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Ingênuos na sala de aula: os favorecidos da nação.

“Meus oito anos.

‘Ah, que saudade que eu tenho, da aurora da minha vida, da minha infância querida, que os anos não trazem mais...

Oh, que sonhos , oh que flores, naquellas tardes fagueiras, a sombra das bananeiras, debaixo dos laranjais...’

Casimiro de Abreu.” “Morro Velho. ‘ E o velho camarada, já não brinca, mais trabalha...’ Ronaldo Bastos”

Para meu avô, José Cosme de Jesus. Nascido em Santo Amaro, em 1874. Carapina de profissão.

A educação dos pobres no último terço do século XIX, objeto desta pesquisa, esteve diretamente relacionada à formação de um certo trabalhador e de um certo ideal de cidadão, o trabalhador morigerado. E também às mudanças de participação política, como a exigência de ser alfabetizado para votar. O intuito, ao unir Instruir e Educar pobres foi formar futuros cidadãos, aptos a colaborarem na construção do país. Esta colaboração, porém, deveria ocorrer sob uma premissa hierarquizadora e organicista, na qual cada grupo tinha um lugar e uma atuação predefinida, e que respondia a demandas sociais vivenciadas no período, como as leis.Para atingir tal intuito, os pobres deveriam ser capacitados nas habilidades de ler, escrever e contar, assim como preparados em ofícios, tanto nas habilidades de artífices ou artistas, como nos ofícios da agricultura, contanto que exercessem atividades produtivas, permitindo o controle desta crescente massa liberta e livre.

Porém, o caminho de educar e instruir os pobres, as “classes nacionaes” para um melhor uso na agricultura, e, se houvessem excedentes, nas industriaes, para assim servir ao país, foi espinhoso.Uma das experiências foi a educação destinadas aos ingênuos, cujos indícios apareceram aos fuçarmos os maços do fundo Instrução Pública.

Alguns pontuais trabalhos históricos1 vêm se debruçando sobre esses filhos da diáspora, enfatizando as propostas de instituições agrícolas e asilos que se propuseram a educá-los em conjunto com menores órfãos e desvalidos. Entretanto, em artigo recente CHALHOUB reclamou uma maior ênfase para esse tema, principalmente o rastrear as experiências concretas desses sujeitos nos processos de escolarização. No nosso caso, os rastros que encontramos foram da convivência destes nas aulas pública com livres e pobres em geral. Sinais muito esparsos, em consonância com os dados dos Relatórios do Ministério da Agricultura, responsável pela matricula dessas crianças, que são enfáticos em informar ter sido ser quase nula a entrega destes ao Governo, sendo que sobre a Bahia sempre faltavam dados.

Também trabalhamos ofícios de juizes de órfãos e ausentes, a quem estas crianças estavam submetidas. Destes, emergiram lutas pelo poder sobre essas crianças e adolescentes, pois ao ser decretada a Abolição, em 1888, nenhum ingênuo tinha alcançado os dezoito

1 SCHUELLER, Alessandra. Op.cit. FONSECA, Marcus Vinicius da. A educação dos negros: uma nova face

da Abolição. Bragança Paulista, SP:Editora da Universidade São Francisco; 2001. ALANIZ, Ana Gicelle.

anos, quiçá a maioridade exigida de 21 anos, que lhe proporcionaria a liberdade efetiva de prestar serviços ao senhor de sua mãe.

Porém, primeiramente consideramos importante delimitar o que era o ingênuo, questão fundamental na nossa pesquisa, pois no manuseio das fontes este termo aparecia e não sabíamos o que designava. Ocorreu então uma busca dupla: sobre que foram os ingênuos e quais seus rastros .

Ingênuo, juridicamente foi o filho da escrava libertada, portanto já nascido livre. Tal termo, concepção e figura jurídica vêm do direito romano. Segundo MATHIAS DE SOUZA

2, ingênuos eram os filhos dos libertos e estes eram os escravos alforriados. Assim explica

que se usando o direito romano” manumissos, e ingênuos eram os filhos dos ex-escravo”. Desta disposição jurídica do ingênuo, no direito romano, ser o filho do escravo já liberto, e dos direitos plenos de cidadão que disto decorria, surgiu a maior polêmica no uso deste termo e da inserção social destes, o filho livre da mulher escrava, após a lei nº 2040, de 28 de setembro de 1871, conhecida como Lei do Ventre-Livre. Atendendo-se ao exposto por MATHIAS DE SOUZA, não seriam realmente ingênuos, pois não eram filhos de liberta e sim libertados no ventre escravo.

