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Perceções sobre a reconfiguração da carreira docente no novo ECD

PARTE II – DESENVOLVIMENTO DA INVESTIGAÇÃO EMPÍRICA

4. REPRESENTAÇÕES DOS PROFESSORES AVALIADOS SOBRE

4.2. Apresentação, análise e interpretação dos dados

4.2.3. Perceções sobre a reconfiguração da carreira docente no novo ECD

A única categoria que concebemos para o tema 3 revelou as perceções negativas dos professores questionados, relativamente aos aspetos do então novo Estatuto da Carreira Docente, no que diz respeito à reestruturação da carreira, à atribuição de

competências acrescidas e aos efeitos que deduzem a desvalorização da classe profissional junto da opinião pública.

Quadro 9. Análise de conteúdo das respostas dos professores sobre o tema “Perceções sobre a reconfiguração da carreira docente no novo ECD”

Categorias Subcategorias Unidades de Registo UC

1. Críticas às conceções dominantes no novo ECD 1.1. Divisão da carreira em duas categorias

Mas foi no biénio 2007-2009 que o então Novo Estatuto da Carreira Docente alterou profundamente a carreira.

Este processo de avaliação teve, à partida, o estigma da diferença entre professor titular e professor não titular.

O modelo de avaliação (…) pecou de imediato por, a meu ver, assentar em alguns pressupostos que considero profundamente incorretos: - a divisão da carreira em duas categorias, numa espécie de afirmação de que existem professores de 1ª e professores de 2ª categoria;

A D H 1.2. Atribuição de responsabilidades excessivas

Saliento apenas as mais significativas para mim e que despoletaram alguma frustração: a carga horária do professor a cumprir na escola (componente letiva e não letiva, não tendo em conta as inúmeras horas de trabalho realizado em casa por professores empenhados em dar o seu melhor) e o novo sistema de avaliação de desempenho.

A

1.3. Desacreditação da classe

profissional

Sob a capa da necessidade de se melhorar a qualidade do ensino e os resultados escolares, o que foi feito foi uma desacreditação de toda uma classe profissional. Com efeito, a mensagem que se pretendeu passar para a opinião pública (e que, para grande prejuízo de todo o país, passou) foi a de que os professores são a fons et origo dos problemas do ensino e, como tal, terão de ser penalizados pelo seu mau desempenho e, daqui em diante, rigorosamente “vigiados”.

H

Na abordagem deste segundo tema, dada a existência de uma só categoria, procedemos a uma representação gráfica da distribuição das unidades de enumeração por subcategoria, tendo em vista uma leitura mais fácil e sintética dos dados.

Gráfico 4. Distribuição das unidades de enumeração por subcategoria, relativas à categoria Críticas

às conceções dominantes no atual ECD, do tema “Perceções sobre a reconfiguração da carreira

docente no novo ECD”

O gráfico 4 mostra o total das 5 unidades de registo incluídas na categoria

críticas às conceções dominantes no novo ECD, única definida para o tema “Perceções

sobre a reconfiguração da carreira docente no novo ECD”, destacando-se a subcategoria

divisão da carreira em duas categorias, com 60% (n=3) de ocorrências.

Ao manifestarem as suas perceções sobre a reconfiguração da carreira docente no novo ECD, podemos constatar que os professores questionados abordam o novo diploma legal de forma negativa, fazendo-lhe uma crítica global: a penalização da classe profissional a três níveis - estatutário, laboral e social. No primeiro plano, a divisão da carreira em duas categorias, professor e professor titular, foi sentida como estigmatizadora e discriminatória (“O modelo de avaliação (…) pecou de imediato por, a meu ver, assentar em alguns pressupostos que considero profundamente incorretos: - a divisão da carreira em duas categorias, numa espécie de afirmação de que existem professores de 1ª e professores de 2ª categoria”); ao nível laboral, impôs a assunção de responsabilidades excessivas (“as inúmeras horas de trabalho realizado em casa por professores empenhados em dar o seu melhor”); no plano social, a desacreditação da classe profissional (“a mensagem que se pretendeu passar para a opinião pública… foi a de que os professores são a fons et origo dos problemas do ensino e, como tal, terão de ser penalizados pelo seu mau desempenho e, daqui em diante, rigorosamente vigiados”). Domingo (2003), na sua análise da profissão docente como objeto de um processo de proletarização, salienta algumas questões que têm certa conexão com os tópicos aqui abordados pelos professores respondentes. No estudo de Domingo,

3; 60% 1; 20% 1; 20% Divisão da carreira em duas categorias Atribuição de responsabilidades excessivas Desacreditação da classe profissional Nº e p erc en tag em d as UE

interessaram-nos particularmente as perspetivas de abordagem adotadas pelo investigador e os motivos do debate arrolados no seu exame do percurso atual da classe profissional.

Domingo salienta três ideias fundamentais na visão do grupo docente: a desqualificação profissional, a separação entre conceção e execução, a perda do controlo do próprio trabalho.

Relativamente à desqualificação profissional, e segundo o autor, esta surge muitas vezes associada subtilmente a novas formas de requalificação, o que, no presente caso, nos parece que se traduziu na divisão da carreira em duas categorias, devida à necessidade de, na observância do Decreto-Lei nº 15/2007, de 19 de janeiro, “proceder à correspondente estruturação da carreira, dotando cada estabelecimento de ensino de um corpo de docentes reconhecido, com mais experiência, mais autoridade e mais formação, que assegure em permanência funções de maior responsabilidade e que constitua uma categoria diferenciada”.

Quanto à segunda ideia-chave, a separação entre conceção e execução que, de acordo com Domingo, supõe a redução do profissional à condição de mero executante de tarefas sobre as quais não tem poder decisório, verificamos que, no caso português, a crescente burocratização e a intensificação das tarefas resultaram frequentemente no trabalho estéril, na rotinização do exercício profissional (mais condicionado pela pressão do tempo do que impulsionado pela reflexão sistemática), no isolamento e no individualismo dos professores do que numa cooperação coletiva. Apple e Jungck (1990:154) consideram que “a intensificação faz com que as pessoas tomem atalhos, economizem esforços, de maneira a apenas terminarem aquilo que é verdadeiramente essencial para a tarefa imediata que têm entre mãos; obriga as pessoas a apoiarem-se cada vez mais nos peritos, a esperar que eles digam o que fazer, e, desta forma, as pessoas começam a desconfiar da experiência e das atitudes que desenvolveram ao longo dos anos. No processo, a qualidade é sacrificada em favor da quantidade. O

trabalho feito converte-se no verdadeiro substituto do trabalho bem feito.

Por último, ainda na senda de Domingo (2003), a perda de controlo do professor sobre o seu próprio trabalho decorre da restrição das funções do docente ao cumprimento das prescrições externamente determinadas, fazendo-o perder a visão conjunta, integradora e coerente da sua atividade profissional, o que o faz experimentar

uma sensação de desnorte, de insegurança pessoal e de dúvida sobre o estatuto da profissão, cujo prestígio sente perder no coletivo social. Tais nos parecem ser a vivência e os sentimentos expressos pelos professores respondentes em torno da sua reflexão sobre a desacreditação social da classe.

Domingo alerta para o risco de um processo de contínua desqualificação, emergente da crescente regulação, tecnicização e controlo, produzir a perda de competências e de conhecimentos profissionais, inerentes ao exercício fundamental da atividade docente, o processo de ensino e aprendizagem, para assumirem funções e tarefas que acabem por afastá-los dos propósitos específicos da ação educativa.

4.2.4. Preocupações relativas à futura avaliação docente e seus impactos