Vamos mostrar que a proje¸c˜ao µs(ζ) de µs na ´ultima componente, que ´e da forma
µs(ζ) = (1 + ζ + · · · + ζs−1)φ(n), ´e de ordem infinita. Sen˜ao, (1 + ζ + . . . + ζs−1) dever´a
ser de ordem finita. Como o conjunto {±ζs : 0 ≤ t ≤ n − 1} cont´em todas as ra´ızes da unidade de Q(ζ), temos que
(1 + ζ + . . . + ζs−1) = ±ζs, para algum inteiro positivo s.
Multiplicando ambos os lados desta equa¸c˜ao por (1 − ζ), obtemos que 1 − ζs =
±ζs(1−ζ). Portanto, temos que |1−ζs| = |1−ζ|. Escrevendo ζ = cos θ +isen θ, i =√−1,
segue que ζs = cos (sθ)+isen (sθ) e portanto, |1−ζ|2 = |1−(cos θ+isen θ)|2 = 2(1 = cos θ)
e |1 − ζs|2 = |1 − (cos (sθ) + isen (sθ) )|2 = 2(1 − cos (sθ) ). Assim, cos θ = cos (sθ) e
da´ı, sθ = θ ou sθ = 2π − θ. Consequentemente, ζs = ζ ou ζs= ζ−1, mas nenhuma destas
op¸c˜oes ´e poss´ıvel. Logo, µs deve ser de ordem infinita, como quer´ıamos.
3.3
O Teorema de Higman
Veremos nesta se¸c˜ao o teorema de Higman, que imp˜oe condi¸c˜oes sobre o grupo G para que as unidades de ZG sejam todas triviais. Lembramos que uma unidade trivial de ZG ´e da forma ±g, g ∈ G e assim, se todas as unidades de ZG s˜ao triviais, ent˜ao U (ZG) = ±G, o que ´e o mesmo que U1(ZG) = G, onde U1(ZG) ´e o grupo das unidades
normalizadas de ZG, a saber, U1(ZG) = {u ∈ U(ZG) : ε(u) = 1} ( ε ´e o homomorfismo
que foi definido em 2.1.2 ).
Lema 3.3.1 Seja G um grupo de tor¸c˜ao tal que U1(ZG) = G. Ent˜ao, todo subgrupo de G
´
e normal.
Demonstra¸c˜ao: Basta mostrarmos que todo subgrupo c´ıclico de G ´e normal. Suponhamos por contradi¸c˜ao que existe um subgrupo c´ıclico hgi que n˜ao ´e normal. Ent˜ao, existe h ∈ G
tal que h−1gh 6∈ hgi e segue da proposi¸c˜ao 3.2.2 que a unidade bic´ıclica u = 1 + (1 − g)hbg ´
e n˜ao trivial, o que ´e uma contradi¸c˜ao, pois todas as unidades de ZG s˜ao triviais.
Sabemos que se um grupo G ´e abeliano, ent˜ao todos os seus subgrupos s˜ao nor- mais. Um grupo G n˜ao abeliano cujos subgrupos s˜ao todos normais ´e chamado de grupo Hamiltoniano e pode-se provar que ele ´e da forma: G = K8× E × A, onde E ´e um 2-grupo
elementar abeliano (todo elemento a 6= 1 em E ´e de ordem 2), A ´e um grupo abeliano cujos elementos s˜ao todos de ordem ´ımpar e K8 ´e o grupo dos quat´ernios de ordem 8:
K8 = ha, b : a4 = 1, a2 = b2, bab−1 = a−1i.
Proposi¸c˜ao 3.3.2 Seja G um grupo de tor¸c˜ao tal que U1(ZG) = G. Ent˜ao, ou G ´e
abeliano, de expoente igual a 1, 2, 3, 4 ou 6, ou G ´e um 2-grupo Hamiltoniano.
Demonstra¸c˜ao: Pelo lema anterior, sabemos que ou G ´e abeliano ou G ´e Hamiltoniano. Suponhamos primeiro que G seja abeliano. Se ele tem expoente diferente de 1, 2, 3, 4 ou 6, ent˜ao deve conter um elemento de ordem n tal que n = 5 ou n > 6. Em ambos os casos, temos que φ(n) > 2 e a proposi¸c˜ao 3.2.6 mostra que G cont´em uma unidade c´ıclica de Bass que ´e n˜ao trivial.
