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CAPÍTULO 1: PENSAMOS DUAS VEZES ANTES DE AGIR

1.3. As raízes do pensamento contrafactual

1.3.4. Intencionalidade e Contrafactuais

Estes “ses e entãos”, ou por outras palavras, esta comparação, do real e da possibilidade, do factual e do contrafactual são centrais no pensamento humano, e podem representar um auxílio para que as pessoas aprendam com os erros do passado e desenvolvam intenções para o futuro (Markman, Gavanski, Sherman & McMullen, 1993; Roese, 1994).

Desde modo, prevê-se fácil compreender que quando uma acção nos conduz a um resultado indesejado, apareça frequentemente o desejo de não ter agido nesse sentido, e até mesmo nos questionarmos sobre o porquê inerente a essa acção, dirigindo-nos às razões. De facto, no quotidiano, as pessoas intentam invariavelmente inocentar o seu comportamento apresentando razões que o legitimem (Byrne &

Walsh, 2007). A literatura simplifica esta visão acrescentando que tendemos a pensar contrafactualmente sobre as acções controláveis e normais mais do que sobre acções incontroláveis e excepcionais (Girotto, Legrenzi e Rizzo, 1991), sobre acções sociais aceitáveis mais que as inaceitáveis (McCloy & Byrne, 2000). Recentemente, explorou-se a relação entre a razão e a acção, e percebeu-se que as pessoas dirigem mais o seu pensamento contrafactual às acções do que às razões que levam à acção, todavia, curiosamente, quando uma acção resulta de uma obrigação, as pessoas tendem a não imaginar alternativas contrafactuais para a respectiva acção (Walsh & Byrne, 2007). A explicação sustenta-se na teoria dos modelos mentais, ou seja, as pessoas quando estão a pensar acerca das possibilidades ou impossibilidades que podiam ter acontecido, estão a arquitetar mentalmente diferentes representações que descrevem a situação (Byrne, 1997; Quelhas & Byrne, 1999). Consequentemente, as pessoas tendem a pensar sobre as possibilidades verdadeiras e em poucas possibilidades, assim compreendem uma obrigação pensando em duas possibilidades, a permitida e a proibida (Johnson-Laird & Byrne, 2002; Quelhas & Byrne, 2003).

Percebemos então que o pensamento contrafactual tem um grande impacto sobre o comportamento e pode melhorar o sucesso de auto-regulação através da conversão de uma visão sobre os erros do passado em planos para acções futuras, reforçando a intenção de substituir os comportamentos disfuncionais por outros mais funcionais (Epstude & Roese, 2008).

No entanto, nem todos os contrafactuais são funcionalmente iguais, ou seja, podem tanto melhorar (Markman, Gavanski, Sherman, & McMullen, 1993; Roese, 1994) como dificultar (Petrocelli & Harris, 2011) o desempenho futuro. Investigações anteriores já haviam mostrado que tanto a estrutura como a direção pode influenciar a funcionalidade do pensamento contrafactual (Roese, 1994; Roese & Olson, 1993). Isto é, tanto os contrafactuais aditivos (imaginar uma nova acção), bem como os contrafactuais ascendentes (imaginar um resultado alternativo melhor) podem aumentar a probabilidade de resultados positivos futuros em relação aos contrafactuais de subtração (a remoção de uma acção existente) ou aos contrafactuais descendentes (imaginar um resultado alternativo pior). Por exemplo, pensar em como “poderíamos ter lido o livro” ou “poderíamos ter recebido 20 valores” é mais susceptível de reforçar as intenções comportamentais e melhorar um desempenho num teste futuro em comparação com pensamentos sobre como “não deveríamos ter saído com amigos” ou “poderíamos ter recebido 8 valores”.

Estudos mais recentes mostram que esta funcionalidade é diminuída se os contrafactuais justificarem os próprios erros. Ou seja, se ao invés de usá-los para promover uma aprendizagem futura, estes expliquem o acidente, os contrafactuais podem provocar uma falsa sensação de competência, o que pode impactar negativamente no desempenho futuro (Petrocelli, Seta, Seta & Prince, 2012).

Embora a investigação descreva como a construção contrafactual pode influenciar a funcionalidade, não tem sido relevado como o conteúdo contrafactual (ou seja, as informações relevantes incluídas nos contrafactuais) influência a acessibilidade às intenções comportamentais e a probabilidade de mudança de um comportamento. No entanto, se um aspecto fundamental do pensamento contrafactual funcional é a capacidade de fornecer informações que cria um roteiro para como evitar situações semelhantes futuras, então, o conteúdo do contrafactual deve influenciar o efeito. Por exemplo, os pensamentos contrafactuais dos alunos que se sentem decepcionados por terem reprovado poderiam descrever-se como “Eu deveria ter assistido às aulas”, ou “Eu poderia ter trabalhado mais”, ou “Se eu fosse mais esperto”. Cada um destes pensamentos contém um tipo diferente de informação relevante e provoca uma visão diferente sobre como melhorar os resultados futuros.

