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CAPÍTULO 2 – GLOBALIZAÇÃO E A CRISE SOCIOAMBIENTAL

2.2 INFLUÊNCIAS DA GLOBALIZAÇÃO SOBRE AS COMUNIDADES LOCAIS

O discurso do capitalismo sobre a diminuição das diferenças e aumento das possibilidades na busca da unificação do planeta não se confirmou, ao contrário, como diz Santos (2008, p. 33) “as diferenças locais são aprofundadas, uma vez que aumenta a competição entre o global e o local”.

A incorporação de pequenas empresas locais por grandes multinacionais, transnacionais, diminui a variedade de oferta de produtos, diminui a concorrência e reduz as opções de escolhas por parte da população. De certa forma, esse movimento é verificado em grande parte do planeta, em que poucas empresas controlam a oferta de produtos, o que de certa forma suprime a diversidade, desenvolvida ao longo da história cultural dos povos. Como diz Santos (2008, p. 68), um pequeno número de grandes empresas acarretam na sociedade um processo de desequilíbrio, pois “alteram as relações sociais dentro da comunidade, muda a estrutura do emprego, das relações econômicas, sociais, culturais e morais” à medida que promovem uma competição desigual com as empresas locais.

Essa influência do global no local também é destacada por Giddens (1991, p. 60) que descreve a globalização como “a intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa”.

A transformação local é tanto uma parte da globalização quanto a extensão lateral das conexões sociais através do tempo e do espaço. Assim, quem quer que estude as cidades hoje em dia, em qualquer parte do mundo, está ciente de que o que ocorre numa vizinhança local tende a ser influenciado por fatores — tais como dinheiro mundial e mercados de bens — operando a uma distância indefinida da vizinhança em questão. (GIDDENS, 1991, p. 60).

Giddens (1991, p.71) faz uma diferenciação entre capitalismo e industrialismo e os descreve como “dimensões diferentes envolvidos nas instituições da modernidade”. Define capitalismo como:

[...] um sistema de produção de mercadorias, centrado sobre a relação entre a propriedade privada do capital e o trabalho assalariado sem posse de propriedade, esta relação formando o eixo principal de um sistema de classes. O empreendimento capitalista depende da produção para mercados competitivos, os preços sendo sinais para investidores, produtores e consumidores. (GIDDENS, 1991, p. 71).

No processo de globalização há maior demanda por tecnologia, como a construção de máquinas para a exploração dos recursos naturais, em decorrência afeta as relações de

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trabalho, o ambiente e a vida, como diz Giddens (1991, p. 71), “frequentemente aplicada de modo a alterar substancialmente as relações preexistentes entre a organização social humana e o meio ambiente”. Como um exemplo cita o preparo das lavouras com utilização de fertilizantes para a introdução de moderna maquinaria agrícola, o que dispensa a mão de obra e as técnicas tradicionais de cultivo e ainda libera grande quantidade de substâncias químicas nocivas ao meio, alterando os ecossistemas de grandes áreas.

A construção de máquinas cada vez maiores que escavam maiores profundidades, cortam, recortam maiores porções com maior rapidez e eficiência também acelera o processo de degradação ambiental, porquanto afetam grandes áreas em pouco tempo, desviam cursos de água, retiram as florestas e promovem a perda de habitat para os seres vivos e assim conseguem revolver o planeta numa dimensão nunca vista. Como descreve Giddens (1991, p. 71), a “difusão do industrialismo criou ‘um mundo’ num sentido mais negativo e ameaçador”, no qual “há mudanças ecológicas reais ou potenciais de um tipo daninho que afeta a todos no planeta”.

A característica principal do industrialismo é o uso de fontes inanimadas de energia material na produção de bens, combinado ao papel central da maquinaria no processo de Produção. Uma "máquina" pode ser definida como um artefato que realiza tarefas empregando tais fontes de energia como os meios de suas operações. O industrialismo pressupõe a organização social regularizada da produção no sentido de coordenar a atividade humana, as máquinas e as aplicações e produções de matéria prima e bens. (GIDDENS, 1991, p. 53).

Para o crescimento das empresas e a multiplicação dos lucros, há a necessidade de profissionais capacitados para atender ao mercado, assim ocorre paralelamente, a indução para a escolha das profissões, valorização maior de determinados conhecimentos, o direcionamento das pesquisas e, consequentemente maior valorização das profissões que irão suprir a demanda. Isso pode ser visto em âmbito nacional, no estímulo aos cursos técnicos, na priorização dos cursos superiores relacionados às áreas de tecnologia. Em âmbito local, no município de Panambi, a prioridade, principalmente no ensino médio, são cursos técnicos que preencham as vagas abertas pelas indústrias e, dessa forma, preparam e também adaptam às exigências das tecnologias que movimentam a produção mediante os padrões estabelecidos pelo mercado. Muitas famílias estimulam os filhos a seguir um curso técnico, pois representa garantia de emprego e um salário médio, o que não garante satisfação em longo prazo. A demanda de profissionais com domínio do conjunto de técnicas atuais é cada vez maior, há grandes investimentos, à medida que o impulso para o desenvolvimento econômico de um país também se dá na medida e que absorve, estimula e se adéqua a esse sistema.

