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PARTE I ENQUADRAMENTO GERAL

1. PERSPETIVAS CIENTÍFICAS SOBRE A AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO

1.1. O pressuposto formativo

A avaliação docente constrói-se como mosaico de conceções, dependente das perspetivas social, política, docente, discente, sindical, académica, entre outras, de acordo com as expetativas que diferentes instâncias e atores alimentam em relação ao papel e ao estatuto dos professores, condicionadas também estas por referentes diversos - ideológicos, temporais e espaciais. Nesta complexidade, o fenómeno é regularmente apreendido pelos docentes mais como um olhar aquilatante e escarmentador do que como um instrumento de aprendizagem, ao serviço do desenvolvimento profissional. Defendendo a vantagem de os professores adotarem uma atitude construtiva face à avaliação, um leque de investigadores refletiu sobre alguns procedimentos avaliativos que podem ser mobilizados, tendo em vista constituí-la num processo formativo.

Do percurso bibliográfico efetuado, destacamos para já um estudo que, no nosso entender, constitui referência chave. Trata-se do trabalho de Léopold Paquay (2004),

L’évaluation des enseignants - tensions et enjeux, de que seguidamente salientamos em

síntese algumas ideias essenciais.

Considerando que a avaliação docente deverá revestir um caráter formativo, tendo por finalidade o aperfeiçoamento das competências profissionais e a implicação ativa dos professores nos seus percursos de aprendizagem, Paquay propõe dez condições para uma avaliação formativa e mobilizadora.

A primeira preconiza a transparência na definição do objeto, das normas e dos critérios de avaliação, base do diálogo formativo entre avaliador e avaliado. Os referenciais da avaliação, tendo em vista um perfil de competências, devem ser enunciados, por um lado, em relação às finalidades e objetivos institucionais, por outro, em correspondência com as exigências da prática quotidiana.

A segunda condição sustenta a especificidade. Na sua formulação, as exigências e os critérios de avaliação devem fundar-se no plano da realidade, não só quando têm por referência as finalidades institucionais (devendo aqui basear-se nos objetivos do projeto educativo, nos projetos individuais e nos de equipa anuais), como também quando têm por referência as práticas (devendo então partir da análise do trabalho efetivamente realizado), para não se cair no erro de uma avaliação friamente racional, que poderá transformar-se num instrumento de condenação e de restrição das liberdades dos docentes.

Advoga-se, em terceiro lugar, a negociação. Os atores da avaliação deverão ser convocados a participar na construção do referencial. Defende Paquay que a forma mais viável de incluir o contributo dos docentes é a de confrontá-los com um referencial externo definido por autoridades políticas, diretores ou especialistas, para que os docentes o discutam, comparando-o com os seus próprios objetivos, representações e critérios de qualidade.

A quarta disposição reporta-se à razoabilidade. Considera-se necessário fixar com os avaliados, no início do ciclo de avaliação, metas reais, efetivamente atingíveis e objetivamente mensuráveis no momento da apreciação final. Trata-se de criar expetativas realistas numa perspetiva de progressão. Paquay salienta que a avaliação será mal sucedida se incidir num repertório exaustivo e ideal de competências e de tarefas a desempenhar, contemplando-se até as mais raras. Definidas as prioridades, o dispositivo torna-se acessível e viável, promovendo a dinamização dos professores numa perspetiva de desenvolvimento profissional.

A quinta condição recomenda uma autoavaliação orientada pelos indicadores, que devem ser explícitos e concretos, e pelas informações recolhidas, cujos critérios de seleção e de relevância devem ser previamente clarificados.

O sexto preceito incentiva a adoção de uma perspetiva caleidoscópica. Além de congregar os indivíduos na definição de indicadores no contexto específico em que

trabalham, é igualmente importante estabelecer uma dinâmica de intercâmbio no processo de avaliação, valorizadora dos diversos pontos de vista subjetivos, sobretudo quando se apreciam projetos coletivos, que contam com a colaboração de vários sujeitos. Um tal clima cooperativo constituirá uma rutura com o paradigma da objetividade e do caráter classificativo/sumativo da avaliação.

