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CAPITULO I-ESCOLAS DO POVO: EDUCAR-SE NAS RUAS DA BAHIA NA PASSAGEM DO SÉCULO XX A UNIVERSIDADE DO

TABELA DE MORTOS NO INCENDIO DO TABOÃO – SSA-1890.

01 Um individuo, reconhecido por

Ephiphanio

pardo 25 Bigode curto e

barba raspada Camisa branca, calça de brim de cor , botinas , gravata azul

Cazeiro em caza de negócios no Taboão. 2 Manoel, reconheceu a família

creoulo 30 --- Calça e camisa de

algodão Pedreiro em um dos prédios 3 Feliciano Jose Leal

branco ---- --- Camisa branca,

calças de casimira de quadros, paletot de casimira e gravata vermelha. Dono da Tabacaria Cubana 4 “uma creoula gorda”. Identidade não recoh.

creoula +- 40 Anel de aço no

dedo anular da

mão esquerda Camisa de madrasto, saia de chita já desbotada. 5 Não foi

identificado. creoulo 30 e tan tos --- Camisa branca, calças de brim preto e palitot de casimira preta.

6

Sem identificação

pardo 20 Signal tatouage

no peito esquerdo representando um signo de Salomão. Camisa de baeta branca, calças de brim de cor já usados carroceiro 7 Uma africana

ganhadeira preta África (?) Ganhadeira

8 Não foi reconhecida a identidade creoulo +- 35 --- --- Camisa e calças de algodão trançado 9 Não foi reconhecido Parda 40+- --- ---

Nos braços volta de contas pretas

Camisa de madrasto de golla de crochet, saia de chita de ramagens vermelhas.

10 Manoel creoulo 25 --- Estava cheio de

caliça.

Tinha uma hérnia

inguinal direita. Camisa branca e calça de brim, suja de caliça. 11 Nao foi reconhecido pardo Cerca 40 Bigode e barba raspados

13 Uma preta africana preta 45 África(?) 14 O cadáver de Saul Ernesto da Costa branco Maior de 40 --- --- --- Negociante, loja de miudezas nos Cobertos Grandes

17 Outro corpo --- ---- ---- No dedo indicador

da mão esquerda, quase

carbonizado,

três

anéis de aço dos que usão os africanos.

20 Cadáver de

mulher parda 18 Tem nos braços direito umas

contas Saia de chita de ramagens brancas , camisa de madrasto. 21 Cadáver de um africano África(?) 22 O cadáver de mulher conhecida por Badu

Parda 30 a 35 Camisa branca com

bico de renda na golla, saia de chita já desbotada e casaco de chita vermelho

23 Clementino Pereira Portella branco 13 Natural da Bahia Constituição forte Caixeiro 24 Jose Ezequiel Carvalho de

Oliveira

pardo 12(?) Boa constituição

26 O cadáver de Florencio Rodrigues Marinho

branco 25 Espanha Anel de camafeu

no dedo médio da mão esquerda

Calças de brim de cor, collete e camiza branca e palitot preto, sapatos de couro. Negociante, loja de ceras no Taboão. 29 Cadáver de uma

preta africana preta África (?)

Gorda (...) trazendo no pescoço duas voltas de contas brancas Saia de chita, camisa de madrato, panno da Costa azul de listras brancas. 31 Cadáver de africano Preta (?) África (?) Reconhecendo-se ser africano por encontrar-se nos dedos aneis de aço e voltas de contas nos braços 32 Cadáver homem (...) reconhecerão ser do Sr Palanzane Branco (?) Itália (?) Encontrado entre uma pipa de azeite de Palma e a parede 33

O cadáver de

um africano Preto (?) África (?) ( a face?) 34 O cadáver de

um africano. Não foi reconhecido

preto(?) África

(?) Tendo ao pescoço voltas de contas verdes e brancas as faces?)

35 O cadáver de um africano.Não

foi reconhecido

Preto(?) África

(?)

Tendo nos dedos anéis de aço 39 Cadáver africano homem Preto (?) África (?) 42 Dous corpos de africanos encontrados juntos(nº43) Preto(?) África

(?) Nos bolsos dinheiro de cobre e nykel Calça e camisa de algodão de linha grossa Parecendo ganhador 43 Dous corpos de africanos encontrados juntos(nº43) Preto(?) África

(?) Nos bolsos dinheiro de cobre e nykel Calça e camisa de algodão de linha grossa Parecendo ganhador 48 Um cadáver de creoulo que reconhecerão ser de Manoel pedreiro

creoulo 25 Constituição forte pedreiro

Tabela 2- Tabela de mortos incêndio do Taboão. 04 de Março De 1890. Salvador/Bahia.

