Para atender aos propósitos deste estudo, selecionaram-se quatro
instrumentos para a coleta de dados. São eles: a autobiografia, o questionário, a
escala de atitude e a entrevista. Na primeira fase de coleta de dados aplicaram-se os
9
três primeiros instrumentos
10, nesta ordem. Após o tratamento dos dados obtidos por
meio destes três instrumentos, alguns sujeitos foram entrevistados, o que
caracterizou a segunda fase de coleta. Conforme esclarecimento anterior, foram
entrevistados os casos extremos, em função dos escores obtidos na escala de
atitudes. Foi utilizada uma entrevista do tipo semi-estruturada com roteiro
11previamente elaborado.
Torna-se pertinente indicar a natureza desses instrumentos e a finalidade com
que foram utilizados, o que será feito nos próximos parágrafos. Contudo convém
informar que, por uma questão meramente organizacional, optou-se por deixar para
o próximo item deste capítulo a descrição dos procedimentos de coleta, de registro e
de análise dos dados, relativos a esses quatro instrumentos. E ainda, a ordem de
apresentação dos instrumentos corresponde à ordem em que foram aplicados nas
duas fases de coleta.
O primeiro instrumento utilizado foi a autobiografia. Este instrumento se
caracteriza pela produção de um relato escrito, por meio do qual o sujeito pode
expor o seu conhecimento, os seus sentimentos e as suas ações em relação ao
objeto de estudo, que no caso é a Matemática. Por esse motivo, este instrumento foi
chamado, neste trabalho, de autobiografia matemática
12.
As histórias de vida, os depoimentos e as autobiografias vêm sendo utilizados
como fontes ricas de dados, que permitem o estudo de fatos históricos, sociais e
individuais, de acordo com o objeto e o problema a ser analisado pelo pesquisador.
Eles são caracterizados por relatos verbais (ou escritos), mais ou menos livres,
conforme a opção metodológica do pesquisador, e trazem consigo riquezas de
sentimentos, opiniões e atitudes da pessoa que relata.
A autobiografia se caracteriza pela obtenção de informações sobre o sujeito
por meio de um relato escrito produzido por ele mesmo. Nesse sentido, quando o
sujeito se expressa pela via escrita, acredita-se estar colhendo informações a seu
respeito de forma mais espontânea, menos controlada e, por hipótese, mais
autêntica. O uso da expressão “menos controlada” se deve ao fato de que o relato
10
Estes instrumentos podem ser verificados nos anexos 7, 8 e 9, respectivamente.
11
O roteiro para a realização da entrevista semi-estruturada pode ser verificado no anexo 10.
12
escrito será produzido mediante um tema previamente selecionado pelo
pesquisador.
Neste estudo, levou-se em consideração que reconstruir a história de
formação pela via escrita não é tarefa simples, pois se exige do indivíduo uma
explicitação de características peculiares. Ao construir seu texto, o indivíduo pode
preferir mostrar aos outros uma boa imagem de si, deixando de expor o que para ele
é trivial ou desagradável.
Embora estivéssemos cientes de que a autobiografia não revela a totalidade
da vida do indivíduo, ela foi escolhida porque fornece elementos significativos para a
observação de respostas do sujeito via relato escrito, o que permite inferir suas
atitudes em relação à Matemática, pois “escrever sobre si é auto-revelar-se, é um
recurso privilegiado de tomada de consciência de si mesmo, pois permite atingir um
grau de elaboração lógica e de flexibilidade, de forma mais acabada do que na
expressão oral”. (SOUSA, 2000, p. 31).
Na medida em que a autobiografia possibilita ao respondente expor seu ponto
de vista sobre o tema escolhido (no caso, “eu e a Matemática”) de forma
espontânea, este instrumento lhe oferece a possibilidade de colocar em ação sua
própria argumentação, permitindo e valorizando sua atividade escrita. Assim, tirou-se
proveito disso no sentido de buscar encontrar, no registro escrito, aspectos
relevantes que explicitam as relações do indivíduo com a Matemática, no percurso
de sua vida escolar, por meio dos quais se pudessem inferir suas atitudes em
relação a esta ciência.
