• Nenhum resultado encontrado

As instituições culturais estaduais: classificações culturais e a posição do folclore dentre os símbolos de identidade para o Maranhão.

Passo a discutir agora o processo de criação de órgãos estaduais que têm por função planejar, normatizar, promover, implementar e administrar a cultura no estado, produzindo classificações sobre produções culturais que são sucessivamente delimitadas e, portanto, precisam de áreas administrativas próprias, indicadas pelos órgãos que vão sendo criados. A AML e o IHGM não se tornaram órgãos subordinados às instituições estaduais para a cultura, entretanto, seus intelectuais participaram da criação, assumiram cargos de direção e consultivos relativos a estes órgãos. A partir de então os órgãos são criados continuamente, orientados por debates intelectuais sobre concepções de cultura, incorporando novos agentes cuja filiação institucional extrapola a AML e o IHGM. As novas concepções de cultura implicaram em novas classificações sobre o que seria erudito e popular. Este conjunto de acontecimentos refletiu-se nas elaborações sobre os significados que compõem uma identidade maranhense, deslocando a centralidade dos símbolos e sentidos associados com Atenas, para a cultura popular e dentro dela o bumba meu boi, na atual configuração cultural que afirma uma identidade. O folclore parece se deslocar do passado, para dar sentido também aos significados de identidade maranhense contemporaneamente.

A institucionalização da cultura pelo estado, no Maranhão, inicia-se integrada à estrutura estadual destinada à educação, paulatinamente ganha autonomia e eleva seu status

administrativo. Dos anos 1950, até a década de 1990, as políticas culturais foram desenvolvidas por três órgãos executivos: o Departamento de Cultura; a Fundação Cultural do Maranhão (FUNC) e a Secretaria de Estado da Cultura (SECMA)51. Em 1999, foi criada uma nova Fundação Cultural do Maranhão (FUNCMA). Estes são os órgãos executivos que estão nas posições hierárquicas mais elevadas na burocracia do estado, a partir dos quais são subordinados os demais órgãos da cultura.

O quadro abaixo possibilita ter uma idéia geral de como se estruturam as instituições culturais e as épocas de criação desses órgãos no Maranhão. Os órgãos executivos foram sucessivamente um departamento, depois fundação e finalmente uma secretaria. Os órgãos subsidiários, uma denominação minha, atuam em setores culturais específicos, como por exemplo, arquivos, bibliotecas e museus, voltados para o atendimento ao público oferecendo serviços culturais das mais distintas formas, sendo subordinados aos primeiros52. Os órgãos incorporados são pré-existentes ao surgimento das instituições analisadas aqui, e, paulatinamente a elas se subordinam53. Dessa forma é possível perceber como se constituiu a administração do estado para a cultura e a ampliação da ação institucional, saindo dos limites da produção literária e divulgação de pesquisa, enfatizadas pela AML e IHGM, para incorporar uma produção cultural mais abrangente.

51

A criação desses órgãos não é processo exclusivo do Maranhão.Ortiz (1986) faz uma análise desse período em nível nacional, relacionando identidade nacional e cultura brasileira. Para uma análise da formação da industria cultural no pais, relacionada com cultura brasileira e política cultura ver o mesmo autor (1988),destacando a dimensão de mercadoria da industria cultural e seu caráter distintivo pelo valor de uso e pela singularidade que cada produto desta industria encerra. Sobre o processo de institucionalização da cultura em órgãos do estado no estado do Ceará, cuja secretaria estadual de cultura foi criada em 1966, ver Barbalho (1998), também preocupado com as questões relativas a uma identidade, no âmbito das discussões de cultura e política. Relembro que, minha preocupação aqui, é distinta desses autores. Estou atenta à classificação da cultura como erudita e popular na criação desses órgãos para discutir as configurações culturais que afirmam identidade maranhense e exprime pertencimento. Ou seja, estou interpretando os dados a partir das considerações locais sobre os sentidos que informam ser maranhense.