FONTE: APB . Seção Judiciária.Estante: 10. Caixa: 340. Documento: 04 .Réu: AVILA, Eduardo.Grifos nossos. O uso de sinais e adereços não eram exclusivos dos africanos. Mestiços e brancos também os usavam, e nem sempre a matriz simbólica era a África, mas signos ocidentais, ou signos já bricolados, como a Tatouage encontrada no número 06 deste relatório, comum em marítimos, estivadores, marginais e pobres urbanos no geral, o signo de Salomão, provavelmente a estrela de seis pontas. No peito.

Também as roupas foram uma linguagem de identificação. Observa-se a diferença de trajes entre os negociantes, todos de calças de brim e palitot, da roupa comum de trabalho dos pobres, de algodão rústico, conhecido como aniagem. As mulheres vestem a roupa comum das pobres trabalhadoras, descrita por VIANNA em rememorização, nos anos 1970, do que viu e ouviu sobre o início do século XX. A saia longa , rodada, de tecido barato, florido, tendo por cima a camisa de pano fino, o madrasto, enfeitado de bicos, rendas ou crochet- a mulher de saia.

Esta mulher de saia, a sinha popular, sem acento para diferenciar da Sinhá, nas crônicas de VIANNA, é referência ao início do século XX, (...) cujo uso do depois popular traje de baiana era simples roupa do cotidiano, sem maiores qualificativos, marcando uma classe de mulheres sem vinculações religiosas obrigatórias,(...) que emprestava um sentido

pouco desejável para quem a usava. Era roupa de negra ou mulata, só esporadicamente envergada por alguma branca sem sorte, jogada ao desprezo de si própria”32.

FERREIRA FILHO ao narrar o cotidiano das mulheres pobres e negras de Salvador, na passagem do século XX, no processo que denominou “ Belle Epoche imperfeita”, quando acompanhou tentativas de práticas de sanitarização e higienização da cidade de Salvador, engendradas pelo poder público municipal e estadual, com apoio das camadas dominantes e letradas, em evidente processo de desafricanização das ruas, apontou sobre a presença das mulheres de saia nas ruas da cidade da Bahia.

Assim, o corpo nº 04, de uma creoula gorda, não identificado, foi descrito como trajando “ camisa de madrasto , saia de chita já desbotada”, da mesma forma que todas as demais creoulas, pardas e africanas encontradas. Este era o traje comum das mulheres populares, descrito por todos os viajantes oitocentistas, “ camisa de madrasto de golla de crochet, saia de chita de ramagens vermelhas “.Era também o traje do corpo nº 09, de uma parda , quase idêntico nas suas ramagens vermelhas ao da negra vista por Maximiliano de Habsburgo em 1860, que o impressionou vivamente, fazendo-o diminuir o preconceito contra os negros, gritante em outras passagens de sua memória de viagem,

“ Uma mulher em particular surpreende nosso olhar por suas formas extraordinárias.(...) um vestido de algodão floreado vistoso flutua

negligentemente em torno de suas ancas que se balançam molemente, uma camisa branca sem mangas, que parece jogada lá por acaso, envolve o

busto. (..)Perolas de vidro com amuletos pagãos descem por todo o colo.

Um turbante de gaze branca ou azul claro é enrolado em torno da cabeça.(...)33 .

COSTA, referindo – se as ganhadeiras da cidade da Bahia, meados do século XIX, também descreve roupas e adereços, a partir de relatos de outros viajantes, próximos aos dos corpos encontrados no incêndio,

32 VIANNA, H. Op.Cit.Pp.201.

33 HABSBURGO, Maximiliano. Bahia 1860:Esboços de viagem. RJ: Tempo Brasileiro; Bahia: Fundação Cultural do Estado da Bahia;1982.

“(...) O vestuário das negras ganhadeiras, segundo os anúncios de jornais, também era simples e leve, consistindo geralmente em largas saias de chita e camisa de algodão”.

(...). o traje da negra escrava Iria, vendedora de peixe ‘saia de chita vermelha com franjas amarelas, camiza de madrasto com bicoes na gola,

pano da costa com riscas vermelhas e torço de chita’ ”34 .

Os homens também são diferenciados pelos trajes, vestindo os creoulos e africanos basicamente “ camisa de baeta branca , calças de brim já usadas”, ou” calça e camisa de algodão”; ou ainda o famoso abadá de origem muçulmana, adotado pelo que se vê como traje comum entre os populares de ascendência africana, “ calça e camisa de algodão de linha grossa”, ou “algodão trançado”, a aniagem.

