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Integralismo Lusitano: aspectos de doutrina política

No documento Guerra, Paz, Liberdade (páginas 116-119)

OS MONÁRQUICOS INTEGRALISTAS PORTUGUESES E A

2. Integralismo Lusitano: aspectos de doutrina política

A mais importante proposta cultural, ideológica e política, de matriz antilibe- ral, contrarrevolucionária e tradicionalista monárquica, constituiu-se em 1914 no Integralismo Lusitano, animado, principalmente, por António Sardinha, Alberto Monsaraz, Hipólito Raposo, Luís de Almeida Braga, Francisco Rolão Preto e José Pequito Rebelo, tendo criado a revista de filosofia política e de cultura nacionalista

Nação Portuguesa (1914-1938) e o diário A Monarquia (1917-1922). A orien-

tação essencial estabelecia a propaganda da “monarquia orgânica tradicionalista antiparlamentar”, com uma tendência concentradora (nacionalismo e poder pessoal do rei) e uma tendência descentralizadora (municipalismo, sindicalismo

5 Para a intervenção do C.E.P., cf. Vitorino Magalhães Godinho, Vitorino Henriques Godinho (1878-1962). Pátria e

República, Lisboa, Publicações Dom Quixote/Assembleia da República, 2005, pp. 155-246; Luís Alves de Fraga, Do Intervencionismo ao Sidonismo. Os dois segmentos da política de guerra na 1.ª República, 1916-1918, Coimbra, Imprensa

da Universidade de Coimbra, 2010, pp. 273-616; António José Telo e Pedro Marquês de Sousa, O CEP. Os militares

e corporativismo), daí o Integralismo Lusitano ser nacionalista por princípio, sindicalista e corporativista por meio e monárquico por conclusão6.

A geração política monárquica integralista fez uma avaliação profundamente negativa, quer das Monarquias liberais, que considerava serem “as repúblicas monárquicas do século XIX”, quer das Repúblicas liberais, visto que “A República é o governo dos povos sem passado ou em decadência”, conforme se escreve na

Cartilha Monárquica7. O seu imaginário político estava marcado pela reactua-

lização dos modelos monárquicos de filiação medieval para uma “nova Idade Média” no século XX. Questionam radicalmente o demoliberalismo, de pendor revolucionário, da I República Portuguesa (1910-1926), no que ele manifestava de crise de autoridade do Estado, de conflitualidade religiosa e social ou de racionalismo cultural e positivismo cientificista, acompanhando algumas críticas políticas e culturais de outras áreas do campo político das direitas conservado- ras e nacionalistas portuguesas8, e propõem a especificidade ideológica de uma

reinvenção dos modelos monárquicos medievais a partir dos valores da terra, da raça e da tradição, dotados de um estatuto messiânico.

Na Cartilha Monárquica dos monárquicos integralistas lê-se que a “consciên- cia da continuidade histórica e moral desperta sentimentos de veneração quase religiosa pelos homens e factos do passado. Ler a História é amar a Tradição que é a memória da Pátria […]”9. Este neorromantismo cultural, político e social

era devedor do gosto nostálgico pelo passado, em particular reconhecia-se na representação idealizada e mitificada da medievalidade dos forais (monarquia contratual), dos concelhos (predilecção localista) e das cortes gerais (representa- ção dos corpos sociais). A doutrinação monárquica integralista promoveu uma 6 Manuel Braga da Cruz, “O integralismo lusitano nas origens do salazarismo”, Análise Social, n.º 70, Lisboa, 1982, pp. 137-182; António Costa Pinto, “A formação do integralismo lusitano (1907-17)”, ibidem, n.º 72-74, Lisboa, 1982, pp. 1409-1419; Rui Ramos, “O Integralismo Lusitano”, in José Mattoso (dir.), História de Portugal, vol. 6 (A Segunda Fundação, 1890-1926 – Autor: Rui Ramos), Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, pp. 540-546; Norberto Ferreira da Cunha, “O Tradicionalismo Integralista”, Poiética do Mundo. Homenagem a Joaquim Cerqueira Gonçalves, Lisboa, Edições Colibri/Departamento de Filosofia e Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2001, pp. 375- 399; José Manuel Quintas, Filhos de Ramires. As Origens do Integralismo Lusitano, Lisboa, Editorial Nova Ática, 2004; Ana Isabel Sardinha Desvignes, António Sardinha (1887-1925). Um intelectual no século, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2006, pp. 173-220.

7 Integralismo Lusitano, Cartilha Monárquica, Lisboa, edição de Alberto Monsaraz (conde de Monsaraz), 1916, pp. 4 e 5.

8 Ernesto Castro Leal, Nação e Nacionalismos. A Cruzada Nacional D. Nuno Álvares Pereira e as origens do Estado Novo

(1918-1938), Lisboa, Edições Cosmos, 1999; idem, “Tópicos sobre os nacionalismos críticos do demoliberalismo

republicano: moral, religião e política”, in Pedro Calafate (dir.), História do Pensamento Filosófico Português, vol. 5 (tomo 2), Lisboa, Círculo de Leitores, 2000, pp. 135-160.

