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4.2 UM OLHAR PARA ALÉM DOS MUROS DA ESCOLA

4.2.1 Família: Um sistema social

4.2.1.1 Interação família e escola

Repensar as relações entre a família e a escola para todas as crianças é um desafio constante. Segundo Mittler (2003, p. 205) “ainda há uma cortina aveludada entre o lar e a escola, pois há uma tensão subjacente inevitável que surge a partir do desequilíbrio de poder entre eles”, mesmo nas manifestações mais amigáveis e corteses.

No contexto da relação família e escola, segundo Zafani (2016, p.224) “tanto a família quanto a escola possuem atribuições referentes ao processo escolar, os pais devem expor aquilo que esperam da escola e esta deve estar aberta para escutar e acolher cada uma dessas famílias”. Campos (2009, p. 20) comenta que uma das formas de propiciar mais visibilidade e integração social dos pais e filhos com deficiência é por meio da educação, que passa, em primeiro, pelo enfrentamento da deficiência e as dificuldades vividas pelos pais e, em segundo, pela vivência do preconceito.

Carvalho (2013, p. 116) reforça a ideia e entende que as escolas podem também “estabelecer parcerias com a comunidade sem intenção de usufruto de benefícios apenas sim para conquistar a cumplicidade de seus membros, em relação às finalidades e objetivos educativos”.

Para Regen (2011, p. 4) é necessário também considerar a família como um sistema complexo visto que “cada família é única, diferenciando em tamanho, elementos e valores que a compõem, passa por estágios de desenvolvimento, como o nascimento dos filhos, a fase da velhice dos pais” e principalmente é um sistema altamente interativo, pois o que acontece com um dos seus membros repercute no todo.

Desse modo o ingresso escolar da criança com TEA traz novas mudanças no sistema familiar como um todo. A busca por mais informações e um diálogo mais

próximo com a escola, ameniza a insegurança que afeta os pais nesta nova fase e pode também afetar a escola. Em virtude disso a relação com a instituição escolar deve ser fortalecida como diz Regen:

no que diz respeito a diferença de experiências, os pais se sentem inseguros e incapazes, dependendo dos profissionais quanto a formas de ajudar seu filho; os profissionais se sentem como os únicos com competência para orientar os pais e assumem o papel de autoridade absoluta, não passível de crítica. Os pais têm sentimentos de culpa quando não seguem as recomendações e os profissionais, sentindo a desconfiança dos pais, neles colocam o estigma de “pais difíceis”, produzindo sentimentos de culpa, além dos já existentes. É importante que se estabeleça uma relação de confiança mútua e de parceria entre pais e profissionais, pois aqueles, embora leigos, convivem por muito mais tempo com a criança e podem trazer dados importantes para o bom desenvolvimento do trabalho técnico. (REGEN, 2011, p. 6).

Sobre esta questão trago algumas narrativas interessantes dos livros pesquisados sobre o distanciamento junto à escola além da dificuldade das mães em encontrarem espaço para saber o que acontecia com os filhos enquanto estavam na escola.

Quanto a mim e outras mães, não mais poderíamos ir além do portão de entrada, que passou a ficar permanentemente trancado com cadeado, mas esperávamos pacientemente por uma reunião, para esclarecer nossas dúvidas. Essas reuniões não ocorriam (durante um ano e meio ocorreram apenas duas). Resignei-me a observar o comportamento de Jonas, imaginar o que ocorria com ele lá dentro e conversar com alguns professores em quem confiava e que ainda estavam lá. (Livro1).

Certo dia cheguei para buscá-lo e ele não estava na escola. Descobrimos que ele não assistia às aulas há pelo menos três dias. (Livro 6).

Por outro lado, encontrei manifestações que descrevem a preocupação dos pais e professores em contribuírem para o aprendizado formando parcerias junto à escola. Mittler (2003, p. 205) sugere que inventar formas de trazer professores e pais para um relação mais próxima beneficia as crianças em relação à aprendizagem, favorece o trabalho dos professores em “promover a inclusão social, assim como a inclusão escolar, sobretudo àqueles pais que estão experimentando a exclusão social”

As professoras, quando tinham dúvidas em como agir com ele, me convocavam para ir à escola para conversarmos. (Livro 5).

Mães debatem com os professores e coordenadores em busca de como resolver a inclusão evitando que seus alunos autistas fiquem sem fazer nada em sala de aula, por falta de conhecimento do professor. (Livro 7).

