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PARTE I ENQUADRAMENTO GERAL

1. PERSPETIVAS CIENTÍFICAS SOBRE A AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO

1.3. Instrumento de mudança e de controlo

A avaliação dos professores é uma realidade incontornável e desejável, porquanto se constitui uma necessidade institucional, profissional e pessoal, permitindo o reconhecimento público das escolas bem como da atividade profissional dos professores. Neste cenário, facilmente é concebida numa lógica de controlo, aspirando por essa via à melhoria e à mudança. Também neste cenário, porque povoado por pessoas, os erros e os insucessos são igualmente esperados, embora desejavelmente superáveis.

Simões (2000:46-47), baseado no caso português, elenca algumas razões explicativas do fracasso decorrente da implementação de sistemas de avaliação docente mal conduzidos: a tendência para estabelecer perfis mínimos de competências, em detrimento de objetivos mais estimulantes e de responsabilidades coletivas; a resistência dos professores à participação em atividades de desenvolvimento profissional em que o seu desempenho seja usado com propósitos sumativos; a desadequação dos critérios e dos instrumentos utilizados na aferição de um desempenho eficaz; a falta de capacitação dos avaliadores para realizar a avaliação; a incongruência de um sistema que privilegia a identificação de um pequeno número de professores incompetentes em vez de promover o aperfeiçoamento profissional; a inconsequência de um sistema que, pelas suas fragilidades administrativas, dificilmente conduz ao despedimento dos professores incompetentes; a fraca correlação entre o investimento despendido em tempo, energia e recursos e os efeitos daí resultantes em termos de melhoria do ensino, das aprendizagens

e de desenvolvimento profissional; o descrédito, junto dos professores mais capazes, do valor de uma avaliação baseada nos mesmos padrões ano após ano.

No panorama internacional, Fullan e Hargreaves (2001) elencaram também algumas razões explicativas das tentativas de reforma educativa mal sucedidas, em particular quando envolvem a avaliação docente: os problemas são complexos e não se prestam a soluções simples; os prazos são irrealistas ao se pretenderem resultados imediatos; a tendência para adotar modas sob a forma de receitas fáceis é arriscada; a relação entre as abordagens estruturais (intensificação da avaliação) e as questões subjacentes relativas ao ensino e ao desenvolvimento dos professores não é equacionada; a implementação das novas iniciativas não é acompanhada por sistemas de apoio; a motivação dos docentes para as estratégias de melhoramento não é trabalhada, operando-se, pelo contrário, a sua alienação. Segundo Fullan e Hargreaves, a mudança educativa que não envolva o professor e não conte com a adesão deste acabará, com muita probabilidade, por transformar-se numa mudança para pior ou por não representar, sequer, qualquer transformação. A fim de prevenir os riscos do fracasso, a liderança terá de ouvir o professor, terá de o compreender e de o implicar no processo.

Convergindo com as teses de Paquay, Hadji, Fullan e Hargreaves, já citadas, Le Boterf (2005) defende que o diálogo e o confronto intersubjetivo devem ancorar desde o início a construção do dispositivo de avaliação. Pondo a tónica nas competências profissionais, este autor analisa as dificuldades de uma avaliação objetiva, sublinhando que, na verdade, se aprecia não as competências pessoais, mas o que é concebido como tal pelo aparelho avaliador (instrumentos, regras, instâncias). O reconhecimento da competência supõe portanto o olhar - inevitavelmente subjetivo - de outrem. Acresce o facto de o padrão de competência não ser estático, mas de evoluir ao longo do tempo, estando dependente dos critérios adotados e sendo relativo à conceção dos sistemas de validação. É sempre uma “construção social”, pois varia segundo as convenções ou os pontos de vista adotados. Daí que Le Boterf considere que a discussão de ideias entre os diferentes intervenientes seja fundamental no incremento de um sistema de avaliação, desde a sua fase inicial.