Em sétimo lugar, a avaliação deve visar primeiramente o desenvolvimento profissional, antes de exigir a prestação de contas, de determinar a nomeação, a promoção ou o aumento salarial. Neste sentido, Paquay propõe que os ciclos de avaliação sumativa (por exemplo, de cinco em cinco anos) sejam precedidos de avaliações formativas anuais. Seria imperativo explicitar então a função de cada avaliação e delimitar claramente o que seria tido em conta num e noutro processo. Segundo o investigador, se as avaliações fossem unicamente formativas, perderiam talvez a sua capacidade mobilizadora, uma vez que alguns docentes poderiam considerá-las facultativas, secundárias ou mesmo inúteis.

A oitava condição destaca a confiança entre pares. É particularmente importante no momento da entrevista. Para que os docentes não se sintam julgados, a entrevista formativa deve, segundo o autor, constituir um espaço que permita a hesitação e o erro, sentindo o avaliado que pode confiar no avaliador, não correndo riscos em expor a verdade. Para se envolver numa dinâmica de desenvolvimento profissional, o professor deve ser protegido, pelo menos provisoriamente.

A nona circunstância valoriza a corresponsabilização. Segundo Paquay, uma avaliação só será formativa e mobilizadora se o conjunto do processo de gestão de um estabelecimento se inscrever numa ação coparticipada. Recorrendo a Thurler (2001), o investigador subscreve a ideia de que os professores não podem ser concebidos como indivíduos em formação, mas como membros de uma organização social, corresponsáveis pelo seu desenvolvimento. Vistos neste contexto, os docentes transformam as suas necessidades, problemas e objetivos pessoais em projetos coletivos, investindo os seus desempenhos na realização de uma obra comum e, em síntese, tornando as escolas em “organizações aprendentes”.

Por fim, a décima condição reveste um caráter de abrangência e de integração, ao pretender a inscrição da avaliação de competências num processo alargado que, na sua amplitude, inclua a avaliação do conjunto do projeto do estabelecimento de ensino.

Acresce ainda, a fim de evitar favoritismo e parcialidade, a imprescindibilidade de se observar o princípio segundo o qual os atores dos diferentes níveis hierárquicos devem ser todos avaliados numa perspetiva formativa.

Em suma, o estudo de Paquay dá especial relevo às perceções dos diferentes intervenientes sobre o processo de avaliação, incentivando a análise e a discussão a fim de que a definição de qualidade seja uma construção conjunta e colaborativa. No mesmo sentido, também em Portugal, Alonso (1998:233), apoiada em Nisbet (1986), enunciara já os princípios orientadores de uma avaliação dos professores de natureza formativa, a qual deveria fundar-se em procedimentos avaliativos que fossem: “(a) benéficos e estimuladores da confiança e das relações colegiais; (b) justos e equitativos para todos, pela adequação às necessidades diferenciadas e aos contextos ecológicos diversificados das escolas; (c) globais, no sentido de abranger a totalidade do trabalho realizado pelos professores e os significados que estes lhe atribuem; (d) democráticos e abertos, por definirem claramente os pressupostos, objetivos e metodologias, e por envolver os professores nesta definição; (e) eficazes na promoção da mudança, estimulando a tomada de consciência da necessidade de apoio, e de feedback; (f) exequíveis, ultrapassando a substância incómoda, burocrática ou inútil de algumas propostas; (g)

concertados, no sentido de neles participarem diferentes intervenientes, com relevo para

aqueles que acompanham de perto a atividade dos professores na escola, mas recorrendo a outros especialistas que funcionem como garantes da objetividade; (h)

multidimensionais, por recorrerem a uma diversidade de fontes e à flexibilidade

metodológica para a recolha e análise dos dados”. A autora sublinha, pois, a importância de uma visão contextual e holística, da exequibilidade processual e do potencial reformista, como fatores favoráveis a experiências formativas no âmbito da avaliação docente.

Apesar dos benefícios formativos apontados pela investigação, persiste o problema de difícil resolução que se tem traduzido na falta de agilidade política para fomentar uma nova mentalidade junto dos professores, que os faça entender e aceitar a avaliação docente como oportunidade de formação. Precisamente neste contexto, e tomando como ponto de partida a discussão sobre a democratização do ensino, e as exigências de resiliência que consequentemente são impostas aos professores, Darling- Hammond (2010:109) enuncia três princípios capazes de estimular nos professores a

compreensão da avaliação docente como processo de promoção e desenvolvimento profissional: a valorização dos professores mais eficazes; a organização de oportunidades significativas de aperfeiçoamento; o reconhecimento dos professores especialistas, tendo em vista a sua rentabilização e promoção. Segundo a investigadora, uma abordagem integrada destes aspetos permitirá uma conexão entre a avaliação e os seus propósitos formativos.