Por outro lado, muito diferente de épocas precedentes, este novo sistema de técnicas atuais, como a técnica da informação, possibilitada pela eletrônica, pela cibernética, pela informática, assegura o comércio, facilita a comunicação em âmbito mundial, dissemina novas ideias, aproxima pessoas. Mas, de acordo com Santos (2008, p. 26) também é um sistema “invasor” à medida que possibilita a divulgação instantânea de eventos ocorridos em qualquer parte do planeta e penetra sem pedir licença nas vidas cotidianas de forma insistente e constante. Como descreve Santos (2008, p. 25) “Na história da humanidade é a 1ª vez que tal conjunto de técnicas envolve o planeta como um todo e faz sentir, instantaneamente, sua presença”.

Os novos sistemas de comunicação e os novos meios de transporte romperam o equilíbrio entre a fronteira do que está “dentro” e o que está “fora” e, como diz Baumann (2003, p. 19) esta não pode mais ser restabelecida ou mantida, é um caminho sem volta, visto que as fronteiras tendem a diminuir cada vez mais, à medida que o sistema de técnicas se desenvolve. A distância vista como a maior defesa de uma comunidade, segundo Baumann (2003, p. 19) foi reduzida física e virtualmente. Pode-se viajar com facilidade e rapidez para qualquer parte do planeta e instantaneamente através da internet. É possível falar, ver e ouvir em tempo real, sem a presença física, alguém de “dentro” e, ou, de “fora” da comunidade.

A comunidade como diz Baumann (2003, p. 11) é um “lugar confortável e aconchegante” onde as pessoas estão em busca de “segurança e liberdade”, mas não podemos ter as duas coisas, para ter liberdade é preciso abrir mão da segurança. Nas comunidades tradicionais, onde a distância em relação a outras culturas, valores e formas de vida eram maiores, havia também maior segurança, as pessoas se conheciam e se protegiam. O diferente rapidamente era percebido, identificado e a ameaça rechaçada. Na sociedade atual isso já não é possível e como descreve Baumann (2003, p. 7) hoje não temos mais uma comunidade “círculo aconchegante”, mas uma “fortaleza sitiada”, já que não se pode garantir a segurança, pois o estranho está constantemente à espreita, em todos os lugares, na forma física e na virtual.

Este é o tempo em que vivem os jovens, de profundas transformações e incertezas, que busca modificar as relações sociais e influenciar o caráter das pessoas, como diz Santos (2008, p. 38). O discurso do capital não é neutro, nem apolítico, busca a conformação dos indivíduos, proscrevendo qualquer pensamento ou intenção de resistência. Por isso a preocupação com as gerações mais jovens não é somente com o risco da efetivação dessa passividade consumista, movida pelo fascínio exercido pelo show midiático e as possibilidades de consumo, mas também pela convicção cultivada sobre a naturalização desse

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processo. A tecnologia trouxe facilidades para a vida cotidiana, mas também tem um custo, esse custo representa mais trabalho, mais horas extras, observado também em âmbito local, quando os jovens identificam nas horas extras maior poder de consumo. Trabalha-se para satisfazer as vontades momentâneas, sem preocupação com o médio e longo prazo.

Assim, a compreensão das relações de poder entranhadas no mundo atual, tanto na esfera global como local é um desafio que se apresenta aos jovens, assim como, o conhecimento das forças que determinam os rumos da história facilita o reconhecimento de seu lugar no espaço e tempo presentes. Essa pode ser uma tarefa da escola, desmistificar o consumo e fazer uma análise crítica sobre o contexto atual e perspectivas futuras.

A atual valorização da técnica trouxe benefícios em várias áreas, mesmo estes não sendo de fácil acesso a toda população, porém, descuidou do ambiente, como diz Leis (1999, p. 206) “a valorização da técnica e a desconsideração das consequências das ações antrópicas” foram determinantes para a “atual forma de atuação e exploração ambiental desenfreada”. Essa destruição ambiental é um dos resultados do progresso a qualquer custo, ocorrida pelo descaso com as forças e fragilidades da natureza. Frente a isto, questiona-se a negligência da educação para com as novas demandas ambientais. O que a escola tem feito? Em que momentos e em que níveis de ensino ela tem discutido essa temática? Tem desenvolvido uma pedagogia que possibilite sua compreensão em toda sua extensão, totalidade e complexidade? Tem proporcionado a vivência de experiências de integração com o ambiente e de participação comunitária? Procura desconstruir o discurso do capital ou se adéqua ao sistema?

[...] do ponto de vista ambientalista, talvez uma das piores heranças que o século XX recebeu do passado é a noção de que o progresso humano baseia-se na superação de todo e qualquer obstáculo através da força de trabalho e da tecnologia, o que supõe sempre uma liberdade conquistada à custa da degradação ambiental. (LEIS, 1999, p. 206).

