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Nesta se¸c˜ao mostraremos que os inteiros alg´ebricos de um corpo K ⊃ Q formam um subanel de K, e que esse anel ´e maximal em K. Apresentaremos tamb´em o Teorema de Dirichlet, sem demonstra¸c˜ao, e demonstraremos um corol´ario seu, que ser´a importante no ´ultimo cap´ıtulo.

Um corpo K ⊂ C ´e dito ser um corpo de n´umeros alg´ebricos se K for uma extens˜ao finita do corpo Q dos racionais e, neste caso, todo elemento α ∈ K ´e alg´ebrico sobre Q, ou seja, satisfaz uma equa¸c˜ao da forma:

αn+ an−1αn−1+ · · · + a0 = 0, ai ∈ Q.

Um elemento β ∈ K ´e dito ser um inteiro alg´ebrico se ele satisfaz uma equa¸c˜ao mˆonica em Z[X]:

βn+ bn−1βn−1+ · · · + b0 = 0, bi ∈ Z.

Introduziremos a defini¸c˜ao num contexto mais geral, mas o nosso interesse ser´a, de fato, quando R = Z:

Defini¸c˜ao 2.2.1 Sejam S um anel e R um subanel de S. Diremos que um elemento α ∈ S ´e inteiro sobre R se existir um polinˆomio mˆonico F ∈ R[X] tal que F (α) = 0. Em particular, todo elemento de R ´e inteiro sobre R.

Denotemos por IS(R) o conjunto dos elementos de S que s˜ao inteiros sobre R. Para

mostrar que IS(R) ´e um subanel de S, utilizaremos as condi¸c˜oes equivalentes do teorema

a seguir.

Teorema 2.2.2 Para qualquer α ∈ S, s˜ao equivalentes: i) α ´e inteiro sobre R;

2.2 Inteiros Alg´ebricos 31

ii) R[α] ´e um R-m´odulo finitamente gerado;

iii) Existe um subanel S0 de S que ´e um R-m´odulo finitamente gerado e tal que α ∈ S0. Demonstra¸c˜ao:

(i)⇒(ii): Se α ´e inteiro sobre R, ent˜ao α ´e raiz de um polinˆomio F [X] = Xn+ a

n−1Xn−1+

· · · + a0 ∈ R[X]. Seja M = R + R.α + · · · + R.αn−1. Temos que M ⊂ R[α]. Agora,

suponhamos que 1, α, . . . , αn−1+r ∈ M , o que ´e trivial para r = 0. Como αn+ a

n−1αn−1+

· · · + a0 = 0, segue que αn = −an−1αn−1− · · · − a0, donde αn+r = −an−1αn−1+r− · · · −

a0αr∈ M . Logo, αn+r ∈ M e M = R[α].

(ii)⇒(iii): S0 = R[α] tem a propriedade desejada.

(iii)⇒(i): Como S0 ´e um R-m´odulo finitamente gerado, podemos escrever S0 =Pn

i=1Rβi,

βi ∈ S0. Como S0 ´e um anel e α ∈ S0, segue que cada αβi ∈ S0. Portanto,

αβi = n

X

j=1

aijβj, i = 1, . . . , n, aij ∈ R.

Podemos escrever estas equa¸c˜oes como:

n

X

j=1

(αδij− aij)βj = 0, i = 1, . . . , n,

onde δij ´e o delta de Kronecker: δii= 1 e δij = 0, i 6= j.

Seja d = det(αδij − aij) ∈ S0. Pela f´ormula de Cramer, temos que d.βj = 0, j = 1, . . . , n.

Portanto, obtemos que d.S0 = 0 e como S0 ´e um anel com unidade, conclu´ımos que d = 0. Assim, α ´e raiz do polinˆomio mˆonico det(Xδij − aij) ∈ R[X], donde α ´e inteiro sobre R.

Corol´ario 2.2.3 Se α1, . . . , αm ∈ S forem inteiros sobre R, ent˜ao R[α1, . . . , αm] ser´a um

R-m´odulo finitamente gerado.