52

Denomino de órgãos subsidiários àqueles criados na vigência dos órgãos executivos centrais para cultura, do período em tela, e a eles subordinados, mas que têm uma administração específica e autônoma e, oferecem serviços direto à população.

53

Esta distinção é necessária porque há órgãos criados no século XIX como a biblioteca e o teatro e que se incorporam à estrutura criada a partir dos anos 1960.

Quadro 2. Criação de órgãos administrativos e legislação relativos à cultura no Estado do Maranhão – 1950-1990

Década ÓRGÃOS

1950 1960 1970 1980 19901

1

1 1 Departamento (Sec. Educação)

Fundação

Secretaria 1 1

Órgão consultivo (Conselho) 1

Órgão de planejamento (FUNDEC) 1

Órgãos subsidiários 1 4 1

Órgãos incorporados2 1 2 2

Total 1 3 8 4 3

Fonte: Perfil da Administração Pública: administração direta. (Maranhão, 1995:215-26)54.

1

Até o ano de 1995.

2

Inclui acervo transferido e/ou incorporado pré-existente

Pelo quadro acima é possível perceber dois grandes períodos na institucionalização da cultura como órgãos da burocracia estatal. O primeiro compreende da década de 1960-7055, quando ocorreu o maior número de ações de criação de órgãos subsidiários das instituições culturais, apontando para a consolidação da sua estrutura, estabelecendo os seus limites administrativos. Estes órgãos definiram as áreas e as produções culturais que seriam incentivadas, reguladas e promovidas pelo estado. Os anos 1980-90 constituem um segundo momento, no qual diminui as criações de órgãos e se intensificam as alterações na legislação, em termos do alcance e definição dos tipos de ações do estado para a cultura.

Além dessa dimensão quantitativa, delimitei estes dois períodos tendo em vista inflexões na classificação cultural, conforme analiso aqui, tendo por indicadores debates entre os intelectuais, realização de pesquisa e publicações na área da cultura, eventos e surgimento de órgãos protelados por longos períodos. No primeiro deles (1960-70) são realizadas pesquisas baseadas numa nova concepção de cultura popular, e se iniciam parcerias com a

54

Há divergência de datas para a fundação de alguns órgãos estaduais em diferentes dissertações acadêmicas sobre a cultura no Maranhão, as quais são fontes sobre os objetivos, ações, programas, e nomeação dos intelectuais dos cargos dessas instituições da cultura. Quando isto ocorrer prevalecem as datas de fundação indicadas na publicação oficial: MARANHÃO. Secretaria de Estado da Administração, Recursos Humanos e Previdência. Perfil da administração pública: administração direta. São Luís, mimeo, 1995. Entendo que estas divergências não invalidam os dados sobre os ocupantes dos cargos mencionados nas dissertações, assim como sobre os objetivos, ações e programas das instituições. Esta solução não é ideal e resulta, em parte da impossibilidade de preencher estas lacunas com um retorno ao campo.

55

Apesar do Departamento de Cultura ser indicado como criado na década de 1950, sua atuação torna-se relevante nos anos 1960, por isso esta primeira década foi desconsiderada da análise.

universidade com um novo perfil de intelectuais. Um dos museus inaugurado neste período envolve um embate entre conhecimento erudito e popular que merece ser discutido56.

O segundo período (1980-90) inicia-se com a criação de uma secretaria de cultura, que confere maior autonomia política ao órgão executivo central. Um evento merece destaque, pela discussão envolvendo uma modernização cultural, onde novas classificações se sobrepõem às produções eruditas e populares. Além disso, a reestruturação do Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho (CCPDVF), e a rearticulação da Comissão Maranhense do Folclore (CMF), conferem uma nova posição para a produção da cultura popular, dentre as ações das instituições estaduais de cultura. O boletim publicado pela CMF evidencia uma mudança nos objetos de pesquisa, onde o bumba meu boi torna-se uma das manifestações mais recorrentemente pesquisada. Estas mudanças se relacionam com uma nova configuração cultural para afirmar ser maranhense, onde parece ocorrer um deslocamento dos significados eruditos de uma centralidade simbólica, colocando o bumba meu boi nesta posição e também como mediador de experiência de identidade no Maranhão, na concepção local.

