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Capítulo 1 – Terrorismo

1.9. A influência da globalização

Não podemos negar que a globalização teve uma grande influência ao nível do terrorismo – “a globalizaç~o aumentou a mobilidade, a agilidade e o alcance do terrorismo, convertendo-o num dos adversários mais temíveis para todas as

51 Cf. Vítor Viana, Consequências Estratégicas do 11 de Setembro de 2001, in Relações Internacionais, Lisboa, n.º 31, Setembro de 2011, p. 26.

52 Cf. Vítor Viana, ibidem. 53 Cf. Vítor Viana, op. cit., p. 25.

54 Tal como é aliás referido em Ana Maria Guerra Martins, Algumas Implicações do 11 de Setembro

de 2001 na Ordem Jurídica Internacional, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, vol. 44, n.os 1 e 2, 2003, p. 588 ao dizer-se que “de súbito, toma-se consciência de que a paz mundial pode ser ameaçada por entidades poderosas, que não se integram em nenhum dos sujeitos de direito internacional tradicionalmente conhecidos e reconhecidos, sobre os quais a ONU tem mais dificuldade em efectivar a sua jurisdição e em relação às quais se afigura mais difícil reagir”.

55 Cf. Jorge Bacelar Gouveia, O Terrorismo e o Estado de Direito: a Questão dos Direitos Fundamentais, in Segurança e Defesa, Loures, n.º 5, Dezembro de 2007/Fevereiro de 2008, p. 27.

35 sociedades” 56. Efectivamente, “o fenómeno da globalizaç~o n~o aumentou apenas a intensidade das trocas e transacções societais transfronteiriças “benignas” (comunicações, cultura, pessoas, serviços, bens), mas também permitiu a transacção de ameaças e riscos” 57, nomeadamente através da transferência de fundos destinados a financiar actos terroristas e da difusão de propaganda terrorista, com a ajuda de ferramentas como o Facebook, o Twitter e o Youtube. Neste sentido, “as possibilidades de mundialização, sobretudo em termos de transportes e comunicações, permitem-lhes [aos terroristas] aceder mais facilmente a armas de destruição maciça, disseminar a sua rede de contactos e apoios, diversificar e tornar muito mais complexa a sua rede de financiamentos e, acima de tudo, tornar-se num inimigo mais “difuso” e mais “invisível”” 58.

Ainda associada a esta questão há o fenómeno das migrações, uma vez que “[…] a globalizaç~o trouxe um novo impulso aos movimentos transnacionais de pessoas” 59, para além da tão discutida questão dos refugiados. Tendo em conta que a questão das migrações está sujeita a uma desregulação internacional, ou seja, que cabe a cada Estado, no âmbito da sua soberania, decidir se aceita ou recusa imigrantes 60, cada país pode adoptar diferentes políticas migratórias e, neste sentido, diferentes critérios de escolha (no sentido de permitir a entrada dessas pessoas), de forma a captar imigrantes que se enquadrem na sua política. Naturalmente, um dos principais critérios é o da segurança nacional; de facto, os Estados podem avaliar o grau de ameaça dos indivíduos para a segurança nacional e, a partir daí, tomar uma decisão. Como refere Gonçalo Saraiva Matias, este tema “ganhou grande relevo após o 11 de Setembro, tendo os Estados reforçado o seu controlo fronteiriço, até aí, em muitos casos, inexistente ou ineficiente, com o propósito de conter os movimentos de terroristas. Com efeito, não obstante o

56 Cf. Maria Regina Marchueta, Reflexões sobre o Terrorismo Internacional, Lisboa, Edições Duarte Reis, 2003, p. 51.

57 Cf. Luís Fiães Fernandes, O Terrorismo na Era da Incerteza, in Ana Paula Brandão (coord.), A Luta

contra o Terrorismo Transnacional: Contributos para uma Reflexão, Coimbra, Almedina, 2011, p. 31.

58 Cf. Luís Leitão Tomé, op. cit., p. 117.

59 Cf. Gonçalo Saraiva Matias, Migrações e Cidadania, Colecç~o “Ensaios da Fundaç~o”, n.º 45, Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2014, p. 94.

60 Tendo em conta a dimensão do tema, não vamos aqui abordar a questão da redistribuição de refugiados pelos Estados-Membros da UE e do sistema de quotas.

36 declarado combate à imigração ilegal, foi o terrorismo e não esta imigração que despertou os Estados para a import}ncia do controlo das suas fronteiras” 61.

Contudo, o que não pode suceder é que este critério da segurança seja utilizado de forma abusiva, impedindo a entrada daquele candidato no país simplesmente com base em preconceitos étnicos ou religiosos. É certo que existem medidas destinadas a combater este tipo de comportamento, mas o facto que estas também podem ser alvo de críticas. Por exemplo, os exames aleatórios (random

screenings) que as autoridades dos EUA realizam nas fronteiras às pessoas que

pretendem entrarem no seu território; estes exames, sendo aleatórios, serviriam para demonstrar que todas as pessoas, independentemente do seu género, da sua raça, etc., poderiam ser sujeitas a este tipo de procedimentos, mas na prática o que se verifica é que há determinadas categorias de pessoas, nomeadamente os árabes, que são mais frequentemente sujeitas a este escrutínio.