Ilustração 6: Ganhadores da Bahia. Final do século XIX.

In: : SAMPAIO, Consuelo Novais. 50 anos de urbanização na Bahia. Salvador: Fundação Odebrecht. 1º lugar no Prêmio “Clarival do Prado Valadares”, 2005.

Este traje é constantemente referido como básico dos trabalhadores braçais. Em VALADARES é explicado que no “O serviço braçal de carrego e obras era quase todo de pretos e mulatos, carroceiros , carregadores de rodilha , descalços, de camiseta de saco de

34 COSTA, Ana de Lourdes. Ekabó, pp 57; e VERGER, Pierre. Fluxo e Refluxo do trato negreiro entre a Bahia

aniagem e necessariamente troncudos e dispostos.35”. Aniagem provavelmente referido ao

algodão de linha grossa, malha espaçada e forte, fabricada pelas fábricas têxteis instaladas nas freguesias da Penha e dos Mares, e que serviam para ensacar produtos como o charque.Era escolhida por sua durabilidade, preço baixo e por ser ventilada nas malhas?

Também Miguel Santana, ao rememorar sua trajetória de habitante do Pelourinho, referindo-se à infância, falou do trabalho da mãe depois de viúva como costureira de roupas de carregação,

“ Quando meu pai morreu eu tinha dois anos de idade e minha mãe passou a costurar roupas de carregação, calças , camisas, para trabalhadores braçais e levava, às duas horas da tarde, a um fabrico que havia ao pé da ladeira do Taboão, cujo prédio ainda existe. Minha mãe recebia o

pagamento por dia. Costurava também os abadás, espécie de macacão comprido até a altura dos joelhos; com bolsos, mangas curtas, feitas com pano de saco de farinha do reino ou madrasto, geralmente era feito de

tecido barato.Os africanos eram os que usavam esses abadás” 36.

RUGENDAS, em livro de impressões de viagem sobre o Brasil, referente ao primeiro quartel do século XIX nos deixou, entre outras que usaremos, esta imagem do “negro e

negra da Bahia”. Ela veste uma saia de ramagens igual às descritas nos corpos do Taboão,

inclusive com os adereços indicados, enquanto ele a referida camisa de riscadinho e o calção nos joelhos. Ambos conversam em momento de “descanso” da labuta diária, tendo como pano de fundo uma praia, e ao lado um cesto de peixes, referência a uma das principais atividades, o mercadejar alimentos37.

De igual forma, esse traje aparece com minúcias no memorialista SILVA CAMPOS, que segundo COSTA oferece uma “descrição mais detalhada sobre a roupa dos trabalhadores do canto em seu serviço diário”.

35 VALADARES, Op.Cit, pp 152.Grifos nossos.

36 SANTANA, Miguel. In: CASTRO, José Guilherme (org).Salvador: CEAO; 1996. Pp16. Grifos nossos. 37 Sobre o olhar dos viajantes sobre o Brasil, especialmente as classes subalternas no século XIX ver BARREIRO, José Carlos.Imaginário e viajantes no Brasil do século XIX. SP: UNESP; 2003.

Ilustração 7:

RUGENDAS, Jonhann Moritz. Viagem pitoresca

através do Brasil .

Tradução Sérgio Milliet. Prancha 2/8. SP: Círculo do Livro;s/d da edição. P.p .98

“(...) calças curtas de cós de enfiar , descendo uns 10 cm abaixo dos joelhos, e camisolão comprido que iam até os joelhos, com bolsos de dois

palmos de profundidade em cada lado. Eram feitos com pano de algodão grosso de saco de farinha de trigo ou sacos de aniagem ( tecido de juta

usado em sacaria , principalmente para o charque), ou eram produzidos nas fábricas têxteis existentes na Bahia, sendo de qualidade bastante inferior, como as chitas, que eram muito usadas, e o zuarte, uma espécie de mescla de algodão rústico com fios brancos e azuis”38.

De zuarte está o negro representado como “da Bahia”, por RUGENDAS, na década de 1820. Assim estavam vestidos os cadáveres encontrados em 1890. Fundamental assinalar que tais roupas apresentadas como próprias de negros e pobres, africanos, creoulos, pardos, acrescidos dos brancos pobres, são sempre referidas ao trabalho, principalmente ao braçal, o

trabalho físico, que movimentava a cidade, em especial o entorno do Taboão, nas freguesias da Conceição, Sé e Pilar- coração da mesma,

“(...). Quase madrugada começa o trânsito de feirantes, de passageiros dos barcos do recôncavo, dos trens e ônibus para o interior, as primeiras carroças de burros e mulas e os caminhões de carga pesada. Antes da sete da manha , basta estar claro, ainda na hora de se vender mingau, as portas do Taboão se abrem, de uma só vez, o caminhar cresce, o alarido chega, compra-se, vende-se, cobra-se, encomenda-se, adia-se, reclama-se, procura-se, dá-se recado, dá-se notícia e assim se faz o dia do Taboão(...)39”.