Por intermédio dos registros escritos produzidos nas autobiografias,
procurou-se verificar procurou-se os três domínios que caracterizam as atitudes (afetivo, cognitivo e
conativo) desses sujeitos em relação à Matemática se explicitam, quando se
analisam respostas que os sujeitos expressam por meio de relatos escritos.
O segundo instrumento utilizado foi o questionário. Além de identificar os
sujeitos e fornecer informações demográficas sobre eles, o questionário tem se
constituído também em uma das formas de se obterem informações para analisar
tendências relativas ao sujeito em estudo.
Muitos pesquisadores desenvolvem questionários para encontrar informações
mais precisas sobre os sujeitos envolvidos em suas investigações. Por exemplo, no
estudo desenvolvido por MORON (1999), foi utilizado um questionário por meio do
qual ela obteve informações a respeito da vida profissional dos professores
envolvidos em sua pesquisa. Além de identificar os sujeitos, foram elaboradas
questões cujo objetivo era verificar a preferência dos professores pelas disciplinas
que lecionavam e a razão de sua escolha profissional.
Assim, o questionário
13utilizado no presente estudo teve o objetivo de
caracterizar os sujeitos participantes, obtendo-se dados tanto pessoais quanto
profissionais dos sujeitos envolvidos no estudo, o que justificou a sua adoção. Por
meio desse instrumento, pretendeu-se conhecer a razão pela qual o sujeito escolheu
certo tipo de curso superior, qual é o grau de importância que ele atribui à formação
continuada, se ele conhece e utiliza materiais didáticos para o ensino da
Matemática; quais são suas preferências em relação ao ensino de determinados
conceitos matemáticos, em qual desses conceitos os alunos apresentam maior
dificuldade em sua aprendizagem, etc.
O questionário apresenta questões abertas, por meio das quais se tentou
verificar se os três domínios que caracterizam as atitudes (afetivo, cognitivo e
conativo) desses sujeitos, em relação à Matemática, se tornam explícitos, quando se
analisam as respostas que esses sujeitos expressam por meio de relatos escritos.
O terceiro instrumento utilizado no presente estudo foi a escala de atitudes.
Este instrumento de medida das atitudes em relação à Matemática é reconhecido
pela maioria dos pesquisadores que se dedicam a esse tema. Embora os
instrumentos para medir atitudes possam ser encarados com certa reserva por
alguns pesquisadores, constata-se que essa possibilidade de mensuração oferecida
pelas escalas de atitudes pode trazer maior precisão e validade aos resultados
obtidos, atendendo mais adequadamente às exigências metodológicas e conceituais
do procedimento científico.
Muitas pesquisas esclarecem que o uso da escala permite identificar a atitude
dos futuros professores e dos professores em exercício em relação à Matemática.
Isso acontece de fato, pois “os itens da escala cobrem principalmente as razões
pelas quais as pessoas possam demonstrar se gostam ou não de matemática”.
(BRITO E GONÇALEZ, 1996, p. 55).
13
A escolha deste instrumento foi imprescindível para a realização do trabalho,
pois possibilitou a identificação dos graus de aceitação ou rejeição dos sujeitos em
relação à Matemática. A escala utilizada é do tipo Likert em que cada item que a
compõe apresenta, geralmente, cinco alternativas. Atribui-se uma pontuação a cada
alternativa, que varia de 1 a 5 pontos, quando ela tem cinco alternativas de resposta.
“Os pontos de cada questão são somados para se obter o número de pontos para
cada indivíduo e o somatório total dos pontos vem a constituir o escore” (BRITO,
1998, p. 118). Por esse motivo, essas escalas são denominadas de somatórias.
O uso desse tipo de escala somatória tem sido muito difundido com o objetivo
de medir atitudes de alunos e professores em relação ao objeto de estudo. Podem
ser atribuídas muitas vantagens à aplicação desse tipo de escala. Por exemplo:
maior facilidade em sua elaboração e construção; maior amplitude de respostas para
cada um dos itens e, por ser mais homogênea, maior probabilidade de que a atitude
esteja sendo medida.