Demonstra¸c˜ao: Suponhamos que Rk = R[α1, . . . , αk], como um R-m´odulo, possua um

sistema finito de geradores β1, . . . , βs, o que ´e trivial para k = 0.

Como αk+1 ´e inteiro sobre Rk, o anel Rk+1 = Rk[αk+1], considerado como Rk-

m´odulo, possui um sistema finito de geradores γ1, . . . , γt. Logo, considerado como R-

Assim, por indu¸c˜ao, conclu´ımos que Rm ´e um R-m´odulo finitamente gerado.

Corol´ario 2.2.4 i)IS(R) ´e um subanel de S que cont´em R.

ii) Todo subanel S0 de S que ´e um R-m´odulo finitamente gerado, est´a contido em IS(R).

Demonstra¸c˜ao: i)Obviamente R ⊂ IS(R) ⊂ S. Sejam α, β ∈ IS(R). Ent˜ao, α − β, α.β ∈

R[α, β] e R[α, β] ´e um R-m´odulo finitamente gerado, por 2.2.3. Logo, α − β, α.β ∈ IS(R),

por 2.2.2. Portanto, IS(R) ´e subanel de S.

ii) Segue diretamente do teorema 2.2.2.

O item (ii) desse corol´ario ser´a de grande importˆancia na pr´oxima se¸c˜ao, bem como na demonstra¸c˜ao do teorema principal deste trabalho. Vamos nos restringir agora ao caso R = Z. Seja K uma extens˜ao finita de Q, como no in´ıcio desta se¸c˜ao, e denotemos por OK

o subanel IK(Z) dos inteiros alg´ebricos de K.

Lema 2.2.5 OK ´e finitamente gerado como um Z-m´odulo e K = QOK.

Demonstra¸c˜ao: Como [K : Q] ´e finito, segue que OK ´e finitamente gerado como um grupo

abeliano, ou equivalentemente, como um Z-m´odulo.

Agora, se α ∈ K, ent˜ao α satisfaz uma equa¸c˜ao

αn+ an−1αn−1+ · · · + a0 = 0, ai ∈ Q,

e portanto, satisfaz

cnαn+ cn−1αn−1+ · · · + c0 = 0, ci ∈ Z, cn6= 0.

Assim, γ = cnα satisfaz a equa¸c˜ao mˆonica

γn+ cn−1γn−1+ · · · + cn−1n c0 = 0, ci ∈ Z,

donde cnα ∈ OK. Da´ı, cnα = δ ∈ OK e portanto, α = c−1n δ ∈ QOK.

2.2 Inteiros Alg´ebricos 33

Defini¸c˜ao 2.2.6 i) Um subcorpo K ⊂ C ´e dito ser um corpo quadr´atico se [K : Q] = 2; ii) Um n´umero inteiro d ´e dito ser livre de quadrados se n˜ao ´e divis´ıvel pelo quadrado de nenhum n´umero primo.

Se [K : Q] = 2, ent˜ao K = Q(α), onde α ´e um inteiro alg´ebrico, raiz de um polinˆomio da forma t2− at + b, a, b ∈ Z. Portanto,

α = −a ±p(a

2− 4b)

2 .

Seja a2− 4b = r2d, onde r, d ∈ Z e d ´e livre de quadrados. Ent˜ao

α = −a ± r √

d 2 ,

portanto Q(α) = Q(√d), isto ´e, os corpos quadr´aticos s˜ao exatamente os corpos da forma Q(

d), onde d ´e um inteiro livre de quadrados.

Defini¸c˜ao 2.2.7 Um corpo quadr´atico Q(√d) ´e dito ser real se d ´e positivo e imagin´ario se d ´e negativo.

Exemplo 2.2.8 Se d ´e um inteiro livre de quadrados, o anel dos inteiros alg´ebricos de Q( √ d) ´e da forma: (a) Z[√d], se d 6≡ 1(mod 4); (b) Z[12 + 1 2 √ d], se d ≡ 1(mod 4).