CROTELLA também estribado no direito romano informa que

“ Ingênuo é quem nasce e continua livre, pouco importando que o pai seja

ingênuo ou liberto. Os ingênuos podem ser cidadãos romanos, latinos ou peregrinos. Os primeiros tem todos os direitos do cidadão romano; os latinos e peregrinos tem situação jurídica especial, inferior á dos primeiros. A qualidade de ingênuo ou ingenuidade(“ingenuitas’) é adquirida ou por meio de decreto imperial que confere à pessoa o direito de usar o anel de ouro(“jus annulorum aureorum), símbolo da situação de ingênuo ou por meio de privilégio especial que sob todos os aspectos assimila a pessoa aos ingênuos ( “ restitutio natalium”)3.

Para além desta questão estritamente legal, outra bem mais complexa estabeleceu –se: quais seriam os direitos destes protagonistas d esgarçamento da escravidão e da reatualização do trabalho ? Para entender um pouco destas questões foi necessário cercar o contexto da

2 CARLOS FERNANDO MATHIAS DE SOUZA.Vice-Presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região e Professor Titular da Universidade de Brasília. “Evolução histórica do direito brasileiro (XVII): o século XIX.” www.Jus Navigandi - Doutrina - A invenção da infância: pressuposto para a compreensão do Direito da

Criança e do Adolescente.

promulgação da Lei 2040, marco fundamental na reconstituição do regime de trabalho no Brasil em termos de relação senhores e seus trabalhadores no final do século XIX.

O problema era que a condição de ingênuo, no direito romano, proporcionava a seu detentor todos os direitos de uma cidadania integral . Caso se usasse tal jurisprudência para o caso dos ingênuos brasileiros, estes passariam a ter acesso a alguns direitos que a mera condição de liberto não proporcionava. Muito menos os escravos. Segundo ALANIZ ” A condição efetiva de ingênuo talvez houvesse propiciado aos defensores destes os instrumentos indicados para livrá-los do caráter ambíguo da referida lei4”.

Informou-nos mais uma vez MATHIAS DE SOUZA que, de acordo com o artigo 6º, inciso I da Constituição Imperial Brasileira de 1824, ''São cidadãos brasileiros os que no Brasil tiverem nascido, quer sejam ingênuos ou libertos (...)''. Deste artigo, segundo ele, deduz-se que os escravos não eram cidadãos, enfatizando que “(...) como no velho direito romano, eram, repita-se, coisa, por isso que podiam ser negociados como propriedade do

respectivo senhor”.Entretanto, ser coisa ou não coisa, os escravos eram agentes históricos, com desejos e vontades, a partir das experiências vivenciadas na diáspora.5.E como quaisquer outros sujeitos sociais, engendraram estratégias de disputa por espaços sociais, mesmo na escravidão.

Rápida Historiografia sobre o Ingênuo:

Relativo à Lei do Ventre Livre, a historiografia específica também vem ampliando-se quanto aos debates sobre a lei e seu processo jurídico, como o fundamental trabalho de Eduardo PENNA6, que trata das relações existentes entre a dimensão da lei de 1871 e os discursos e atitudes dos juriconsultos emancipacionistas, que denomina “pajens da casa imperial”, ao acompanhar suas posturas de servidão ao poder e às estruturas do Governo.

4 ALANIZ, Ana Gicelle. Ingênuos e libertos em Campinas no século XIX.Campinas, SP: CMU, Editora da Unicamp;1997.

5 A historiografia crítica sobre o caráter cotidiano do escravo ser coisa, passivo, reflexo da vontade do senhor, esta bastante discutida para ser necessário retomar aqui. Ver os clássicos de CHALHOUB, Sidney. Visões da

Liberdade: as ultimas décadas da escravidão na Corte Imperial, especialmente a discussão historiográfica do primeiro capitulo. REIS, João José e SILVA, Eduardo, a coletânea de ensaios “ Negociação e conflito; REIS, João José.Rebelião africana no Brasil, 2ªedição. SLENES, Robert Wayne. Na senzala era uma flor. Trabalhos de pesquisa mais recentes sobre a Bahia são a dissertação de mestrado de FLORENCE, Afonso sobre ações de liberdade de africanos livres, 2000; e a tese de doutorado de FRAGA FILHO sobre experiências, estratégias e limites de liberdade entre libertandos no pós-abolição, no recôncavo baiana, Unicamp. 2005.Agradeço ao professor FRAGA FILHO a cessão gentil da sua tese, ainda inédita.