A complexidade da questão adensa-se ao embater na predisposição para a mudança, entre os professores, visto que as crenças e as práticas se enraízam ao longo dos anos e resistem inabaláveis às propostas de transformação, mesmo que elas apresentem claros sinais de inovação e de melhoria do profissional, dos ambientes de ensino e aprendizagem onde se atua e da colaboração colegial. Day (2001:153) salientou a importância de três pressupostos sobre o desenvolvimento e a mudança, que devem ser tidos em consideração para que a avaliação contribua para o desenvolvimento do professor e das culturas de aprendizagem corporativas: “i) o desenvolvimento profissional não é algo que se possa impor, porque é o professor que se desenvolve (ativamente) e não é desenvolvido (passivamente); ii) a mudança que não é interiorizada será provavelmente cosmética, ‘simbólica’ e temporária; iii) a mudança, a um nível mais profundo e contínuo, envolve a modificação ou transformação de valores, atitudes, emoções e perceções que informam a prática e é improvável que estes ocorram, a não ser que haja participação e sentido de posse, nos processos de tomada de decisões sobre a mudança”. Essencialmente, o que o autor pretende reforçar é a ideia de que as tentativas de promover a avaliação como elemento integrante do desenvolvimento profissional contínuo não serão bem sucedidas se forem apresentadas aos professores como imposições mal esclarecidas. Pelo contrário, se houver uma consideração ativa da dinâmica social, dos condicionalismos organizacionais e das idiossincrasias pessoais, ou seja, das culturas coletivas e individuais, na programação do percurso avaliativo, e se, além disso, for alimentada nos professores a noção de controlo do processo, forem valorizadas as evidências de empenho e de motivação e, finalmente, se for incutida a séria responsabilidade profissional no contributo individual para os processos globais de mudança, estarão a criar-se condições para que a atitude dos docentes em relação à avaliação seja mais profícua.

Sensibilizar para a filosofia que enforma as diferentes áreas de intervenção dos professores, como é o caso da avaliação docente, é fundamental na construção de uma consciência pedagógica sustentada e, por consequência, da própria identidade profissional. A compreensão de si e da realidade circundante depende grandemente desse conhecimento, podendo este viabilizar a aceitação dos procedimentos com caráter prescritivo. Numa visão pragmática, Tardif e Faucher (2010) propõem um conjunto de balizas para a avaliação da profissionalidade, que definem como um processo que se “constrói gradualmente, graças ao desenvolvimento das competências e da identidade profissional, iniciada na profissionalização, permitindo a apropriação cada vez mais importante das práticas, da cultura e dos valores da profissão”. Segundo os autores, a avaliação docente, que deverá portanto ter em conta o domínio das competências profissionais, o nível de apropriação da cultura profissional e o nível de integração da identidade profissional, terá de prever os seguintes procedimentos: um calendário de todo o processo, incluindo a agenda de todos os documentos a serem apresentados; um referencial de práticas compartilhado pelos diferentes intervenientes (diretores, colegas, conselheiros pedagógicos, pais, alunos); as provas que servirão de base para a avaliação da profissionalidade (portefólio e questionários); os métodos de comunicação dos resultados; as possibilidades de recurso, caso não haja acordo sobre a validade e a justiça com que a profissionalidade do professor foi avaliada. Em suma, os investigadores dão ênfase ao necessário envolvimento ativo e concreto do professor no processo da sua avaliação, como forma de atenuar mecanismos de resistência ou de bloqueio. Adicionalmente, Tardif e Faucher (2010:51) consideram que a avaliação deverá ter a finalidade de se aproximar do reconhecimento profissional e de apoiar a profissionalidade, tida esta como “processo de desenvolvimento nunca acabado”.

Os estudos acima interessaram-nos na medida em que sustentam a ideia, atrás enunciada, de que sob certas condições a avaliação docente pode revestir fins formativos. Os argumentos expostos deveriam permitir-nos ponderar se o modelo de avaliação docente português de 2007-09, ao nível da conceção, do incremento do processo e dos seus resultados, potenciou o desenvolvimento de percursos de índole formativa. A partir dos testemunhos recolhidos, tentámos perceber se o processo de avaliação realizado revestiu, na consciência dos docentes diretamente envolvidos e nas suas representações da profissão, um carácter formativo.