Salvador, nesse período, ainda se caracterizava como uma cidade eminentemente comercial, com uma forte zona portuária, o fundo panorâmico de RUGENDAS é o mar e um navio a largo, exportadora de produtos agrícolas, e importadora de “(...)uma grande variedade de produtos: tecidos de algodão , de lã, de linho e de seda, carnes, vinhos , carvão de pedra, farinha de trigo, ferragens, moedas, peixes em conserva e bacalhau, calçados , bebidas , loucas de vidro, chapéus ,papel, sal e máquinas40”.

Também existia um comércio de produtos alimentares e manufaturados essenciais ao cotidiano bem diversificado, abastecendo a cidade da Bahia, Salvador, e as do interior. O comércio retalhista era forte e tradicional, com seus mascates e ganhadeiras no mercar ambulante; com os grandes mercados da freguesia da Conceição da Praia, como o de Santa Bárbara, e toda a área dos cobertos grande e pequeno, com suas quitandas, armazéns de secos e molhado, tabernas, perfumarias e boticas, aglutinando a população pobre e livre/liberta, que dele tirava a sobrevivência. E, até 1888, um bom contingente de escravos também dele sobrevivia no ganho ou no aluguel, pagando aos seus senhores o jornal. Assim, ” Pareciam e tinham os hábitos dos escravos carregadores de pipas e fardos como são descritos na crônica dos visitantes(...) ou nas reminiscências de moradores , como naquelas de Silva Lima, sob o pseudônimo de Senex”41.

39 VALADARES, Op.cit, pp151. 40 COSTA. Op.Cit.Pp 20.

Ilustração 8:Negros carregadores. In:TAVARES. Luis Henrique

Dias Iconografia Baiana do Século XIX na Biblioteca Nacional.

Em Santana, empreiteiro de turma de estivadores, descendente de negros e espanhóis, Obá Aré de Xangô no candomblé do Axé do Apô Afonjá, a vivência flui do depoimento, e podemos acompanhá-lo nas múltiplas andanças e temporalidades na Praça da Sé, no Passo, Taboão, Pelourinho - onde nasceu em 27/09/1896, no Beco do Mota, número 03 - e viveu até os vinte e poucos anos, não tendo porém se afastado até o final da vida, em 1974, como membro da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos.

Nestes trechos selecionados de seu depoimento, o território do Taboão é privilegiado, tanto ao recordar sua entrada no trabalho da estiva, como nos passos do cotidiano,

“Na esquina tinha o armazém Bola Verde, que pertencia a dois portugueses. Ao pé da ladeira ficava a casa da primeira estiva. Lá ficava também, passando algumas casas depois do professor, o escritório de Adão. Era lá que ele fazia os pagamentos. Nessa casa tinha uma escada que no fundo ia dar na Cidade Baixa.

(...)Nessa rua ficava o bar de um certo rapaz, que só tinha o bar prá poder vender contrabando, chapéu, camisa de seda, baralho, etc (...)42”.

42 SANTANA, Op.Cit. Pp.22.Grifos nossos .Sobre estivadores, seus hábitos e a contradição entre ganhos e cultura ver MARAUX, Amélia Teresa. Zona portuária: cultura e trabalho. Salvador, 1930-1950. Monografia (Especialização em Teoria e Metodologia da História). Feira de Santana:UEFS;1997.

Rapaz, trabalhando na estiva com o tio e o primo, podemos caminhar com Santana, nas manhãs do Pelourinho / Tabõao, assim como aproximarmo-nos de práticas do miúdo cotidiano, como a alimentação característica da época, pautada em alguns hábitos africanos, como tomar acaçá, batido com leite no garfo; comer inhame com freqüência. Ao mesmo tempo, o consumo de vinho e de filé, como bom estivador

Eu chegava cinco ou seis da manhã de bordo, chegava no açougue do português Augusto, na ladeira do Carmo e comprava dois de filé,

comprava uma garrafa de vinho no armazém do gringo na baixinha.