6 PENA, Eduardo Spiller . Pajens da Casa Imperial.Campinas: Editora da UNICAMP; 2001. Agradeço ao colega Afonso Florence a indicação deste livro e o esclarecedor bate-papo inicial sobre os ingênuos.

Outro viés são os trabalhos mais verticalizados sobre experiências concretas de vivências de ingênuos. Alguns trabalham com documentação massiva, serial, como livros de matricula e óbitos de ingênuos, ou escrituras de compra e vendas de escravos, buscando na circulação das mães a presença destes ingênuos. Outros com inventários e registros de tutela. Alguns trabalham basicamente com uma documentação muito esparsa7, com verdadeiros sinais indiciários, mas que permitem lançar clarões sobre o véu que ainda encobre as experiências destes sujeitos.Este recorte pode ser re-tematizado em três enfoques: o ingênuo no campo da historiografia da infância e do trabalho; o ingênuo na historiografia da família, especificamente a família escrava; o ingênuo e a educação dos negros.

O primeiro recorte enfoca, na perspectiva de uma História Social da Infância, vivências de ingênuos em relação ao mundo do trabalho, debruçando-se sobre o uso da mão de obra dessas crianças, garantida aos senhores de sua mãe pela lei 2040. A partir da incorporação de aspectos legais da Lei em foco, e de outras estratégias, como o uso da lei de tutela, assim como da endoculturação destas crianças no ethos escravistas, estes trabalhos rastreiam experiências concretas desta ambigüidade em construção no Brasil daqueles anos em relação a estes livres-escravos.É um campo ainda em aberto, com pouquíssimos trabalhos.

Um destes é de TEIXEIRA8 sobre os crianças escravas, ingênuas e livres como mão de obra em Mariana, considerando ter sido uma mão de obra compulsória , via o uso da tutela. As utilizações desta mão de obra de crianças pobres nas atividades agrícolas teria sido comum na região, intensificando-se a partir da década de 1880, quando os primeiros ingênuos completaram a idade limite de entrega ao Estado, e também adentraram plenamente à idade produtiva, entre os dez e doze anos9.

Caminha trilhos próximos o trabalho de ZERO10que buscou as formas de controle da mão de obra pobre infantil analisando as ambigüidades da “Lei do Ventre Livre” que contribuiu para aumentar processos de tensão . Buscou os ”(...) mecanismos institucionais (legais), econômicos e sociais que possibilitaram a existência de crianças tuteladas no decorrer da transição do trabalho escravo para o trabalho livre, assim como, identificamos os efeitos que o processo de tutoria produziu sobre a família do tutelado”.

7 Sobre os sinais indiciários ver GINZBURG, Carlo. Mitos , emblemas e sinais. SP: Cia das Letras;1987. 8 TEIXEIRA, Heloisa Maria. A Não-Infância: crianças como mão-de-obra compulsória em Mariana (1850-

1900). Trabalho apresentado no XIII Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais, realizado em Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil de 4 a 8 de novembro de 2002.

9 Ver em MATTOSO, Kátia, O filho da escrava, e em FLORENTINO, Manolo, Crianças escravas, crianças

dos escravos, que os registros indicam ser esta a idade em que as crianças escravas começavam a ser responsabilizadas por tarefas de trabalho normal, tanto nos ofícios da agricultura, como nos demais.

O segundo campo prioriza o ingênuo no contexto da família escrava. O trabalho pioneiro foi o de MATTOSO11, no qual problematizou a vida dos filhos da mulher escrava, livres e escravinhos.Acompanhou como ocorria o aprendizado das atividades diárias, em que faixa de idade eles começavam a participar as atividades produtivas; se existiram distinções quanto ao sexo e “qualidade de cor”. Qual acesso ao letramento puderam ter, especialmente após a lei de 1871. Enfim, levantou várias indagações e pontos de encaminhamentos a outras pesquisas sobre a vida destes sujeitos. Todos os trabalhos que enfocam os ingênuos a este se referem, e no nosso caso, em conjunto com o de FRAGA FILHO12 sobre mendicância e menores vadios, foi o ponto de partida do interesse na temática.

