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CAPÍTULO 1: PENSAMOS DUAS VEZES ANTES DE AGIR

1.4. O presente trabalho

Hoje em dia, existe um interesse crescente sobre a intencionalmente, porém poucos estudos experimentais têm analisado os processos cognitivos que fundamentam o raciocínio condicional sobre as intenções, em particular, a partir de uma perspectiva de desenvolvimento. Qual a criança que nunca disse à sua mãe que se comportou assim porque tinha uma razão?

Nesse sentido, é importante falar sobre intenções. Porquê? Trabalhos anteriores mostram que a intencionalidade pode ser influenciada pelo conhecimento, isto é, as pessoas tendem a pensar sobre as acções de forma diferente quando têm conhecimento sobre as razão para essa acção. Um passo importante para a compreensão das acções de outras pessoas é o raciocínio sobre as suas intenções (Walsh & Byrne, 2007; Juhos, Quelhas & Byrne, 2015). Ao longo deste trabalho, pretendemos explorar este efeito do conhecimento sobre as razões para as acções, ampliando-o ao desenvolvimento das crianças, uma vez que pouco se sabe sobre como as crianças interpretam condicionais que contêm diferentes tipos de razões para as acções e sobre como fazem predições a partir de diferentes razões.

Sabemos que as crianças compreendem os desejos antes que compreendam as crenças (Wellman, Cross & Watson, 2001). Mais tarde, as crianças consideram que o comportamento de uma pessoa pode ser influenciado por normas externas, mais do que pelos seus desejos (Kalish & Shiverick, 2004). Nós acrescentamos que as

obrigações podem exigir que as pessoas pensem sobre várias possibilidades: o que é necessário e o que é proibido (Quelhas & Byrne, 2003), e assim, quando as crianças têm de apreciar a importância das regras e obrigações, apresentam uma maior dificuldade para raciocinar com precisão sobre as mudanças de intenções.

Partimos então do que sabemos e escrevemos até aqui. As pessoas pensam que as suas acções são determinadas principalmente pelas suas intenções, e tentam identifica-las desde muito cedo (Saxe, Tenenbaum & Carey, 2005). Sabemos também que as intenções contêm diversas razões para as acções. As pessoas avaliam as razões para as acções, não apenas quando intentam planear o futuro, mas também quando intentam compreender e justificar o passado (McEleney & Byrne, 2006). Neste sentido, parece-nos essencial explorar dois ingredientes essenciais no desenvolvimento do raciocínio das crianças: a teoria da mente e o pensamento contrafactual.

O campo que investiga a teoria da mente e o pensamento contrafactual é realmente vasto, mas nem sempre é direcionado para nos informar sobre o raciocínio e intencionalidade. Existem alguns estudos que ligam intenções e raciocínio, no entanto, não existem estudos que explorem intenções e raciocínio dentro de uma mesma tarefa. Assim, o nosso primeiro grande desafio foi desenvolver uma nova tarefa, a qual chamámos de tarefa de mudança de intenções. Tarefa que, acreditamos, nos permitir ultrapassar esta lacuna, possibilitando-nos avaliar como as crianças usam diferentes tipos de razões (obrigações e desejos) para prever o comportamento do outro. O capítulo 2 conta como foi criar e desenvolver esta tarefa, assim como apresenta todo o seu pré-teste.

Em segundo lugar, há uma discussão ilimitada sobre a relação entre a teoria da mente e o pensamento contrafactual. O nosso trabalho pretende contribuir para esta discussão, comparando o raciocínio sobre falsas crenças com o raciocínio contrafactual na tarefa de mudança de intenções. Sabemos que o pensamento contrafactual têm sido propostos como um ingrediente necessário no desenvolvimento do raciocínio sobre falsas crenças (Riggs et al., 1998).

Para isso, delineámos três objectivos principais. Primeiro, explorar as relações entre o pensamento contrafactual e a teoria da mente, ou seja, este estudo pretende investigar o papel da teoria da mente e do pensamento contrafactual na previsão do comportamento das crianças num contexto de intencionalidade.

Segundo, explorar se a previsão do comportamento é aplicada uniformemente sob os diferentes tipos de razões para as acções (obrigação vs. desejo).

E terceiro, explorar se existem diferenças de desenvolvimento na predição de um comportamento quando há diferentes intenções subjacentes ao comportamento.

Seguiram-se quatro conjuntos de experiências descritos nos capítulo 3,4, 5 e 6. Estes conjuntos de experiências tiveram em comum o objectivo de analisar o raciocínio das crianças sobre as intenções de outras pessoas, ou seja, fundamentalmente, quisemos perceber como, em diferentes contextos, as crianças pensam sobre o que as personagens de uma história, querem fazer (desejos) e devem fazer (obrigações), quando estas intenções são pensadas através de uma teoria da mente e contrafactualmente.

