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Capítulo 1 – Terrorismo

1.8. O que mudou com o ataque terrorista de 11 de Setembro de 2001 nos

É frequente ler-se que o ataque terrorista de 11 de Setembro de 2001 que teve lugar nos EUA representou um “corte” na história do terrorismo devido ao nível de violência utilizado, surgindo um novo período, vulgarmente designado por “super-terrorismo”, “hiperterrorismo” ou “terrorismo pós-moderno” 46. É importante esclarecer que esta divisão de períodos não estaria relacionada com a que fizemos no ponto anterior, onde examinámos a evolução histórica do terrorismo e verificámos que este tem tido diversas fases tendo em conta as motivações dos próprios terroristas; no caso presentemente em análise, o suposto surgimento de um novo período adviria de uma avaliação baseada em outros factores, designadamente o nível de violência do ataque e o local onde ocorreu. Com o devido respeito, discordamos desta opinião.

É certo que este ataque trouxe consigo novidades. Nesta data, houve não só um ataque terrorista da Al-Qaeda aos EUA, mas adicionalmente tendo por alvos símbolos do poder económico e militar deste Estado (as Torres Gémeas e o Pentágono) e utilizando aviões dos EUA. Como refere Adriano Moreira, os EUA foram “atacados dentro do seu território […] e usando meios rudimentares em comparação com a sofisticação do aparelho de defesa e segurança do agredido” 47. Isto demonstrou a vulnerabilidade do sistema de segurança dos EUA, até então considerado um dos melhores do mundo. Assim, este acontecimento, para além de trazer uma maior visibilidade para a Al-Qaeda, trouxe mudanças sobretudo ao nível da política externa dos EUA, que passou a dedicar uma atenção muito maior ao combate contra o terrorismo e também à sua relação com as potências nucleares. José Medeiros Ferreira menciona que “[…] o 11 de Setembro […] retira ao poder político norte americano a capacidade de iniciativa. Onde havia uma

46 Cf., nomeadamente, Luís Leitão Tomé, O 11 de Setembro e o “Terrorismo de Novo Tipo”, in Janus

2003 – Anuário de Relações Exteriores, Lisboa, 2003, p. 116, referindo-se { ultrapassagem de “um

limite impens|vel, inconcebível” e ao surgimento de terroristas para os quais “todos os meios s~o bons e justificáveis em função dos seus fins, incluindo o sacrifício da sua própria vida e a de milhares de inocentes civis” e acrescentando que “contra este tipo de terroristas n~o h| praticamente poder de dissuas~o, uma vez que estes indivíduos procuram “oferecer” a sua vida, em nome da “causa” e na expectativa de serem recompensados pela autoridade divina depois da morte terrena”.

47 Cf. Adriano Moreira, A Jurisdição Penal Internacional, in Revista da Faculdade de Direito da

33 tendência ao isolacionismo, há de novo a necessidade de uma resposta externa […]” 48.

Por outro lado, dizer que o nível de violência que caracterizou este ataque torna-o um marco na história do terrorismo não está correcto. É certo que foi um ataque verdadeiramente violento, mas também o foram, por exemplo, os bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki em Agosto de 1945, bombardeamentos esses que foram levados a cabo pelos EUA. O argumento do nível de violência não pode proceder, porque a história é constituída por um crescendo de violência; estão continuamente a ser transpostos limites até ao momento inimagin|veis. Como refere Adriano Moreira, “talvez n~o seja razo|vel avaliar o 11 de Setembro de 2001, repetidamente apontado como o facto que mudou a geopolítica, sem ter em conta que a subida aos extremos do terror, como variável da ordem internacional, fora atingida com [os bombardeamentos] do Japão, e que a ordem internacional que recebeu o ponto final com a queda do Muro de Berlim em 1989, foi uma ordem do medo recíproco com o holocausto no horizonte” 49. Neste sentido, n~o se compreende como é que “uma sociedade internacional submetida durante meio século a um equilíbrio pelo terror, anunciado pelas armas estratégicas à disposição dos Pactos Militares, foi abalada ao ponto de geralmente se entender que se iniciou uma nova época em 11 de Setembro de 2001, a partir de uma agressão que horrorizou o povo americano e o mundo ocidental, mas que n~o tem a dimens~o de Hiroshima ou Nagasaki” 50.

48 Cf. José Medeiros Ferreira, Os Acontecimentos do 11 de Setembro: Que Leituras?, in Revista da

Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, vol. 44, nos 1 e 2, 2003, p. 509. Este autor continua dizendo que “onde havia uma tendência ao unilateralismo, h| de novo uma necessidade de reagrupar alianças”, mas esta parte já não nos parece tão correcta. É certo que os EUA procuraram fortalecer alianças, nomeadamente através da acção concertada com o Reino Unido, mas, por outro lado, não esperaram por uma autorização da ONU para invadir o Afeganistão. Na nossa opinião, a tendência unilateralista manteve-se. Este Estado iria agir, quer tivesse ou não o apoio do Reino Unido, com o propósito de manter o seu poder ao nível internacional. Como é referido em Manuel Domingos Antunes Dias, A Violência e o Olhar Norte-americano pós 11 de Setembro, in Politeia, Revista do Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna, Coimbra, ano 4, n.os 1/2, 2007, p. 38, a política externa dos EUA tem assentado na ideia de que os EUA s~o uma “potência mundial dominante” e, neste sentido, têm uma “responsabilidade especial na |rea da segurança”, sobretudo tendo em conta que na opinião deste país o Direito Internacional e as instituições internacionais não são suficientemente capazes de garantir a segurança e a justiça.

49 Cf. Adriano Moreira, Insegurança sem Fronteiras: o Martírio dos Inocentes, in Adriano Moreira (coord.), Terrorismo, 2.ª edição, Coimbra, Almedina, 2004, pp. 131-132.

34 Mesmo quem diz que esta data representa o início de um novo período devido ao carácter transnacional do ataque esquece que já antes se tinham verificado ataques na forma do desvio de aeronaves; por exemplo, em 22 de Julho de 1968, quando um avião da companhia israelita El Al foi tomado de assalto por 3 membros da Frente Popular para a Libertação da Palestina, durante um voo entre Roma e Tel Aviv, tendo sido forçado aterrar na Argélia.

Assim, o ataque desta data, ao demonstrar “o fim da “santuarizaç~o” do território dos Estados Unidos” 51, trouxe, sim, mudanças ao nível da política externa deste país, “evidenciada com a invas~o do Iraque, privilegiando o unilateralismo, o recurso a “coligações de vontade” e a prática da guerra preventiva […]” 52. Este ataque demonstrou “a globalizaç~o das ameaças e do cen|rio estratégico, e a força crescente dos actores n~o estatais” 53 54, consequências que já se vinham manifestando desde o fim da Guerra Fria. Esta alteração na política externa traduziu-se, como veremos, numa “alteraç~o de paradigma no papel do Estado na garantia da segurança dos cidadãos e da sociedade em geral” 55, mas não é suficiente para consubstanciar a existência de uma nova fase no terrorismo.