Outra dificuldade inerente ao juízo valorativo é a tendência, segundo este investigador, para confundir o ato de controlar com o de avaliar, cuja abordagem é diferente uma vez que o primeiro se detém na análise do “saber fazer”, o segundo na do

“saber agir”. Quer isto dizer que o controlo consistirá na verificação de um procedimento restrito; se, porém, a competência for da ordem do “saber agir”, a validação traduzir-se-á na atribuição de um “valor”, de uma pertinência ou de um sentido, a uma prática profissional particular. Neste caso, a avaliação já não se reduzirá à sua conformidade em relação a uma única norma, porque, com efeito, não há uma só forma de agir com competência. Neste contexto, os referenciais de competências deverão ser concebidos como pontos de partida, de prescrição aberta, e a atribuição de um valor deverá decorrer de um consenso e não do ponto de vista de um ator.

Ainda na linha de Le Boterf, três entradas são possíveis e combináveis na avaliação, a saber, os desempenhos, a atividade e a singularidade. Relativamente aos desempenhos, mede-se o alcançar dos objetivos definidos mediante critérios estabelecidos, julga-se a eficácia ou a utilidade, identifica-se o contributo individual no desempenho coletivo, considera-se a interferência dos fatores organizacionais. Quanto à atividade, avalia-se a conformidade desta com o conjunto de exigências profissionais (parâmetros, especificações ou modelos), implicando a observação da atividade do profissional no seu contexto de trabalho. Finalmente, no que se reporta à singularidade, a abordagem incide no esquema operatório construído pela pessoa para realizar a atividade prescrita, considerando-se a competência real, individual e subjetiva do avaliado, não se restringindo portanto a construir uma medida de desvios entre um referencial de competências requeridas e as competências reais do professor.

No seu estudo, Le Boterf defende portanto que a avaliação docente, assente no diálogo entre as partes, deve contemplar a individualidade de cada professor e, ao mesmo tempo, considerá-la enquanto contributo para o desenvolvimento global da instituição escolar. A avaliação deverá servir um processo de aprendizagem, levando as pessoas a compreender as suas próprias estratégias e a saber agir melhor. Segundo o investigador, uma avaliação que se reduz ao controlo decorre da ilusão de uma gestão através do controlo, contribuindo para o sentimento de medo por parte do avaliado, que se vê no risco de ser julgado como incompetente e de sofrer todas as consequências inerentes a tal juízo. Alternativamente, a avaliação deve ter por finalidade permitir a condução individual da ação pelo profissional a fim de este a tornar mais eficaz.

Partilhando esta última linha de pensamento, Day (1993) considera que os avaliadores devem ter em conta a relação da avaliação com a autonomia do professor,

por um lado, e com a reflexão, a aprendizagem e a mudança do docente, por outro. Só assim, a avaliação nas escolas servirá o desenvolvimento profissional, estando na base deste a participação, a responsabilização e a formação de cada docente.

Porém, a autonomia do professor não pode significar uma liberdade total, deve antes ser balizada ao nível de escola, dentro dos limites legalmente estabelecidos, no quadro de orientações, práticas e metodologias previamente estipuladas. Neste âmbito, Day distingue uma avaliação centrada no produto de uma avaliação centrada no

processo. À primeira dessas visões, interessa uma base de dados, global e atualizada,

bem como a melhoria dos padrões profissionais mediante recomendações, promoções e formação, concebendo-se o ensino como o reflexo da cultura administrativa do governo e das autoridades educativas. No segundo caso, quaisquer lacunas detetadas, dúvidas ou dificuldades assinaladas são válidas num determinado profissional porque são consideradas no seu contexto específico e estimula-se uma aprendizagem reguladora que se produz por referência a ideias emergentes e exequíveis no local de trabalho, encarando-se por consequência o ensino como profissão ou arte. Um “modelo de processo” obedecerá aos princípios de auscultação dos professores nas fases de elaboração, supervisão e análise da avaliação; de participação na recolha de dados; de oferta de recursos de formação e de desenvolvimento adequados aos resultados da avaliação; de intercâmbio de opiniões entre pares; de controlo de todo o processo; de apoio à autoavaliação.