Comprava inhames e os temperos na Baixa dos Sapateiros, chegava em

casa tomava meu acaçá e ia dormir. (...)43

Se o depoimento de Santana é fluido, livre associação de vivências, o de VALADARES é analítico, e enfatiza a diversidade étnica no centro antigo, a partir do Taboão, ao focar artesãos que ali habitavam,

“ Em relação à procedência racial os artesãos do Taboão eram quase todos mestiços brasileiros, alguns de pele branca e olhos claros, outros negros. Entre os comerciantes, na época de 1939 e 1940, bem como em 1960, pareciam predominar os espanhóis galegos e seus descendentes, árabes de primeira e segunda geração, alguns italianos em artigos de couro, raros portugueses de sotaque e judeus mascates de prestação”44.

E, logo depois, indica que as atividades de trabalho, ainda nos meados do século XX, eram marcadas pela origem étnica, com raízes nas relações sociais da escravidão, e que estas marcavam uma tradição de conhecimento do local, suas ladeiras, escadas e becos,

(...) O serviço braçal de carrêgo e obras era quase todo de prêtos e mulatos, carroceiros, carregadores de rodilha, descalços, de camiseta de saco de aniagem e necessariamente troncudos e dispostos. Pareciam e tinham os hábitos dos escravos carregadores de pipas e fardos como são descritos na crônica dos visitantes, ou nas reminiscências de moradores(...) parecerá estranho informar que até mesmo para o trabalho braçal de carregadores o

43 Idem.Pp.29

Taboão engendrava diferenciações, fazendo-os especializados para certas finalidades. Por exemplo, o carreto compassado a um cantarejo e de um

bom conhecimento das ladeiras e escadas. Era lá que o interessado ia

procurá-los e acertar serviço. (...)”45.

Esta prática de carrego de objetos por grupos de homens, com cadência e “cantarejo”, era tradição na cidade, sendo apontada pioneiramente por NINA RODRIGUES ao pesquisar os africanos na cidade de Salvador, no final do século XIX, preocupado com a extinção destes, e a conseqüente impossibilidade de estudá-los, como prevenção aos problemas atávicos das raças negras, conforme as teorias racialistas /evolucionistas que abraçava. Assim, ao se referir a convivência interétnica entre as auto-denominadas “nações “ africanas,

“ Preferem a convivência dos patrícios pois sabem que, se os teme pela reputação de feiticeiros, não os estima a população crioula.

Não se vá crer no entanto que, isolados da população mestiça e crioula, se fundam todos os africanos em uma colônia estrangeira grande e uniforme. Cada qual procura e vive com os de sua terra e são os sentimentos e as afinidades da pátria que nesta cidade repartem os derradeiros africanos em pequenos círculos ou sociedades. As nações ainda numerosas possuem os seus cantos, sítios da cidade onde, a tecer chapéus ou cestas de palha e

a praticar das gratas recordações da mocidade, os velhinhos aguardam os fretes”46.

Entre os locais, cantos da cidade, estava o sopé da ladeira do Taboão, nesta época, bem perto do antigo território do cais da cidade, que apenas na década de 1940 foi refeito, abrindo-se a atual Avenida da França. Neste cantos havia, até o final do século XIX, uma cerimônia de empossamento dos chefes de turma, os capitães, um ritual descrito por Manoel QUERINO, e citado por REIS47, que pode ser tomado como linguagem de identificação étnica e de poder ante os demais membros do próprio canto, como de outros .

45 Idem. P.p.152.Grifos nossos

46 RODRIGUES, Raymundo Nina. Os africanos no Brasil. 1935. P.p. 101.Grifos nossos.

47 REIS, João José. De olho no canto: trabalho de rua na Bahia na véspera da Abolição. In: Revista Afro Ásia. 2000. CEAO/ FFCH/ UFBa. N.º 24. Salvador. Bahia. P.p. 216.

Santana, em seu depoimento, também aponta uma diversidade étnica na convivência no antigo centro ao descrever o percurso de provisão de mantimentos diários “Eu chegava cinco ou seis da manhã de bordo, chegava no açougue do português Augusto, na ladeira do

Carmo e comprava dois de filé, comprava uma garrafa de vinho no armazém do gringo na

baixinha. (...) Defronte de nossa casa, no Maciel, tinha um açougue de um africano48.

Igualmente NINA RODRIGUES a registrou no início do século XX na famosa fachada do açougue, que acreditamos ser o mesmo citado por Santana, existente na Baixinha, na Baixa dos Sapateiros, ou rua da Vala.

Isto permite outra aproximação às proposições de HALL, ao discutir as identidades na pós-modernidade. Para ele, um dos olhares sobre as identidades é que estão sujeitas ao plano da História, da política, da representação e da diferença e, assim é que ao invés de unitárias