No entanto, algumas restrições são endereçadas às escalas do tipo Likert.
Um exemplo disso é que os cinco pontos variam entre dois extremos que vão de
uma plena concordância até uma plena discordância, passando por um ponto
neutro, que pode causar ambigüidade. A esse respeito, Ragazzi observa que:
“o ponto neutro pode ser produto de dois resultados, relacionados a duas atitudes muito diferentes. Pode surgir uma posição neutra na maioria ou em todos os itens, ou ainda, é oriundo de uma posição muito favorável em alguns itens e muito desfavorável em outros. Pode-se pensar também, que o ponto neutro possa ser sinônimo de ausência total da atitude que está sendo medida”. (RAGAZZI, 1976, p. 42).
A escala de atitudes, em relação à Matemática
14, utilizada no presente estudo
foi adaptada e validada por BRITO (1998) e traz a seguinte inovação: retirou-se o
ponto neutro, pois ele poderia levar o indivíduo a ficar indeciso e,
conseqüentemente, a não emitir opinião. Com a retirada do ponto neutro, essa
escala passa a apresentar quatro possibilidades de escolha, o que, de certo modo,
“força” o sujeito a escolher uma das seguintes alternativas em cada item, dispostas
na seguinte ordem: concordo totalmente, concordo, discordo e discordo totalmente.
As palavras da pesquisadora citada acima justificam essa opção, ao afirmar
14
que “quando o indivíduo, muitas vezes, não se decide por uma alternativa isso
revela muito mais a inércia do sujeito para efetuar a escolha que propriamente a
incapacidade de expressar uma opinião a respeito de um determinado tema”.
(BRITO, 1996, p. 191).
As alternativas que compõem cada item da escala permitiram obter o escore
do sujeito. Para tanto, foi necessário atribuir pontos a cada alternativa, de cada um
dos itens que expressam sentimentos positivos (3, 4, 5, 9, 11, 14, 15, 18, 19 e 20) ou
negativos (1, 2, 6, 7, 8, 10, 12, 13, 16 e 17). Cabe aqui a seguinte observação: os
itens 21 e 22 foram incluídos na escala com o intuito de verificar a autopercepção do
indivíduo e as razões que o levaram a dar aulas de Matemática, respectivamente.
Esses itens foram analisados separadamente. Portanto, os 20 primeiros itens da
escala (10 positivos e 10 negativos), conforme descrição acima, foram utilizados
para medir as atitudes dos sujeitos participantes em relação à Matemática.
Torna-se conveniente esclarecer ainda o seguinte fato: a atribuição de pontos
para cada alternativa que compõe os itens positivos não foi a mesma que compôs os
itens negativos. Considerando que na escala de atitudes as alternativas são
colocadas numa mesma ordem, tanto para os itens positivos quanto para os itens
negativos, a atribuição de pontos foi feita em ordem invertida. A inversão se mostrou
indispensável no momento da análise dos dados da escala, na medida em que foi
necessário obter o escore de cada um dos 440 sujeitos participantes. Sendo assim,
atribuiu-se a seguinte pontuação:
♦ Para os itens que expressam sentimentos positivos
(4) Concordo totalmente, (3) Concordo, (2) Discordo e (1) Discordo totalmente.
♦ Para os itens que expressam sentimentos negativos
(1) Concordo totalmente, (2) Concordo, (3) Discordo e (4) Discordo totalmente.
Essa atribuição de pontos em ordem invertida tem a finalidade de “igualar a
direção da atitude, isto é, os sujeitos que respondem concordando com as questões
que exprimem sentimentos positivos devem, por princípio, discordar daquelas
afirmações que exprimem sentimentos negativos com relação à matemática”.
(BRITO, 1998, p. 127).