O capítulo 3 reúne um conjunto de três experiências que são o núcleo de todo o nosso trabalho. A primeira experiência testou se as crianças com idade de seis e oito anos faziam menos inferências baseadas nas falsas crenças do que inferências contrafactuais sobre as intenções. Paralelamente, pretendemos avaliar o papel das obrigações e dos desejos no raciocínio das crianças. Encontrámos diferenças e questionámos. O que acontece entre as idades de seis e oito anos? Assim, projetámos a segunda experiência para traçar o desenvolvimento do raciocínio sobre intenções. Aqui, testámos se as crianças de sete e nove anos cometem mais erros nas inferências sobre falsas crenças do que nas contrafactuais, no entanto, acrescentámos à comparação do raciocínio de falsas crenças e contrafactual, o raciocínio condicional sobre o futuro hipotético. Sabemos que as crianças fazem mais inferências sobre o futuro hipotético do que contrafactuais sobre relações físicas, uma vez que as inferências sobre o futuro hipotético exigem que as pessoas considerem apenas uma única possibilidade, enquanto que as inferências contrafactuais consideram várias possibilidades (Rafetseder & Perner, 2014). Quisemos também saber como esta relação entre contrafactuais e futuro hipotético se desenvolve aquando de estados mentais, como as intenções.

Percebemos que, como esperado, as crianças cometem mais erros nas inferência de falsas crenças na condição em que ocorre uma mudança de intenções de desejos para obrigações. Pensamos que uma possível explicação poderia ser que as crianças respondem baseando-se no que a personagem deve fazer. Delineámos então a terceira experiência, a qual explora o papel das obrigações, adaptando as histórias utilizadas na experiência anterior, de modo a serem mais simples, sem conflito entre

razões, onde a razão inicial é um mero "plano de acção" que é alterado para uma obrigação ou desejo. A tarefa de falsas intenções simplificada permite clarificar o real papel das obrigações e desejos no raciocínio das crianças.

No capítulo 3 descrevemos um conjunto de experiências, as quais revelaram que as obrigações assumem um papel bastante importante no raciocínio de crianças. No entanto, sabemos que o contexto também assume um papel de destaque,

Discutimos os resultados e escrevemos o capítulo 4. Poderão os factores socioeconómicos e culturais também afectar o raciocínio sobre a intencionalidade? Muito pouco se sabe sobre como factores socioeconómicos podem influenciar o raciocínio. Alguns autores encontraram que o contexto familiar tem um impacto significativo no desenvolvimento da teoria da mente, e que fatores socioeconómicos influenciam os valores morais e raciocínio. Desenhámos assim a experiência 4 afim de explorar a hipótese de que o raciocínio é influenciado por diferentes tipos de razão para a acção, e que os factores socioeconómicos intervêm nessa diferenciação. No entanto, agora esperamos que as crianças cometam mais erros quando existe alterações de uma obrigação para um, porque hipotetizamos que as suas respostas incidem sobre os desejos.

Os resultados foram surpreendentes e de facto encontrámos que em contextos socioeconómicos mais baixos, as crianças deixam-se influenciar agora pelo que querem fazer, pelos seus desejos. Mas, e o que acontece quando as crianças não têm um contexto que dá acesso ao que lhes é familiar, às suas crenças e valores?

No capítulo 5 descrevemos a experiência 5, a qual foi projetada para compreender o raciocínio das crianças sobre as intenções de outras pessoas em contextos sócio-morais com significados abstratos e desprovidos de relações hierárquicas, nas quais o conhecimento sobre as regras é desconhecido. Adaptámos as histórias utilizadas na primeira experiência. Estas histórias ocorrem num planeta da fantasia, a informação contextual sobre as situações é atenuada pela falta de pistas sobre a realidade e as relações entre os personagens.

Verificámos que mesmo longe da terra, as crianças continuam a dar primazia às obrigações. Interessante. Pensámos então ser importante compreender como crianças que apresentam dificuldades sociais e ignoram os sinais contextuais, fazem inferências baseadas nas em falsas crenças e contrafactuais sobre as diferentes intenções. Falamos então do capítulo 6. Há um consenso de que o défice na teoria da mente da mente pode explicar as graves dificuldades na interação social e

comunicação, muitas vezes relatadas em crianças autistas. A capacidade de interpretar as acções dos outros em termos de estados mentais é fundamental para avaliar os outros e, especialmente, para formar julgamentos morais. No entanto, as lacunas na teoria da mente em pessoas com Autismo de Alto Funcionamento e Síndrome de Asperger não estão sempre presentes. Traçámos então a última e sexta experiência, a qual estudou o raciocínio das crianças com diagnóstico de autismo sobre as intenções de outras pessoas usando a tarefa de intenções falsas.

Chegamos então ao capitulo 7, o último. Aqui encontramos a discussão e integração dos vários resultados. Encontramos também o que poderia ter sido feito de forma diferente, as limitações, mas também o que este trabalho nos habilitou para pensar em novos caminhos no futuro.