Se G ´e Hamiltoniano e n˜ao ´e um 2-grupo, ent˜ao G cont´em um elemento x ∈ A de ordem p > 2 (note que E e K8 s˜ao 2-grupos). Assim, o elemento g = ax tem ordem n = 4p
(a ∈ K8 tem ordem 4), donde φ(n) > 2 e portanto, G cont´em uma unidade c´ıclica de Bass
n˜ao trivial.
O Teorema de Higman mostra que a condi¸c˜ao dada na proposi¸c˜ao acima ´e tamb´em suficiente para que ZG tenha somente unidades triviais. Precisamos de mais alguns resul- tados para prov´a-lo.
Lema 3.3.3 Sejam G um grupo tal que as unidades sejam todas triviais e C2 um grupo
3.3 O Teorema de Higman 49
Demonstra¸c˜ao: Seja C2 = ha : a2 = 1i. Como Z(G × C2) ' (ZG)C2, um elemento
u ∈ Z(G × C2) pode ser escrito como u = α + βa, onde α, β ∈ ZG. Como u ´e uma unidade,
existe um outro elemento u−1 = γ + δa tal que
(α + βa)(γ + δa) = (αγ + βδ) + (αδ + βγ)a = 1.
Assim, αγ + βδ = 1 e αδ + βγ = 0. Portanto, temos que
(α + β)(γ + δ) = αγ + βδ + αδ + βγ = 1,
(α − β)(γ − δ) = αγ + βδ − (αδ + βγ) = 1,
o que mostra que α + β e α − β s˜ao unidades em ZG e, consequentemente, elas devem ser triviais. Ent˜ao, devem existir dois elementos g1 e g2 tais que α + β = ±g1 e α − β = ±g2.
Portanto, ou α + β = α − β = ±g1, ou α + β = −(α − β) = ±g1. No primeiro caso, α = ±g1
e β = 0 e no segundo, α = 0 e β = ±g1. Logo, em ambos os casos, obtemos que u ´e trivial.
Lema 3.3.4 As unidades do anel de grupo ZK8 s˜ao triviais.
Demonstra¸c˜ao: Lembremos que K8 = {1, a, b, ab, a2, a3, a2b, ab3}. Ent˜ao, todo elemento
α ∈ ZK8 ´e da forma
α = x0+ x1a + x2b + x3ab + y0a2+ y1a3+ y2a2b + y3ab3.
Consideremos agora o anel dos quat´ernios H = {m0 + m1i + m2k + m3k :
m0, m1, m2, m3 ∈ Z}. Sabemos que suas unidades s˜ao somente os elementos ±1, ±i, ±j, ±k.
Definamos o epimorfismo φ : ZK8 → H dado por α 7→ (x0− y0) + (x1− y1)i + (x2− y2)j +
(x3− y3)k.
Se α ´e uma unidade em ZK8, ent˜ao, φ(α) ´e uma unidade de H. Portanto, para algum
´ındice r, 0 ≤ r ≤ 3 temos que:
xs− ys = 0, se s 6= r.
Por outro lado, podemos ver que a2 ´e central e que K8/ha2i ' C2 × C2. Se
denotarmos por ¯g a classe de um elemento g ∈ K8 no grupo quociente e por ψ : ZK8 →
Z(K8/ha2i) a extens˜ao da proje¸c˜ao canˆonica K8 → K8/ha2i, teremos que:
ψ(α) = (x0+ y0) + (x1+ y1)¯a + (x2+ y2)¯b + (x3+ y3) ¯ab.
Segue do lema anterior que as unidades de Z(C2 × C2) s˜ao triviais (podemos ver
facilmente que as unidades de ZC2 s˜ao triviais). Portanto, para algum ´ındice h, 0 ≤ h ≤ 3,
temos que:
xh + yh = ±1,
xk+ yk = 0, se h 6= k
.
Como os coeficientes s˜ao inteiros, podemos concluir que h = r e
xr = ±1, yr = 0, xs = ys = 0, se s 6= r
ou xr = 0, yr = ±1, xs= y + s = 0, se s 6= r.
Em ambos os casos, temos que α ´e uma unidade trivial de ZK8.