O presente trabalho centra-se sobre se a ligação entre o pensamento contrafactual e as intenções comportamentais é sensível a mudanças no conteúdo contrafactual. Em particular, analisa se o pensamento contrafactual irá aumentar a acessibilidade cognitiva das intenções relevantes quando o conteúdo é conflituante. Porquê?

Investigações têm mostrado que as mudanças no conteúdo contrafactual influenciam a acessibilidade cognitiva das intenções comportamentais, ou seja, quando os contrafactuais contêm informação detalhada, estes facilitam as intenções. Estes resultados fornecem a evidência de que a relação entre pensamento contrafactual e intenções comportamentais é sensível a mudanças no conteúdo contrafactual, de tal forma que a informação concreta é mais propensa a facilitar uma intenção comportamental quando comparada a uma informação mais abstracta. Por exemplo, quando esboçamos um pensamento contrafactual mais detalhado como, como “Eu deveria ter estudado pelo livro” é mais propenso a aumentar a acessibilidade cognitiva da intenção comportamental correspondente, em comparação a um pensamento contrafactual mais abstrato, como “Eu deveria ter-me esforçado mais”.

E quando a informação nos contrafactuais expressa um conflito entre o que se quer fazer e deve fazer? A primeira questão é saber se esta informação contrafactual influencia a relação entre pensamento contrafactual e as intenções comportamentais.

Poucos têm sido os estudos que relacionam intencionalidade e pensamento contrafactual.

Investigação no domínio da intencionalidade verificou que, quanto mais a intenção é concreta, mais forte é a influência sobre a ação. Gollwitzer (1990) definiu a existência de diferentes categorias de intenções, as quais produziam diferentes efeitos no comportamento. Nos seus trabalhos, Gollwitzer verificou que tanto as intenções comportamentais (ou seja, um plano para executar um comportamento num tempo não especificado) como as intenções de implementação (ou seja, um contrafactual específico que planeia executar um comportamento quando surge uma situação particular) podem influenciar o comportamento, ao passo que as intenções de objectivo (ou seja, um desejo geral para atingir um objectivo), por si, não produzem efeito sobre o comportamento (Gollwitzer, 1990, 1993, 1999).

Meta-análises posteriores confirmaram este padrão, ou seja, verificou-se que as intenções comportamentais têm um efeito moderado sobre o comportamento (Webb & Sheeran, 2006) e as intenções de implementação produzem um efeito ainda mais forte sobre o comportamento (Gollwitzer & Sheeran, 2006).

A literatura contrafactual actual faz uma distinção entre dois caminhos diferentes para a melhoria do desempenho: a via de conteúdo-neutro e a via de conteúdo-específico.

A via de conteúdo-específico encarna a divulgação de determinada informação semântica do contrafactual a uma intenção comportamental de uma acção. Se um indivíduo se esquece de aniversário de um amigo, um contrafactual pode vir à mente, “se eu tivesse anotado o aniversário no meu calendário, eu não me teria esquecido” Este contrafactual poderia, então, evocar uma intenção comportamental, tal como, “vou anotar o aniversário do meu amigo no meu calendário para o próximo ano.” Esta intenção comportamental é então provável que impulsione a pessoa a realizar esta acção, a de anotar o aniversário no calendário (Epstude & Roese, 2008). Um conjunto recente de estudos desenvolvido por Smallman e Roese (2009) explorou a ligação entre o pensamento contrafactual e a intenção comportamental. Através de um paradigma de priming sequencial, os participantes assistiram a uma série de frases que descreviam eventos negativos (por exemplo, ter uma queimadura grave). Depois

disso, seguia-se uma frase contrafactual que implicava uma sugestão de como poderia ter evitado o mau resultado (por exemplo, poderia ter usado protetor solar). Seguia-se uma frase que continha uma intenção comportamental relacionada semanticamente (por exemplo, no futuro eu vou usar protetor solar). Este estudo, como mais estudos dentro deste paradigma sugeriram que os contrafactuais estão automaticamente associados às intenções comportamentais, e, portanto, são potenciadores para preparar uma pessoa para situações futuras semelhantes (Roese, Park, Smallman, & Gibson, 2008; Smallman & Roese, 2009; Smallman, 2010).

Apesar dos recentes trabalhos, muitas interrogações ainda persistem. Neste trabalho, iremos centrar-nos no mundo das crianças e tentaremos compreender como o pensamento contrafactual pode ser influenciado pelas diferentes razões que as levam às acções.