O conjunto das técnicas também promove maior cognoscibilidade do planeta, como explica Santos (2008, p. 31), esse é o “conhecimento concreto do mundo tomado como um todo e das particularidades dos lugares, que incluem condições físicas, naturais ou artificiais e condições políticas [...]” e “na busca da mais valia, as empresas valorizam diferentemente as localizações”, o que influencia o descaso com algumas regiões que não tem muito a oferecer e aumenta as diferenças sociais, a pobreza e a degradação ambiental. Essa fragmentação determina quem serão os excluídos e em que lugar.

Os cidadãos que não acompanham essa dinâmica e não dominam o sistema de técnicas estão fora do mercado de trabalho formal, com menos privilégios, menor potencial de

consumo, são discriminados e relegados a planos menores. Formarão grande parte da mão de obra assalariada, e dos empregos informais que ficam à margem do sistema.

Este é um motivo muito forte pelo qual os jovens buscam o dinheiro e o domínio da técnica e não o conhecimento que possa levá-los a uma maior compreensão do mundo. O dinheiro possibilita o acesso aos produtos tecnológicos e define determinado status dentro de seu grupo de convívio e, o que lhes oportuniza uma satisfação momentânea. Fato, que se observa na comunidade local, de Panambi, onde os jovens priorizam também os produtos da moda e, como dito anteriormente, a grande frota de veículos mostra o fascínio pelo carro. Neste mercado de consumo não basta apenas ter um produto, mas a moda exige que seja o de última geração, o mais moderno e, assim, os produtos tornam-se obsoletos rapidamente.

Para alimentar esse ciclo vicioso trabalha-se cada vez mais, não há tempo para laser, pouco tempo para as relações familiares, para a amizade, menos ainda para deter o olhar sobre o que acontece na comunidade e na natureza e, quase nada para esboçar uma reação ou produzir uma ação. Exemplificado na fala do ex-monitor2 sobre o Projeto Garabi-Itá “depois desse não me lembro de ter tido outro”, e na fala do ex-monitor1 “Não pensava sobre isso. Tinha até esquecido, era como se fosse só mais uma atividade da escola”. Falas que podem refletir o estilo de vida urbano, trabalho e consumo, podem amortecer os sentidos como diz Carlos (1995) e causar o afastamento do meio natural.

Outro efeito da globalização é a ampliação do papel político das empresas na regulação da vida social e é apontada por Santos (2008) como outra “perversidade do processo de globalização”, visto que tira do estado a função pública e a possibilidade da organização social e o direito a tomada de decisões pela população, ficando à mercê das vontades das empresas e de seus atos de caridade. Forma de caridade que funciona como um estratagema, porquanto são as empresas privadas que escolhe a quem, onde e como privilegiar. A população inadvertida confere credibilidade e gratidão pela benevolência das ações das empresas, que sempre estão coladas a uma grande campanha e propaganda midiática, com propósito de autopromoção, senão apenas o fazem como pagamento de multas por danos, ou, para cumprimento de metas como pré-requisito para elevação dos patamares das empresas.

Essa forma de caridade nega o direito à escolha, oculta, ofusca as razões que levaram a grande massa de pedintes e necessitados a depender de migalhas. Do contrário, a justiça social se faz na criação de oportunidades, para através do acesso e valoração do trabalho possibilitar a população e, o indivíduo a fazer as próprias escolhas. O educador Paulo Freire (1987, p. 17)

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questionava essa forma de caridade, pois acreditava na relevância da justiça social e na reação dos oprimidos:

A falsa caridade, da qual decorre a mão estendida, do ‘demitido da vida’, medroso e inseguro, esmagado e vencido. Mão estendida e trêmula dos esfarrapados do mundo, dos ‘condenados da terra’. A grande generosidade está em lutar para que, cada vez mais, estas mãos, sejam de homens ou de povos, se estendam menos, em gestos de súplica. Súplica de humildes a poderosos. E se vão fazendo, cada vez mais, mãos humanas que trabalhem, e transformem o mundo. Este ensinamento e este aprendizado têm de partir, porém, dos ‘condenados da terra’, dos oprimidos, dos esfarrapados do mundo, e dos que com eles realmente se solidarizem. (FREIRE, 1987, p. 17)

Outra implicação da globalização foi a grande aglomeração da população mundial em poucos centros urbanos, o que trouxe diversos problemas, desafiando a capacidade de suporte destas áreas, nas quais, como diz Cavalcanti (2011), também há formação de espaços contraditórios, criados por dinâmicas socioespaciais que valorizam ou segregam lugares, onde o Estado e suas políticas públicas definem o valor da terra. Esses lugares segregados das cidades nunca são de localização privilegiada e o acesso à infraestrutura é mínimo, confirmando o estado de desproteção social que o capitalismo confere a maioria da população.

A vida cotidiana das áreas urbanas difere muito da vida no campo, onde os jovens constroem desde pequenos uma relação de maior interação com a natureza e aprendem muito cedo sobre esse meio natural através da observação e da imersão no lugar. A educação do campo, não se enquadra no padrão das escolas urbanas, ainda permeada por objetivos claros de adequação à realidade rural. Porém, na cidade, são poucas as iniciativas existentes para conseguir reverter os efeitos indesejáveis da globalização, discutidos nesse capítulo. Na

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