Seja α ∈ Q(√d). Ent˜ao α ´e da forma α = r + s√d, r, s ∈ Q. Podemos ent˜ao escrever

α = a + b √

d c ,

onde a, b, c ∈ Z, c > 0 e a, b e c n˜ao tˆem fator primo comum. Agora, α ´e um inteiro alg´ebrico se e somente se os coeficientes do polinˆomio

t − a + b √ d c !! t − a − b √ d c !!

s˜ao inteiros. Portanto,

a2− b2d

c2 ∈ Z, (2.1)

2a

c ∈ Z. (2.2)

Se a e c tˆem um fator primo p em comum, ent˜ao, como d ´e livre de quadrados, 2.1 implica que p tamb´em divide b, o que n˜ao ´e poss´ıvel. Portanto, por 2.2 n´os temos que c = 1 ou c = 2. Se c = 1, α = a + b√d, e (a) ou (b) ´e v´alido. Suponhamos c = 2. a e b devem ser ent˜ao ´ımpares, e (a2− b2d)/4 ∈ Z. Portanto, a2 − b2d ≡ 0(mod 4). Agora, um

´ımpar 2k + 1 tem quadrado 4k2+ 4k + 1 ≡ 1(mod 4), portanto a2 ≡ 1 ≡ b2(mod 4) e isto

implica que d ≡ 1(mod 4). Reciprocamente, se d ≡ 1(mod 4), ent˜ao, para a e b ´ımpares, temos que valem 2.1 e 2.2 e assim α ´e um inteiro alg´ebrico.

Resumindo: se d 6≡ 1(mod 4), ent˜ao c = 1 e portanto (a) vale; se d ≡ 1(mod 4), podemos ter tamb´em c = 2, com a e b ´ımpares, e neste caso temos que vale (b).

Defini¸c˜ao 2.2.9 Sejam K = Q(ζ) ⊃ Q uma exten¸c˜ao de grau n e σ1, . . . , σn os

monomorfismos (mergulhos) de K em C. Para α ∈ K, definimos a norma de α em K como NK(α) = N (α) = n Y i=1 σi(α).

Observamos que N (αβ) = N (α)N (β) e se α 6= 0, ent˜ao N (α) 6= 0. Al´em disso, se α ´e um inteiro alg´ebrico, ent˜ao N (α) ∈ Z ([23], p.54).

Defini¸c˜ao 2.2.10 Sejam K = Q(ζ) ⊃ Q extens˜ao de grau n e σ1, . . . , σn o conjunto de

todos os mergulhos (monomorfismos) de K em C. Se σi(ζ) ⊂ R, dizemos que σi ´e real;

caso contr´ario, dizemos que σi ´e complexo.

Como conjuga¸c˜ao complexa ´e um automorfismo de C, segue que σi´e um monomor-

fismo de K em C, igual a σj, para algum j. Agora, σi = σi se e somente se σi ´e real,

e σi = σi, portanto os monomorfismos complexos vˆeem em pares conjugados. Assim,

2.2 Inteiros Alg´ebricos 35

Por fim, enunciamos o Teorema da Unidade de Dirichlet e destacamos um corol´ario seu, o qual ser´a fundamental na demonstra¸c˜ao do teorema que generaliza o Teorema de Higman e que ser´a apresentado no ´ultimo cap´ıtulo. A demonstra¸c˜ao pode ser encontrada em [23].

Teorema [Dirichlet] 2.2.11 Seja K ⊃ Q uma extens˜ao finita de grau n = n1 + 2n2,

onde n1 e 2n2 denotam o n´umero de mergulhos reais e complexos de K, respectivamente.

Seja OK o anel dos inteiros alg´ebricos de K e U = U (OK) o grupo das unidades de OK.