3.3.1. Período 1960-70: museus, pesquisas e as classificações do folclore.

A primeira instituição de cultura do Estado do Maranhão foi o Departamento de Cultura, um órgão administrativo da Secretaria de Estado dos Negócios de Educação e Cultura57. Segundo Braga (2000:121-2), atendendo às reivindicações dos artistas, escritores e intelectuais, para criar órgãos, como arquivos e bibliotecas, que dessem sustentação às suas produções. No início dos anos 1960, a cultura parecia ocupar posição secundária entre as preocupações dos administradores estaduais, somente em 1967 o estado estabeleceu a competência do Conselho Estadual de Cultura58, entre elas a de formular a política cultural do estado. Sendo definido pelo Poder Executivo, em 196859, como função básica do

desenvolvimento cultural a preservação do patrimônio cultural e de áreas de beleza natural.

(Maranhão, 1995:215).

56

Para uma discussão sobre museus e identidade nacional, inclusive com um debate sobre a junção do conhecimento erudito e popular ver Canclini (1989) analisando museus mexicanos, e a presença de arte popular em museus consagrados à arte moderna.

57

Criada pela Lei nº 934 de 31 de julho de 1953, que implicou na mudança de nome da secretaria em 1964, para Secretaria de Educação e Cultura (Maranhão, 1995:215).

58

Lei Nº 2791 29/11/1967 (Maranhão, 1995:218).

59

Os primeiros órgãos subordinados ao Departamento60 apontam que suas ações foram iniciadas com um caráter restrito, direcionadas para a promoção de leitura. No final de 1968 será criado o Museu Histórico e Artístico do Maranhão (MHAM), voltado para o patrimônio, cumprindo a função básica do desenvolvimento cultural. A criação do MHAM; e a incorporação do Teatro Arthur Azevedo, fundado no início do séc. XIX61, pelo Departamento de Cultura, amplia os limites de atuação das instituições culturais, que implicam em novas classificações das produções da cultura, e, paralelamente, altera-se a estrutura interna do Departamento62. Até esse momento, com exceção da Estação Transmissora – que é um veículo definido como da indústria cultural – os órgãos da cultura no Maranhão estão voltados para produções culturais classificados como eruditos: o patrimônio histórico, as artes plásticas e cênicas e as bibliotecas.

O Departamento de Cultura será substituído pela Fundação Cultural do Maranhão (FUNC) em 197163, subordinada à Secretaria de Educação e Cultura, coincidindo com a supressão do termo “cultura” na denominação da Secretaria, sugerindo o início da autonomia administrativa das instituições da cultura em relação à educação64.

Os anos 1970-77 concentram a maioria das ações de criação de novos órgãos de política cultural no Maranhão, que compõem a estrutura da FUNC, consolidando a institucionalização da cultura65. Neste período apenas um órgão amplia os limites de atuação

60

O Departamento compreendia os seguintes órgãos subordinados: Biblioteca Pública Benedito Leite; e Estação Transmissora P.R.J.-9; em 1968 será criado o Museu Histórico e Artístico do Maranhão (MHAM). A Biblioteca, fundada em 1829, a partir das primeiras décadas do séc. XX reservou uma seção especifica para museu, por isso é considerada como o primeiro incentivo público de preservação de acervos, acervo este transferido para o MHAM (Carvalho, 1999:49). Não tenho dados sobre a fundação da Estação Transmissora, entretanto ela é anterior à Secretaria, sendo um dos órgãos da antiga Secretaria de Educação e Saúde Pública, criada em 1946 (Maranhão, 1995:133).

61

Decreto nº 3879 de 05/03/1969 (Maranhão, 1995:219).

62

Que passa a ter as seguintes divisões: Divisão de Atividades Artísticas; Divisão de Documentação e Patrimônio Cultural (inventariar, guardar e conservar documentos de valor histórico; tombar monumentos e obras de valor artístico e promover estudos e pesquisas); Divisão de Bibliotecas e Museus (para orientar, coordenar e fiscalizar suas atividades) Braga, 2000:123 e Maranhão, 1995:134.