No mesmo campo situa-se o trabalho de ALANIZ sobre ingênuos e libertos em Campinas, nas duas últimas décadas do século XIX, enfocando as estratégias das famílias escravas.É um trabalho tributário da atual leitura historiográfica sobre família escrava, fundada nas pesquisas de SLENES13, que desconstruiu o olhar branco, eurocêntrico e burguês sobre as diversas alternativas e arranjos familiares nas classes populares, entre estas as dos escravos.ALANIZ buscou, nos processos de tutela14 dos fóruns de Campinas e Itu, as lutas dos parentes dos ingênuos para mantê-los juntos a si, ou para colocá-los em tutelas que garantissem proteção a estas crianças.

A análise desses processos permitiu-lhe afirmar que as tutelas dos ingênuo, muitas vezes por senhores de suas mães, foram realmente uma tentativa de garantir mão de obra barata, abundante. Um dos argumentos era a piedade e responsabilidade cristã com o ingênuo. Porém, nos 608 processos de tutoria analisados a preferência recaiu sobre aqueles na faixa de 08 a 21 anos. Crianças pequeninas, entre 00 a 02 anos foram apenas 2,96 % desses processos.Analisando tais processos, entre 1871 e 1895, a autora encontrou sempre baixíssimos índices de tutela. Porém, no ano de 1888 os pedidos explodiram, alcançando 72,

11 MATOSO, Kátia.O filho da escrava. In: Del Priore, Mary. Historia Social da Criança no Brasil. SP: Contexto, 1991.

12 FRAGA FILHO. Mendigos, moleque e vadios.São Paulo: Hucitec;1996.

13 SLENES, Robert Wayne. Na senzala uma flor. esperanças e recordações na formação da família escrava,

Brasil Sudeste, século XIX.RJ: Editora Nova Fronteira;1999; “Escravidão e família: padrões de casamento e estabilidade familiar numa comunidade escrava” (Campinas, século XIX). Campinas: EstudosEeconômicos, 17;1987. E “Senhores e subalternos no oeste paulista”. in: Luís Felipe de Alencastro(org.), história da vida privada no Brasil: a corte e a modernidade nacional.São Paulo: Cia das Letras; 1988.

14 A tutela no Brasil Imperial, continuou a seguir as ordenações Filipinas. Portanto eram tuteláveis os órfãos completos ou de pai, pois a lei não reconhecia na mãe o Pátrio Poder. Como o filho da escrava não tinha pai legal, a não ser quando reconhecido por legitimação, por ser a escrava propriedade do senhor, todos eram tuteláveis a priori.

representando 60% de todos os em vinte e três anos . A ressaltar que a abolição não extinguiu de vez a tutela, que era considerada um contrato entre livres, o tutor e o ingênuo.

“ Essa distinção entre ambas as condições , de escravos e ingênuo , deve ser considerada de importância capital, uma vez que, não sendo a tutela especifica das legislações do elemento servil, não será revogada pela lei número 3353 em maio de 1888. assim, por ocasião da abolição os ingênuos que estivessem sob tutela dos ex-senhores de suas mães, permaneceriam nesse estado até sua maioridade, que era o momento em que o vinculo tutelar findava-se”16.

Interessante sua reflexão sobre o significado dos ingênuos nas famílias escravas após 1871, como depositários da esperança de liberdade dos demais, contrapondo-se a uma leitura que o ingênuo era um pomo da discórdia, por ser livre e a mãe escrava; por ter irmãos escravos. ALANIZ nos levou a olhar este ingênuo como “um ovo de indez”, expressão popular para algo muito raro, querido, desejado, aquele que, tendo o estatuto da liberdade, carregaria a missão de prover pelo trabalho o dos demais familiares.É um campo a desvendar...

Hebe MATTOS em trabalho que prioriza as memórias de descendentes de cativos no Sudeste brasileiro, também chama a atenção para esta posição familiar do ingênuo, de ser o repositário das esperanças familiares, destacando como o contexto da Lei do Ventre Livre impactou positivamente a coesão familiar escrava. Esta vivencia esteve presente nas narrativas que constroem o livro, “ a força e a importância das relações primárias (pai, mãe, filhos) que mais se evidenciam nas narrativas, marcando a originalidade e humanização dos antepassados do entrevistado face à animalização genérica que estrutura a memória coletiva sobre os significados da escravidão”17.

Ainda sobre os ingênuos e família, tangencialmente os enfoca XAVIER18 em seu trabalho, também sobre Campinas, enfocando os libertos e suas famílias. Mas uma vez as ações de tutela de ingênuos foram as fontes principais, acompanhando como suas famílias de lutaram para reavê-los, e como experimentaram a própria liberdade..