Assim, sobretudo após o ataque terrorista de 11 de Setembro, “[…] nos EUA como na UE, os imigrantes provenientes do mundo islâmico, a começar pelos árabes, passaram a ser vistos como potenciais extremistas religiosos e/ou políticos, suscitando medo. Países onde a população islâmica constitui uma componente relevante desde há três ou mais décadas, como a França ou a Grã- Bretanha, tomaram subitamente consciência de que o labirinto de interesses islâmicos com que conviviam albergava impunemente o microcosmos do extremismo islamista armado” 62 63. Especificamente na Europa, esta “tornou-se “terra do Isl~o” devido { presença de cerca de 15-20 milhões de Muçulmanos na Europa Ocidental. A crescente afirmação cultural destas comunidades, aliada a uma incapacidade ou relutância de assimilarem a cultura dominante, alimentam os receios daqueles que temem a perda da homogeneidade étnica e cultural dos países europeus” 64. Isto foi exacerbado com o aumento da popularidade dos

61 Cf. Gonçalo Saraiva Matias, op. cit., pp. 24-25.

62 Cf. João Maria Mendes, Multiculturalidade e Multiculturalismo no pós-11 de Setembro, in Janus

2003 – Anuário de Relações Exteriores, Lisboa, 2003, p. 130.

63 No mesmo sentido, cf. Maria Regina Marchueta, op. cit., p. 75 quando é referido que “desde os atentados terroristas, a figura do muçulmano tornou-se mais estigmatizada ainda, sendo facilmente conotada com a delinquência e com a violência, criando-se, nas sociedades ocidentais, fenómenos de xenofobia, factor altamente negativo para a convivência pacífica e o diálogo entre as duas civilizações”.

64 Cf. Maria do Céu Pinto, A Jihad Global e o Contexto Europeu, in, Adriano Moreira (coord.),

37 partidos políticos de extrema-direita. Por exemplo, em França há a Frente Nacional, cuja actual líder é Marine Le Pen. Nas eleições regionais de Dezembro de 2015 este partido venceu a primeira volta em seis das treze regiões de França, embora tenha sido derrotado na segunda volta. Segundo várias sondagens, terá grandes hipóteses de passar à segunda volta nas eleições presidenciais de 2017. Na Áustria, na segunda volta das mais recentes eleições presidenciais, o candidato de extrema-direita Norbert Hofer, do Partido da Liberdade, foi, por uma pequena diferença de votos, superado pelo vencedor, o candidato independente (mas apoiado pelo partido ecologista) Alexander Van Der Bellen 65. Surge, agora, a preocupação com as eleições legislativas. O mandato do actual Governo austríaco termina em 2018, mas de acordo com as sondagens, se as eleições tivessem lugar agora, haveria fortes probabilidades de a extrema-direita ganhar. Para além disso, na sequência dos diversos ataques terroristas de que a Europa tem sido alvo e por influência das já referidas vagas de refugiados que têm tentado entrar neste continente, provenientes, sobretudo, da Síria, do Afeganistão e do Iraque, há diversos críticos à manutenção do acordo de Schengen 66.

Por outro lado, nos EUA, há que referir Donald Trump, recentemente eleito Presidente. Na sequência dos ataques de 13 de Novembro de 2015 em Paris e do tiroteio de 2 de Dezembro desse mesmo ano, em San Bernardino, na Califórnia, defendeu que “os muçulmanos devem ser total e completamente banidos de entrar nos Estados Unidos da América até que os representantes [dos EUA] consigam descobrir o que est| a acontecer” 67. Em Junho de 2016, após um tiroteio em Orlando, na Flórida, cujo autor tinha nascido nos EUA e era descendente de afeg~os, referiu o seguinte: “quando for eleito, vou suspender a imigraç~o de

65 Contudo, o Tribunal Constitucional austríaco decidiu anular os resultados obtidos e ordenar novas eleições presidenciais, na sequência de um recurso interposto pelo líder do Partido da Liberdade, Heinz-Christian Strache. Nestas novas eleições, que tiveram lugar em 4 de Dezembro de 2016, Alexander Van Der Bellen voltou a ganhar.

66 Aliás, logo após o ataque à sede do jornal francês Charlie Hebdo em 7 de Janeiro de 2015, Marine Le Pen apelou para a suspensão do espaço Schengen para que o povo francês pudesse “recuperar o controlo das suas fronteiras” – cf. Euronews, Marine Le Pen exige encerramento imediato das

fronteiras depois dos ataques de Paris, 13 de Janeiro de 2015, disponível em

http://pt.euronews.com/2015/01/13/marine-le-pen-exige-encerramento-imediato-das-fronteiras -depois-dos-ataques-de- e Diário de Notícias, Marine Le Pen quer fechar as fronteiras internas

europeias, 13 de Janeiro de 2015, disponível em http://www.dn.pt/globo/interior/marine-le-pen-

quer-fechar-as-fronteiras-internas-europeias--4338858.html (consultados em 27/07/2016). 67 Cf. Observador, Donald Trump: “todos os muçulmanos devem ser impedidos de entrar nos EUA”, 7 de Dezembro de 2015, disponível em http://observador.pt/2015/12/07/donald-trump-todos-os- muculmanos-devem-ser-impedidos-de-entrar-nos-eua/ (consultado em 27/07/2016).

38 regiões do mundo com um passado comprovado de terrorismo contra os Estados Unidos, a Europa ou os nossos aliados, até que saibamos exactamente como pôr fim a essas ameaças” 6869.

Naturalmente, posições discriminatórias, baseadas na ideia de que “nós somos os bons e eles s~o os maus”, servem apenas para agravar o problema, porque contribuem para a divisão entre as pessoas e favorecem o desenvolvimento de fenómenos como o racismo, a xenofobia e também o terrorismo.