63

Lei nº 3225 de 06 de dezembro de 1971. A FUNC dá continuidade à política do Departamento de Cultura e terá por finalidade promover e coordenar as atividades culturais em todo o Estado (Maranhão, 1995:215 e 219). A FUNC herdou do Departamento de Cultura os seguintes órgãos subsidiários: Rádio Timbira do Maranhão; Teatro Arthur Azevedo; Biblioteca Pública do Estado; Museu Histórico e Artístico do Maranhão, o qual foi transferido para a FUNC em processo de formação sendo inaugurado em 1973.

64

Dentro da FUNC Departamento de Assuntos Culturais foi muito importante para projetos e planejamento das políticas culturais e execução de algumas delas (Braga, 2000:132).

65

Departamento de Patrimônio Histórico, Artístico e Paisagístico do Estado do Maranhão. (Decreto nº 5069 11/jul/1973 Maranhão, 1995:220). Em 1974 cria-se o Arquivo Público do Estado do Maranhão (APEM) (Decreto

das instituições culturais, com a criação de uma escola de música. As áreas de documentação e patrimônio ganham autonomia, com os novos órgãos que são criados, sedimentando as ações iniciadas com o Departamento. O setor de museus será alargado com a criação do Museu do Folclore e Arte Popular, mas terá que esperar 10 anos para ser inaugurado, e de fato, o que se fortaleceu, foi o MHAM, inaugurado em 1973 e, ampliado com a incorporação da Cafua das Mercês, e o assessoramento prestado ao Museu de Alcântara (Azevedo, 1998:28). Em 1979 a estrutura da FUNC será novamente alterada, com a criação de um órgão que amplia as atribuições das instituições culturais do estado, incorporando as artes e comunicações visuais, através do Centro de Artes e Comunicações Visuais (CENARTE)66. Esta estrutura montada a partir da FUNC sugere a continuidade das ações que priorizam as produções culturais classificadas de erudita, especialmente com a inauguração do MHAM e o adiamento da instalação do Museu do Folclore. Porém se faz necessário analisar o conjunto das direções e ações implementadas por esses dois órgãos executivos, assim como as concepções e filiações teóricas dos seus dirigentes.

Na década de 1960 o diretor do Departamento de Cultura foi Domingos Vieira Filho, que iniciou sua gestão em 1961, permanecendo no cargo até 197067. Braga (2000:115-6) considera sua nomeação para o cargo decorrente de sua trajetória como intelectual membro da AML e do IHGM, professor da Faculdade de Direito, e o reconhecimento nacional do movimento folclórico. Além disso, suas relações com os artistas locais e com os integrantes dos grupos folclóricos, também foram ponderadas. Portanto, um intelectual que tinha conhecimento das produções culturais classificadas como popular e erudita, o que poderia equilibrar as ações do estado em ambas às direções, entretanto isto não aconteceu, prevalecendo ações voltadas para as produções eruditas da cultura.

nº 5266 21/jan/1974 Maranhão, 1995:220). Escola de Música do Estado do Maranhão (EMEM) (Decreto nº 5267 21/jan1974 Maranhão, 1995:220). Note-se que como uma escola a EMEM poderia ser criada como órgão que comporia a estrutura administrativa da Secretaria de Educação, ao ser integrado à estrutura de administração da FUNC, sugere mais um ganho para as políticas culturais dentro da organização do poder executivo. Por fim, será incorporada à FUNC, em 1975, a Cafua das Mercês (Decreto nº 5536 05/fev/1975 Maranhão, 1995:220). Museu Histórico de Alcântara (Lei nº 3899 27/out/1977 Maranhão, 1995:220).

66

Lei nº 4102 06/nov/1979 (Maranhão, 1995:221). Posteriormente será denominado Centro de Criatividade Odylo Costa, filho (FUNCMA, 1995).

67

Primeiro nomeado pelo Governador Newton Belo (1961-65), depois pelo Governador José Sarney (1966-70) (Braga, 2000:32).