As respostas aos itens que compõem esse tipo de instrumento refletem a
maneira pela qual os sujeitos avaliam cada um dos enunciados propostos. Assim,
por meio da escala, foi possível identificar o tipo de atitude que esses sujeitos
apresentam em relação à Matemática.
O quarto instrumento utilizado no presente estudo foi a entrevista. Esta é
uma das técnicas de coleta de dados mais utilizadas na pesquisas de caráter social.
Muitos autores a consideram como a técnica de investigação social por excelência.
Por meio da entrevista, é possível obter informações, por exemplo, sobre
compreensões, sentimentos e ações que as pessoas têm acerca de diversas
situações.
Por sua flexibilidade, a entrevista é adotada como técnica fundamental de
investigação nos mais diversos campos, pois possibilita a obtenção de dados
referentes a muitos aspectos da vida social. Os dados obtidos por meio de
entrevistas são passíveis de classificação e quantificação, o que pode oferecer ao
pesquisador maior flexibilidade na análise dos resultados.
Algumas críticas são endereçadas a essa técnica de coleta de dados. Por
exemplo: a falta de motivação do entrevistado, a inadequada compreensão do
significado das perguntas, o fornecimento de respostas falsas e a influência que o
entrevistador pode exercer sobre o entrevistado trazem limitações a essa técnica de
coleta de dados em pesquisas qualitativas.
Entretanto, a entrevista se apresenta como um importante instrumento para a
obtenção de dados de pesquisa. Para que o uso desse instrumento possa se
distanciar de críticas que lhe podem atribuir caráter de pouca confiabilidade ou de
excesso de subjetividade, é necessário que sejam explicitados de maneira
minuciosa os procedimentos adotados na coleta, no uso e na análise do material
recolhido. Além disso, é conveniente levar em consideração as discussões que
dizem respeito aos critérios de rigor e confiabilidade a serem adotados em pesquisas
qualitativas. As palavras seguintes são esclarecedoras: “o que dá o caráter
qualitativo não é necessariamente o recurso que se faz uso, mas o referencial
teórico/metodológico eleito para a construção do objeto de pesquisa e para a análise
do material coletado no trabalho de campo”. (DUARTE, 2004, p. 215).
Considerando que para a realização do presente estudo foi necessária a
obtenção de dados quantitativos e qualitativos, e que a entrevista é um dos
instrumentos privilegiados na coleta de dados em pesquisas de base qualitativa,
adotou-se o uso deste instrumento, pois ele possibilitou a obtenção de dados que
constituíram fonte de informações importantes para o presente trabalho.
Para este estudo foi escolhida uma das modalidades de entrevista (a
entrevista semi-estruturada
15), por ser considerada a mais adequada ao que se
pretendeu investigar em virtude do seguinte fato: depois de formular a pergunta
inicial, o rumo subseqüente da entrevista é geralmente determinado pelas respostas
do entrevistado e pelas sondagens do entrevistador.
Por meio da análise dos relatos orais dos entrevistados, procurou-se
estabelecer uma correspondência entre as estruturas semânticas (entendidas aqui
como representação do sentido dos enunciados) ou lingüísticas (entendidas aqui
como princípios gerais da linguagem humana) e os domínios que caracterizam as
atitudes em relação à Matemática.
Conforme esclarecimentos anteriores, foram entrevistados os cinco sujeitos
que apresentaram escores mais altos e os cinco que apresentaram escores mais
baixos na escala de atitudes. As entrevistas tiveram por objetivo responder à
seguinte pergunta: os resultados obtidos pelas entrevistas correspondem aos
resultados apresentados pela escala de atitudes? Pretendeu-se verificar se os três
domínios que caracterizam as atitudes (afetivo, cognitivo e conativo) desses sujeitos,
em relação à Matemática, também se explicitam por meio de alguma resposta
observável ou comportamento manifesto quando eles são submetidos a uma
entrevista do tipo semi-estruturada.
No documento
ATITUDES EM RELAÇÃO À MATEMÁTICA DE PROFESSORES E FUTUROS PROFESSORES
(páginas 59-66)