A valorização da autonomia do professor implica que os procedimentos da avaliação sejam elaborados numa perspetiva organizacional, evolutivos e dinâmicos, prontamente aceites pelo corpo docente, simples quanto à documentação a produzir, apoiados por uma formação adequada.

No que concerne à relação da avaliação com a reflexão, a aprendizagem e a mudança do docente, Day recorre ao estudo de Schön (1983) para sublinhar a importância da “reflexão na ação”, a fim de avançar o preceito de que os sistemas de avaliação devem reconhecer e explorar a capacidade autocrítica do professor, devem assumir o valor do conhecimento sobre a prática e devem criar oportunidades para que esse conhecimento seja explicitado e utilizado. Só nestas condições é possível produzir- -se a mudança.

Por sua vez, a aprendizagem dos professores, a ser efetiva, não pode aceitar a privacidade do espaço aula, mas deverá permitir o exame de outros intervenientes com quem se comparem intenções pedagógicas e práticas pessoais, terá de integrar fatores de natureza diversa (conhecimentos, experiência, expetativas pessoais, contexto profissional, debate fora da escola), deverá dispor de tempo e de recursos.

Day, concebendo a avaliação docente como uma possível estratégia de incentivo à melhoria profissional, dá ênfase à ideia de que aquela não pode ser dissociada do desenvolvimento pessoal, por duas razões fundamentais. Primeiramente, qualquer tipo de desenvolvimento implica uma reavaliação de valores, atitudes, sentimentos e práticas que não são unicamente controlados pela razão nem são passíveis de serem prescritos; depois, porque a promoção da avaliação como fator do desenvolvimento do pessoal docente exige uma atenção particular às dinâmicas psicológicas e sociais.

Para que a avaliação dos professores não se reduza a um mero ato burocrático, mas sirva propósitos de regulação e de melhoria da qualidade das experiências educativas, Nisbet (1986) aduziu sete critérios para uma avaliação docente bem sucedida. Em primeiro lugar, a promoção do desenvolvimento profissional e do aperfeiçoamento do docente, não podendo a avaliação prejudicar o processo de ensino e aprendizagem, nem trair a confiança nas relações interpessoais ou inibir as iniciativas dos docentes; segundo, a justiça individual, abrindo-se a possibilidade de debater todos os aspetos em análise; terceiro, a valorização global, devendo cobrir todo o trabalho realizado pelo professor, mesmo aquelas atividades mais difíceis de avaliar no imediato; quarto, a validade das conclusões, mantendo-se estas legítimas a longo prazo; quinto, a transparência na explicação e compreensão da informação; sexto, a eficácia na produção de mudanças, através da promoção da consciência da sua necessidade; sétimo, ser praticável, ou seja, não se revelar complexa, burocrática e inútil.

Em suma, uma avaliação centrada em objetivos de controlo poderá operar a mudança, mas num sentido indesejado. Uma vez que dá ênfase à responsabilização do professor, cujo desempenho é objeto de olhar crítico, tendo em vista a recolha de informações que sustentarão as posteriores prescrições de melhoria dos padrões profissionais e também a gestão das progressões na carreira, o processo pode ser visto pelos docentes como uma ameaça ao prestígio profissional e à estabilidade das práticas, gerando o medo da mudança e a adoção de estratégias organizativas e individuais

defensivas. As consequências individuais (na pessoa do professor), organizacionais (nas relações interpessoais no espaço laboral) e sociais (na qualidade do serviço público prestado) poderão facilmente comprometer as finalidades administrativas tecno- burocráticas, mas sobretudo poderão não compensar o tempo e as energias despendidas com os procedimentos.