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contestação do iluminismo, do liberalismo e da democracia, incidindo quanto à política imediata na crítica ao republicanismo, ao anticlericalismo, ao parla- mentarismo e ao revolucionarismo manifestado na I República Portuguesa10, e

apresentou três aspirações restauracionistas: regime político monárquico tradi- cionalista integral; regime administrativo municipalista e provincialista; regime jurídico de união entre a Igreja católica e o Estado monárquico.

Se é certa a filiação genealógica no discurso antiliberal e contrarrevolucio- nário português de finais do século XVIII e do século XIX, em particular de José Agostinho de Macedo, José da Gama e Castro ou José Acúrcio das Neves11,

não se pode ignorar a importante projecção ideológica das obras de Charles Maurras, Enquête sur la Monarchie (1900), e de Léon Daudet, Le Stupide XIXe

Siècle (1922), na tentativa de reinventar o tradicionalismo no século XX. Entre a

primeira literatura política de relevo, os monárquicos integralistas apresentaram o Manifesto “O que nós queremos” (1914), o livro de António Sardinha, O Valor

da Raça (1915), a Cartilha Monárquica (1916), o livro colectivo A Questão Ibérica

(1916) e o opúsculo de Luís de Almeida Braga, O Culto da Tradição (1916). Quanto ao discurso identitário nacional, de matriz essencialista, António Sardinha, em O Valor da Raça, atribuiu valor primordial ao “milagre de Ouri- que”, que tinha sido criticado no século XIX pelo historiador liberal Alexandre Herculano12, como mito messiânico fundador de Portugal, evocado na resistência

portuguesa ao “domínio filipino” entre 1580 e 1640: “O ‘milagre’ de Ourique valeu assim, para as veladas dolorosas do cativeiro [alusão ao período filipino], como a alta certeza de que não se perderia a causa que tinha o Senhor por padrinho […]. […] o ‘milagre’ […] constituía o aspecto positivo da religião

10 Hermínio Martins, “O colapso da I República”, Classe, Status e Poder e outros ensaios sobre o Portugal contemporâneo, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 1998, pp. 69-98; Rui Ramos, “Foi a Primeira República um regime liberal? Para uma caracterização política do regime republicano português entre 1910 e 1926”, in Manuel Baiôa (ed.), Elites

e Poder. A crise do sistema liberal em Portugal e Espanha (1918-1931), Lisboa, Edições Colibri/Centro Interdisciplinar

de História, Cultura e Sociedades da Universidade de Évora, 2004, pp. 185-245; Fernando Rosas e Maria Fernanda Rollo (coord.), História da Primeira República Portuguesa, Lisboa, Edições Tinta-da-China, MMIX; Miriam Halpern Pereira, A Primeira República. Na fronteira do liberalismo e da democracia, Lisboa, Gradiva, 2016; Fernando Pereira Marques, “Saúde e Fraternidade!”. A República Possível (1910-1926), Lisboa, Gradiva, 2018.

11 Fernando Campos, Os Nossos Mestres ou Breviário da Contra-Revolução. Juízos e depoimentos, Lisboa, Portugália Editora, 1924; idem, O Pensamento Contra-Revolucionário em Portugal (Século XIX), 2 vols., Lisboa, Edição de José Fernandes Júnior, 1931-1932.

12 Ana Isabel Carvalhão Buescu, O milagre de Ourique e a História de Portugal de Alexandre Herculano: uma polémica

sebastianista, que como mito não é mais ou menos de que a expressão patética da vitalidade dum país em desgraça”13.

Por sua vez, António Sardinha considerou, ao nível da construção historio- gráfica, ser necessário recusar a generalização em História, propondo um itinerário crítico para a análise das sociedades humanas ou das formas de cultura, que por vezes não praticou, entendendo ser esse conhecimento um alicerce do pensamento político e social, ao que juntava a fundamentação tomista e as ideias antimodernas de Jacques Maritain. Como observou Hipólito Raposo, pretendia o “predomínio à experiência histórica” em relação ao “predomínio à dedução política”14, o que na

história das ideias antiliberais e contra-revolucionárias pode enunciar um tópico de diferenciação face ao discurso político (nacionalismo revolucionário) e religioso (positivismo agnóstico) de Charles Maurras e da Action Française, onde se inspirava.

O nacionalismo monárquico antiliberal e antidemocrático do Integra- lismo Lusitano constituiu uma ideologia de enraizamento, no solo e no sangue (“a terra e os mortos”), a que juntava uma reinvenção da tradição nacional monárquica (neomedieval) do altar e do trono. Escreveu Luís de Almeida Braga: “A grandeza de Portugal é a História de Portugal tal como ela é, iluminando-se à luz de dois fachos ardentes: o catolicismo e a monarquia […]”15. Na visão de

António Sardinha, este programa para “despertar, como que para uma segunda fundação de Portugal”16, tinha na sua estratégia política o objectivo da criação

de um “Estado novo na pátria velha!”17. Conformava a sociedade à sua “cons-

tituição essencial”, alicerçada nas relações do sangue (família), da sociabilidade (comunas) e dos interesses (profissão).

No documento Guerra, Paz, Liberdade (páginas 116-119)