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2.3 ORIENTAÇÕES DO BANCO MUNDIAL À POLÍTICA DE SAÚDE BRASILEIRA:

2.3.1 Modelos de Parcerias Público-Privadas na Política de Saúde Brasileira: Inter-relação

2.3.1.1 Instituições Filantrópicas 115

De acordo com relatos históricos, a origem das instituições filantrópicas e conseqüentemente a origem das primeiras parcerias público-privadas de interesse para o Brasil é de 1498, antes mesmo do seu descobrimento. Segundo Kanamura (2006), neste período em Portugal a Rainha Leonor de Lencastre conclamava os cidadãos portugueses a contribuírem financeiramente para o sustento de uma obra social voltada para os pobres de então, criando assim, através de um decreto, a primeira Santa Casa de Misericórdia de Lisboa, também a primeira do mundo, em 15 de agosto de 1498, aos cuidados de Frei Miguel de Contreiras. Em 1543, 43 anos após o descobrimento do Brasil, foi fundada a primeira Santa Casa de Misericórdia no estado de São Paulo, em Santos, por Brás Cubas, destinanda a atender os enfermos dos navios do porto e moradores.

Conforme Ribeiro (1993), a instalação das Santas Casas no Brasil tem um ponto em comum: foram instituídas “[...] por comerciantes, fazendeiros e, com menor freqüência,

industriais, estimulados pelo pároco, por pessoas piedosas e pelo médico local”; a partir daí, “[...] criavam uma associação, normalmente denominando-a de Santa Casa, destinando a maioria dos seus leitos – quase todos dispostos em enfermarias coletivas – aos pobres e indigentes”(RIBEIRO, 1993, p. 74). De acordo com o autor, alguns leitos eram reservados para os usuários que podiam pagar. O desenvolvimento dessas instituições está relacionado ao desenvolvimento do país e das respectivas localidades. “As seculares se tomaram grandes proprietárias urbanas, graças a doações em vida ou pós-morte de seus maiores benfeitores” (op.cit.).

Essas instituições têm sido isentas de pagamento de diversos impostos e obrigações trabalhistas, o que tem favorecido o seu crescimento no país, bem como o número de leitos e a complexidade tecnológica, constituindo-se, mediante a relação público-privada, em importantes centros médicos e escolas médicas.

Originalmente, as instituições filantrópicas eram caracterizadas pelo trabalho voluntário e filantrópico, em particular o de cunho religioso, além de leigos em enfermagem e médicos. Entretanto, com a urbanização, o assalariamento e o estabelecimento de vínculos empregatícios compulsórios dos empregados, essa característica foi sendo substituída, por força da legislação trabalhista e dos próprios assalariados e de seus sindicatos. E o indigente foi substituído pela figura expandida do segurado ou beneficiário da Previdência Social. Em 1986, iniciou-se o convênio especial entre o antigo Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social – INAMPS e os prestadores de serviços (hospitais filantrópicos) e Hospitais Universitários Estaduais via Autorização de Internação Hospitalar – AIH –, sistema de pagamento prospectivo por procedimento.

Atualmente, existem 454 instituições espalhadas por todo o país. Estas detêm 34,6% da capacidade de leitos instalados em todo o território brasileiro, o que significa 171 mil dos 496 mil leitos existentes. Conseqüentemente, 34,6% dos recursos assistenciais estão indo para as instituições filantrópicas, com 32,1% de leitos públicos e 33,2% de leitos privados lucrativos271.

Em cerca de 50% dos municípios brasileiros as instituições filantrópicas (com parcerias com o público e o privado) são os únicos serviços de atendimento disponível aos usuários do Sistema Único de Saúde. “As entidades de saúde que detêm título de filantropia contam com diversas isenções tributárias. Mesmo quando mantêm planos próprios de saúde,

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De acordo com Documento Conclusivo apresentado no I Encontro Especial de Provedores das Santas Casas do Brasil. Porto Alegre, 7 de março de 2008.

comercializados no mercado, os hospitais filantrópicos, geralmente Santas Casas, mantêm a isenção” (SCHEFER e BAHIA, 2005, p. 161).

Até março de 2008 havia registro na ANS de 103 planos de saúde comercializados por instituições filantrópicas. Vale ressaltar que as instituições filantrópicas recebem a isenção de impostos, bem como a menor incidência de tributos sobre as cooperativas médicas, mesmo aquelas que vendem planos de saúde. Recaem sobre os planos e seguros de saúde tributos municipais (Imposto Sobre Serviços – ISS) e federais: Cofins, PIS/Pasep, Imposto de Renda Pessoa Jurídica – IRPJ, Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL), contribuição de empregados e empregadores ao INSS, Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros – IOF, além da Taxa de Saúde Suplementar, cobrada anualmente per capita/beneficiário.

