Gonçalves e Sitoe (1998), Carvalho (1991), entre outros. Gonçalves et ai. (1998) verificam que os "fenómenos da variação e

mudança do Português, relativamente à norma europeia, que se observa no Português de Moçambique, constituem indicadores importantes sobre as dificuldades específicas de falantes de línguas maternas do grupo Bantu no estabelecimento das regras e propriedades desta língua ".

Acontece que os falantes do Português, com línguas maternas não do grupo Bantu, para além de serem minoritários, vivem inseridos numa comunidade com a maioria de falantes línguas maternas Bantu.

O facto não impede Gonçalves et ai. (1998) de elaborarem fichas de exemplos e de exercícios sobre o emprego de artigos no Português de Moçambique, com base em dados do Português oral de Maputo, definindo dois objectivos específicos: "(1)

auxiliar os professores de Português no ensino da gramática; (2) permitir que os aprendentes do Português em Moçambique tenham acesso à norma europeia oficialmente estabelecida como referência ".

Dado o exemplo em (91), puseram coroa na Praça com governador Mualeia, com a interpretação em (96), o governador Mualeia depôs uma coroa na Praça, verifica-se que (91) contém vários tipos de "desvios", um dos quais é menos importante para o assunto em debate neste trabalho: a "ocultação" do causador do evento "depor", uma vez que o falante recorre ao sujeito pronominal de terceira pessoa "eles", com o qual desencadeia a concordância na frase. Primeiro, esta estrutura faz com que o agente Governador Mualeia se apresente estruturalmente como um complemento oblíquo da oração. De facto, certos falantes constroem frases

67 Gonçalves et ai. (1998), Estruturas Gramaticais do Português: Problemas e Exercícios, in Gonçalves,

P e Stroud, C. (org.s) Panorama do Português Oral de Maputo - Volume III, Maputo, INDE, Cadernos de Pesquisa no. 27, p. 35.

68 Ibidem. Em Moçambique infelizmente ainda não existiria uma gramática do Português nacional,

sendo utilizados compêndios importados de Portugal, se Monteiro (2002) não apresentasse a sua primeira proposta de descrição e aplicação.

com verbos no plural, como em "puseram....", "...estão te chamar com teu pai", uma expressão equivalente a o pai está a chamar-te, sendo esta estratégia característica na linguagem coloquial, infantil ou adulta. Observe-se também que o falante, apesar de ocultar o agente, tem em mente um referente fixo, que alude no discurso, no sentido de que existe uma pessoa que depôs essa coroa de flores e essa pessoa é o Senhor

Governador Mualeia.

Retomem-se de novo os exemplos de (100) em (110), sendo casos da omissão de determinantes em posição de sujeito, nos dois primeiros casos (110.a,b) exemplos com nomes contáveis no plural e, nos dois últimos casos, nomes massivos no singular:

110. a) Professores faltaram... b) Alunos organizaram.... c) Água não tem...

d) Xima acabou...

Deste conjunto, considere-se com destaque a construção em (HO.c) e (HO.d), uma vez as outras terem merecido um devido tratamento em 2.1.1., deste capítulo.

A construção em (HO.c) representa uma expressão duplamente desviante se se comparar com os sintagmas nominais sem determinante do Português Europeu. Em primeiro lugar, o nome água seria introduzido por um determinante ou um quantificador para poder ocupar esta posição, como se verificou cuidadosamente em

69 Adianta-se a hipótese do uso plural dos verbos como uma possível interferência da forma de

tratamento de respeito pelas pessoas a que aludem o discurso, sendo uma estratégia utilizada por várias línguas. As formas verbais no plural valem por "verdadeiros" pronomes pessoais, formas que levam o verbo à terceira pessoa, embora designem a pessoa a quem se fala, a segunda pessoa. O esquema mental do falante tem os valores das formas de tratamento que se utilizam como expressão de máxima cerimónia, ou para a própria intimidade, cujo conteúdo é claramente visível na comunicação oral, pois é a própria situação do discurso que ajuda a eliminar as possíveis dúvidas. No entanto, a comunicação oral coloquial utiliza alternadamente na mesma situação do discurso os pronomes "você" e "ta", de tal forma que, quando se entende usar o pronome possessivo que acompanha o pronome "você", aparece o pronome "fów" no lugar de "seií\ como em "...estão te chamar com teu pai". Desta forma, a terceira pessoa do plural em (109) justifica-se pelo facto de o sujeito referir uma entidade altamente colocada na sociedade e, daí, a interferência da terceira pessoa do plural para a segunda pessoa.

70 "xima" é um termo da língua Emakhuwa-Lomwe que designa papas grossas feitas a partir da

cozedura de farinha de milho ou mapira em água. Embora os dados do Dicionário Universal da Língua Portuguesa (1995), Lisboa, Texto Editora, Lda, 3a. Edição, contrarie, a palavra "Xima" entra no léxico

2.1. Em segundo lugar, usa-se o verbo TER no lugar dos verbos HAVER/EXISTIR. TER é um verbo transitivo directo em que o argumento água funciona como objecto desse verbo. No enunciado em que figura, (llO.c), o nominal água surge como um sujeito superficial, como resultado de um movimento na estrutura da frase.

Uma via possível para a explicação do fenómeno no exemplo em consideração é a comparação com os dados da língua primeira. O que acontece é que água não tem é tradução literal de "màhi kiyavó", em que "màhi" equivale à água, "tá" é o morfema de negação não e "yavó" é o verbo TER=HAVER/EXISTIR no presente do indicativo, sendo toda a construção equivalente, numa boa formação da frase, a não

há água ou não temos água.

Observe-se também a tendência da colocação dos nomes na "cabeça" da frase, caracterizando a maior parte dos nominais nas línguas Bantu, pois estes nomes geralmente desencadeiam a concordância, justificando-se a sua posição inicial. A confirmação desta hipótese é dada por todos os nominais de (110) e, em particular, por (1 lO.d), "xima" acabou que, pela norma do Português Europeu, seria aceitável ou gramatical se o nominal "xima" se posicionasse depois do verbo, como em acabou [a]

"xima", como se referiu anteriormente.

Já se viu que, em geral, no Português Europeu, os elementos nominais sem determinante explícito pospostos ao verbo, sejam eles sujeitos gramaticais, sejam objectos de verbos, são aceitáveis no singular se forem nomes de massa e, no plural, se forem contáveis. A mobilidade de que gozam os nomes nas línguas Bantu para a posição inicial das frases faz com que tanto os nomes singulares como os nomes plurais encabecem frases, como se verifica nas estruturas em (110), que seriam de aceitabilidade duvidosa no Português Europeu.

Desta forma, coloca-se a hipótese de que o falante põe em paralelo as regras da sua língua materna, não exteriorizando, por isso, os determinantes nos sintagmas nominais do Português de Moçambique e tendo em conta que, na sua língua-mãe, o especificador é normalmente o morfema de classe, incorporado no nome. Quer dizer, ele não reconhece a anomalia nas formas nominais de (110), porque os seus equivalentes nas línguas maternas são expressos através de outros meios linguísticos.