Ent˜ao, U ´e um grupo abeliano finitamente gerado. Al´em disso, U = C × F , onde C ´e um grupo c´ıclico finito e F ´e livre de tor¸c˜ao, de posto ρ = n1+ n2− 1.

Corol´ario 2.2.12 Seja K ⊃ Q uma extens˜ao finita de grau n = n1+ 2n2, onde n1 e 2n2

denotam o n´umero de mergulhos reais e complexos de K, respectivamente. Ent˜ao, U (OK)

´

e finito se e somente se K = Q ou K ´e imagin´ario quadr´atico, isto ´e, K = Q(√d), onde d ´e um inteiro negativo, livre de quadrados.

Demonstra¸c˜ao: i) Suponhamos inicialmente que K = Q ou K = Q(√d), onde d ´e um inteiro negativo, livre de quadrados. Se K = Q, o anel OQ dos inteiros alg´ebricos ´e igual

a Z e, portanto, U(OQ) = {1, −1}, finito. Se K = Q(

d), dividimos em trˆes casos: (a) se d = −1, ent˜ao U (OK) = {±1, ±i};

(b) se d = −3, ent˜ao U (OK) = {±1, ±ζ, ±ζ2}, onde ζ = e2πi/3;

(c) para qualquer outro d < 0, U (OK) = {±1}.

Seja α uma unidade no anel dos inteiros alg´ebricos de Q(√d) com inverso β. Ent˜ao, αβ = 1, e portanto, N (α)N (β) = 1. Como N (α) e N (β) s˜ao inteiros, temos que N (α) = ±1. Escrevendo α = a + b√d, a, b ∈ Q, temos que N (α) = a2 − db2 ´e positivo, para d

negativo. Portanto, N (α) = 1 e obtemos a equa¸c˜ao

a2− db2 = 1.

Se a, b ∈ Z, ent˜ao para d = −1, ficamos com a equa¸c˜ao

que tem solu¸c˜oes a = ±1 e b = 0, ou a = 0 e b = ±1. Isto nos d´a (a). Para d < −3, a equa¸c˜ao 2.3 implica que deve ser b = 0 e as solu¸c˜oes inteiras s˜ao a = ±1 e b = 0.

Se d 6≡ 1(mod 4), ent˜ao a, b ∈ Z e as solu¸c˜oes s˜ao somente as j´a encontradas. Se d ≡ 1(mod 4), devemos considerar a possibilidade a = A/2 e b = B/2, onde A, B s˜ao inteiros ´ımpares. Neste caso, ficamos com a equa¸c˜ao A2 − dB2 = 4. Para d < −3,

deduzimos que B = 0 e n˜ao temos solu¸c˜oes adicionais, o que completa (c). Para d = −3, temos as solu¸c˜oes A = ±1, B = ±1. O caso A = 1, B = 1 nos d´a

α = 1 2(−1 +

−3) = ζ,

onde ζ = e2πi/3. Os outros trˆes casos nos d˜ao −ζ, ζ2, −ζ2, o que completa (b).

Assim, conclu´ımos que se K ´e imagin´ario quadr´atico ou K = Q, o grupo das unidades dos inteiros alg´ebricos de K ´e finito.

ii) Suponhamos agora que o grupo U (OK) das unidades dos inteiros alg´ebricos de

K seja finito. Pelo Teorema de Dirichlet, sabemos que U (OK) = C × F , onde C ´e um

grupo c´ıclico finito e F ´e livre de tor¸c˜ao, de posto ρ = n1+n2−1, ou seja, F ' Z × · · · × Z

| {z }

n1+n2−1

.

Como U (OK) ´e finito, devemos ter ent˜ao n1+ n2 − 1 = 0, ou equivalentemente, n1 = 1 e

n2 = 0, ou n1 = 0 e n2 = 1. No primeiro caso, obtemos [K : Q] = 1 e K = Q. No segundo,

[K : Q] = 2 e como n2 denota o n´umero de mergulhos complexos de K, conclu´ımos que K

´

e imagin´ario quadr´atico, o que completa a prova.

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