Lema 3.3.5 Seja ζ uma raiz primitiva da unidade de ordem 3 ou 4. Ent˜ao, as unidades do anel ciclotˆomico Z[ζ] s˜ao simplesmente {±ζi}.
Demonstra¸c˜ao: Suponhamos primeiro que ζ ´e uma raiz c´ubica da unidade. Sabemos que o polinˆomio minimal de ζ ´e X2 + X + 1. Portanto, todo elemento α ∈ Z[ζ] ´e da forma α = a+bζ. Suponhamos que α seja uma unidade de Z[ζ]. Como a aplica¸c˜ao f : Z[ζ] → Z[ζ] dada por f (x + yζ) = x + yζ2 ´e um automorfismo, segue que α0 = a + bζ2 ´e tamb´em uma unidade e portanto,
3.3 O Teorema de Higman 51
´
e ainda uma unidade. Como αα0 ∈ Z, temos que a2 + b2 − ab = ±1. Suponhamos que |a| ≥ |b|. Se b 6= 0, 1 segue que a2 + b2 > ab ± 1, uma contradi¸c˜ao. Se b = 0, ent˜ao
α = a ∈ Z ´e uma unidade e da´ı, α = ±1 e, se b = 1, temos que a2 + 1 = a ± 1, o que implica que, ou a2 = a ou a2 − a + 2 = 0. No primeiro caso, temos que ou a = 0 ou
a = 1 e no segundo, a equa¸c˜ao n˜ao tem solu¸c˜ao em Z. Se a = 0, temos que α = bζ e como |α| = 1, segue que α = ±ζ. Por fim, se a = b = 1, temos que α = 1 + ζ = −ζ2. O caso
quando a ≤ b ´e similar.
Quando ζ ´e uma raiz de ordem 4, podemos considerar ζ = i. Assim, os elementos de Z[i] s˜ao da forma α = a+bi, a, b ∈ Z. Agora, se α ´e uma unidade, ent˜ao |α| = a2+b2 = 1
e como a, b ∈ Z, obtemos que ou a = ±1 e b = 0, ou a = 0 e b = ±1, como quer´ıamos.
Enfim, estamos prontos para provar o Teorema de Higman. Vamos fazˆe-lo.
Teorema [Higman] 3.3.6 Seja G um grupo de tor¸c˜ao. Ent˜ao, todas as unidades de ZG s˜ao triviais se e somente se, ou G ´e um grupo abeliano de expoente igual a 1, 2, 3, 4 ou 6, ou G ´e um 2-grupo Hamiltoniano.
Demonstra¸c˜ao: A parte ”‘somente se”do teorema j´a foi provada. Para provar a rec´ıproca, consideremos primeiro o caso quando G ´e um grupo abeliano de expoente igual a 1, 2, 3, 4 ou 6. Podemos supor que G ´e finito. Neste caso, sabemos que
QG ' ⊕d|nadQ(ζd),
onde ζd ´e uma raiz primitiva da unidade de ordem d e ad = [K(ζnd
d):K]. Nesta f´ormula, nd
denota o n´umero de elementos de ordem d em G. Em outras palavras, somente ra´ızes da unidade cujas ordens s˜ao iguais `as ordens dos elementos de G aparecem nesta decomposi¸c˜ao.
Seja R a pr´e-imagem, neste isomorfismo, da ordem
Notemos que, sendo G abeliano com um dos expoentes dados, o Teorema da decomposi¸c˜ao dos grupos abelianos finitos nos diz que ele deve ser de uma das formas seguintes:
G ' C2× · · · × C2,
G ' C3× · · · × C3,
G ' C4× · · · × C4,
G ' C2× · · · × C2× C3× · · · × C3,
G ' C2× · · · × C2× C4× · · · × C4.
Por causa do lema 3.3.3, podemos supor que G ´e, ou do segundo ou do terceiro tipo. Em ambos os casos, o lema 3.3.5 garante que todas as unidades de R s˜ao triviais, e portanto de ordem finita. Como U (ZG) est´a contido em R, todas suas unidades s˜ao de ordem finita e assim, como G ´e abeliano, segue que elas devem ser triviais.
No caso em que G ´e um 2-grupo Hamiltoniano, o resultado segue diretamente dos lemas 3.3.3 e 3.3.4.