Diretamente buscando o filho da mulher escrava tem-se o trabalho de ALMEIDA, sobre Cuiabá,”(...) abordando o movimento emancipacionista e a legislação que privilegiava

15 ALANIZ:1997;Pp 59. 16Idem. Pp.20.

17 MATTOS, Hebe e RIOS, Ana Lugão. Memórias do cativeiro.RJ: Civilização Brasileira;2005.P.p.89

18 XAVIER, Regina Célia.A conquista da liberdade: libertos em Campinas na segunda metade do século XIX. Campinas :CMU/Unicamp;1996.

a liberdade do ventre escravo e de crianças cativas. Buscou evidenciar um grupo específico de crianças, as filhas de escravas após 1871, que, por uma determinação legal, fugiram a regra estabelecida e vivenciada por três séculos, o fruto seguir o ventre, ou seja, o filho/a da escrava , escravo era, para além de certas distinções sociais importantes, como a categoria cor. Estas crianças passaram a nascer livres por determinação legal. ALMEIDA enfatizou, especificamente, na Província de Mato Grosso, os que se investiram de autoridade para falar por e sobre estas crianças, no caso os juízes de órfãos, autoridades policiais, párocos e demais eclesiásticos.

O de GEREMIAS19 trata de ingênuos e dos arranjos familiares de escravos e libertos na ilha de Santa Catarina, na década de 1880.É um artigo que apresenta reflexões iniciais sobre os arranjos familiares e as estratégias de sobrevivência das populações de origem africana na Ilha de Santa Catarina. Usou também como fontes os processos de tutoria, para apreender a legislação vigente e o aparato judicial voltado para a assistência dessas crianças e a aplicação da lei. Considera que a lei de 1871, ainda que desse liberdade presumida aos filhos da mulher escrava, no seu corpo continha entraves à realização, sendo suficientemente ambígua para que perpetuasse no Brasil a escravização dessas crianças, mascaradas sob novas formas de dependência, na relação de tutor-tutelado. Também aqui ninguém tutelou ingênuo menor de cinco anos, evidenciando o interesse na mão de obra infantil. Cabe lembrar que crianças dessa idade nas classes pobres efetuavam diversos serviços produtivos. Não muito depois, os modernos industriais do Brasil empregaram crianças dessa idade20, fossem negras ou brancas.

Considera, contudo, que o caráter ambíguo assumido pela lei não diminuiu a sua importância enquanto um passo definitivo em direção à emancipação geral da escravidão no Brasil, ao eliminar a reprodução natural dessa mão-de-obra.

Por fim, os trabalhos que cruzam ingênuos e educação, no qual também busquei caminhar. Inicialmente a fecundante pesquisa de SCHUELLER sobre a educação de pobres no Rio de Janeiro, enfocando o ensino de trabalhadores e as ações de instrução e educação de crianças desvalidas e ingênuos . Foi fundamental a leitura deste texto, que nos encaminhou a um outro olhar sobre as fontes. Da mesma sorte, indicou perspectivas de discussão e preparação do nosso texto. Esse trabalho e sua importância esta diluído no próprio corpo desta tese.

19 GEREMIAS, Patricia Ramos. “Filhos "livres" de mães cativas: os "ingênuos" e os arranjos familiares das

populações de origem africana na Ilha de Santa Catarina nos últimos anos da escravidão”. 20 BOLSONARO, Esmeralda. Crianças operárias em São Paulo no inicio do século XX.

Um segundo trabalho que tangencialmente informa sobre a educação dos ingênuos é o de RIZZINI, que elegeu a educação de crianças pobres nas províncias do Pará e Amazonas, no século XIX. As fontes que trabalhou apontam indícios da presença dos ingênuos nas instituições educacionais para esse segmento, as crianças pobres, como na Casa de Educandos Artífices, e nos arsenais da Marinha e de Guerra. Além disso, o capítulo dois apresenta uma excelente revisão da produção histórica sobre educação de pobres via o ensino de ofícios, mapeando as principais instituições do Império.

Como leitura comparativa das diferentes configurações históricas nas Províncias, este estudo de RIZZINI foi inestimável. Permitiu acompanhar, junto com o de SCHUELLER, as especificidades e as consonâncias dos projetos mais centrais sobre a educação para os pobres