Mittler (2003, p. 206-210) entende que “pais de crianças com necessidades especiais têm uma grande necessidade de relações de trabalho com professores baseadas no entendimento e na confiança”. Para que esta parceria seja bem sucedida e transforme os pais como “parceiros”, algumas características são importantes como, por exemplo, a demonstração de respeito e compreensão do real papel do pai e da mãe na educação da criança, a organização de esquemas de adaptação flexíveis para que os pais possam acompanhar este processo discutindo as competências e os interesses dos seus filhos, proporcionar aos pais maneiras de mantê-los informados através de panfletos, vídeos, exibições em linguagem informal junto às famílias, o aproveitamento do conhecimento e as experiências dos pais e outros adultos da família como apoiadores da aprendizagem no contexto escolar. E o mais importante “todos os pais devem se sentir bem- vindos, estimados e úteis, através de oportunidades para colaboração entre as crianças, os professores e os profissionais nas escolas”.

Estas narrativas me fazem pensar que o acompanhamento dado ao aluno com autismo pode ser muito semelhante a qualquer aluno sem deficiência. Muitas vezes é na escola que aparecem dificuldades que talvez para os pais passem despercebidas. A narrativa a seguir demonstra esta questão, mas que pode acontecer com qualquer outro aluno sem deficiência.

Antes de descobrirmos que JP precisava fazer uso de óculos, em razão de 3 graus de hipermetropia, ele apresentou um quadro muito severo de alterações comportamentais que quase nos levaram à beira da loucura. Na escola, se recusava a copiar do quadro e chorava todas as vezes em que precisava ler algum texto. Com isto, fui orientada a procurar um oftalmologista que constatou para a minha total surpresa, que meu filho não apenas era hipermetrope, como seu grau era bastante significativo. Ou seja, meu filho se comportava mal pelo simples fato de não conseguir enxergar direito. (Livro 3).

Desse modo o processo de inclusão passa também pelos julgamentos que podem ser feitos antecipadamente, ou seja, no exemplo demonstrado não se tratava de mau comportamento, mas sim de uma situação de saúde que foi investigada e resolvida.

Os pré-julgamentos muitas vezes estão associados à deficiência em si e não ao fato concreto, tornando o indivíduo com autismo alvo de preconceito e estigma de mal-educado, gerando certos receios dentro e fora da escola, como postula Mantoan (2011):

o preconceito justifica as práticas de distanciamento dessas pessoas, devido às suas características pessoais (como também com outras minorias), que passam a ser alvo de nosso descrédito; essas pessoas têm reduzidas as oportunidades de se fazerem conhecer e as possibilidades de conviverem com seus colegas de turma, sem deficiência. (MANTOAN, 2011, p. 40).

De qualquer modo, o que as famílias esperam da escola sempre será o aprendizado dos seus filhos, reforçando assim o que os pais já iniciaram no ambiente familiar, tornando-os mais independentes, mesmo sabendo dos desafios que os filhos terão na escola.

Existe uma grande preocupação dos pais sobre a inclusão escolar e o futuro de seus filhos. Muitos pais querem um começo, e os começos muitas vezes são confusos e difíceis. (Livro 7).

A vontade de ver a filha independente e com possibilidades de aprendizado é trazida pela narrativa a seguir que, num primeiro momento até questionou o poder da escola, mas que mesmo assim acreditou que a educação poderia criar possibilidades na vida de uma criança com autismo.

Gostaria de ressaltar que quando Sheila era pequena não acreditava que o aprendizado valesse a pena, pois seria inútil para o seu crescimento uma vez que ela não evoluía devido a suas barreiras. Eu olhava outros alunos com deficiência e não podia imaginar que fosse um investimento válido. De que adiantaria aprender equações matemáticas, história e geografia? Quantas pessoas consideradas “normais” fazem uso do que aprenderam na escola?

Hoje sim, acredito que todos têm direito de aprender com a finalidade de possuir uma cultura geral e desenvolver um bom raciocínio e, com isso, serem pelo menos mais independentes e não mais totalmente encapsulados em seus mundos. (Livro7).10

Regen (2011, p. 7) entende que da mesma forma que uma criança com deficiência deva ser educada “com as mesmas regras familiares que se aplicam a todo grupo familiar”, a família também precisa ser valorizada como espaço de

formação de cidadania e de produção da identidade social, concedendo aos pais a possibilidade de exercitarem o seu aprendizado como pais.

Embora os livros e os diferentes métodos terapêuticos sugiram procedimentos a serem desenvolvidos com crianças com TID ou TEA, a prática possibilita a nós, pais, um tipo de conhecimento que é incontestável. É com base nessas descobertas e vivências que as conversas informais sobre o assunto ganham uma contribuição valiosa. É na prática que o aprendizado e o ensinamento instalam-se e nos tornam conhecedores. (Livro 2).

Esse olhar para as famílias como espaços sociais de onde parte o início da educação é necessário para que sejam evitados os paradigmas de famílias normais e famílias anormais e que podem em algum momento produzir estereótipos junto aos alunos com deficiência que frequentam as nossas escolas.