As principais características associadas às instituições filantrópicas foram descritas por Beres (2007) da seguinte maneira: quanto à natureza jurídica – basicamente são constituídas como associações e fundações privadas, o que significa que na prática podem se intitular como Organizações não Governamentais (ONGs), Organização Social (OS), ou Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs). Entretanto, formalmente estão registradas sob o caráter de associação ou fundação.

Beres (2007) destaca que ao serem isentas de tributos, essas instituições passam a ser “[...] legalmente isentas de tributos sobre o lucro, e dispõem de tratamento privilegiado em outros impostos, tais como os que incidem sobre folha de pagamento de pessoal”. Além disso, “[...] quando dispõem de titulação como (OS) ou (OSCIPs) ficam também liberadas do processo de licitação para contratos com órgãos públicos” (BERES, 2007, p. 2.).

Conforme Aciole (2006), “[...] as isenções tributárias que beneficiam os estabelecimentos de saúde” (op.cit., p. 276), denominados de filantrópicos, na realidade, muitas vezes ocultam o caráter empresarial de que se reveste a maioria dessas instituições, especialmente os estabelecimentos hospitalares. De acordo com o autor: “Seguramente, a isenção de taxas e impostos, no caso das filantrópicas (por exemplo, as Santas Casas) é praticamente total e constitui fator atenuante na compatibilização dos custos finais de funcionamento de um estabelecimento dessa natureza” (op.cit.).

Essas instituições devem ter “caráter não lucrativo”, ou seja, seu objetivo operacional não deve incluir obtenção de lucro, embora as diversas instituições filantrópicas que atuam na

prestação de serviços de saúde atendam também a demandas privadas e/ou conveniadas aos planos de saúde privados, o que caracteriza a obtenção de lucro272.

Quanto à “produção de bens e serviços públicos”, as instituições filantrópicas, portanto, privadas não lucrativas, devem produzir, principalmente, bens coletivos, podendo ser financiadas por vendas diretas, contribuições pessoais, transferências governamentais e esforço voluntário de trabalho ou doação de bens em espécie. A composição de seu quadro de pessoal conta tanto com trabalhadores celetistas, como com a participação de voluntariado (sem remuneração) no conjunto da mão-de-obra.

O setor filantrópico no Brasil compõe as seguintes áreas: Cultura e Recreação; Educação e Pesquisa; Saúde273; Assistência Social; Desenvolvimento e Defesa de Direitos; Internacionais; Instituições Religiosas e Associações Profissionais274.

Na saúde, Aciole (2006) afirma que

[...] o estatuto de filantrópico tem sido perseguido pelos mais variados tipos de prestadores hospitalares com a precípua intenção de gozar das isenções e benesses da legislação, muito mais do que atuar na prestação de serviços voluntária e sem caráter lucrativo, como a condição parece sugerir à primeira vista (op. cit., p.272).

E isso não acontece por acaso, pois, como conclui Beres (op.cit.), as instituições privadas sem fins lucrativos – instituições filantrópicas275 – vêm demonstrando ser uma importante expressão econômica no país em suas diversas áreas de atuação, chegando a ter uma participação econômica, em 2002, comparada aos setores de fabricação e manutenção de máquinas e motores, e ao de transporte, alcançando o patamar aproximadamente cinco vezes maior que os de fabricação de automóveis, caminhões e ônibus, e da indústria têxtil276.

272

ACIOLE, op. cit. 273

Particularmente as instituições conhecidas como Santas Casas, herança colonial portuguesa que se difundiu e desdobrou num verdadeiro sistema de assistência à pobreza. A primeira Santa Casa de Misericórdia data de 1543 e funciona até hoje em Santos (SP).

274

Beres (op. cit.) classificou “Desenvolvimento e Defesa de Direitos” como a categoria que inclui as instituições dedicadas à definição de políticas, campanhas e estudos sobre o meio ambiente, instituições dedicadas ao treinamento profissional, organizações de direitos humanos e políticos e de filantropia.

275

Desde 2004 a Polícia Federal (PF), com apoio do Ministério da Previdência Social, vem investigando mais de 60 entidades das áreas de saúde e educação, que sob o título de filantrópicas têm fraudado os cofres públicos em mais de R$ 4 bilhões nos últimos quatro anos. Disponível em <http://www.estadao.com.br/nacional/not_nac140538,0.htm> Acesso em 11 de agosto de 2008.

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